Você está aqui

Onde você guarda o seu racismo?

Autor original: Luísa Gockel

Seção original: Novidades do Terceiro Setor





Onde você guarda o seu racismo?
Divulgação

Onde você guarda o seu racismo? A pergunta, que também é o mote da campanha promovida pelo grupo Diálogos contra o Racismo, tem o objetivo de provocar uma reflexão individual e, principalmente, conscientizar a população de que a luta contra o preconceito racial é responsabilidade de todos. A campanha, que será lançada no dia 14 de dezembro, foi baseada numa pesquisa que mostrou que grande parte dos brasileiros - 87% - admite que há discriminação racial no país, mas apenas 4% da população se considera racista.

A novidade da iniciativa é que, assim como a maioria das 40 organizações que participam dos Diálogos não fazem parte exclusivamente do movimento negro, a campanha é, na sua maioria, feita por pessoas brancas para a população branca. De acordo com Sílvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), e uma das organizadoras da campanha, a idéia teve início em 2001, na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada pela ONU em Durban, na África do Sul. "Na Conferência, algumas entidades começaram a questionar qual seria o papel das organizações que não faziam parte do movimento negro na luta contra o racismo. Em resposta a isso, decidimos criar o grupo Diálogos contra o Racismo", explica.

O grupo é formado por grandes organizações – como a Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) e o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) –, entidades de proteção aos direitos humanos, do movimento feminista, de preservação ambiental e centros de estudos, que realizaram encontros entre 2001 e 2003, ano em que a campanha foi idealizada. "Achamos que a melhor forma de fazer alguma coisa era produzindo uma campanha para que o país refletisse sobre a mesma questão colocada para nós três anos antes: o racismo é um problema só do negro?", questiona Sílvia.

As organizações perceberam que estavam fazendo pouco pela luta do movimento negro. E decidiram que precisavam dar o exemplo: "Hoje, no Cesec, desenvolvemos dois projetos que discutem diretamente a temática racial e inserimos o tema em todas as pesquisas", diz Sílvia.

A campanha, segundo a coordenadora do Cesec, parte da constatação de que o Brasil é um país racista sem racistas. "Hoje superamos a idéia de que o Brasil é uma democracia racial. Todo mundo sabe que existe racismo aqui. O difícil é admitir que nós mesmos também discriminamos", avalia. Sílvia explica que esse foi o principal motivo que fez a campanha ter protagonistas brancos. "A idéia é tocar na subjetividade de cada um", diz. Para a pesquisadora do Ibase, Fernanda Carvalho, numa sociedade racista, ninguém escapa. "As pessoas estão cercadas pela idéia de que o branco é bonito, é positivo. Podem até ter consciência desse processo, mas é preciso colocar isso para fora", acredita.

A campanha vai ser veiculada a partir de 27 de dezembro através de spots de televisão e rádio, além de outdoors e busdoors. A pergunta chave da campanha foi escolhida depois de 300 entrevistas realizadas nas ruas, de acordo com Fernanda. "Quando questionamos se as pessoas são racistas o primeiro impulso é dizer que não. Mas se perguntamos onde elas guardam o seu racismo, estimulamos a reflexão, e o resultado disso foi surpreendente", explica. A pesquisadora conta que todas as pessoas tinham uma resposta. "Algumas afirmaram que guardavam na pele, outras no inconsciente e até no medo", lembra.

Além das peças publicitárias e dos cartazes espalhados pelo país, a campanha vai disponibilizar, a partir do dia 14 de dezembro, uma página na Internet (www.dialogoscontraoracismo.org.br) com banners e idéias para promover a discussão em vários espaços, como escolas e associações de moradores.

Segundo Fernanda, a expectativa de que a campanha dê certo é grande, mas só a sua concretização já indica um avanço na luta que antes era essencialmente do movimento negro. "Houve uma grande evolução na forma como o tema é tratado. O racismo é hoje uma questão transversal a todas as outras, e o grupo Diálogos e a campanha são resultado disso. Esperamos que haja reflexo nas políticas públicas, mas por hora é preciso mudar a consciência das pessoas", acredita.


Luísa Gockel

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer