Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Na sexta-feira 17 de dezembro terminou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Em Buenos Aires, Argentina, onde aconteceu o evento, o governo brasileiro apresentou dados pouco animadores. O país continua liderando a lista dos que mais derrubam florestas e ocupa a quinta colocação entre os maiores emissores de gases causadores de efeito-estufa. As posições foram alcançadas graças às queimadas que acontecem na Amazônia. Segundo o Inventário das Emissões de Gases divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) na capital argentina, o desmatamento é responsável por 75% das emissões de CO2 do Brasil.
De acordo com informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a área devastada cresce a cada ano. O terreno que perdeu sua cobertura florestal entre agosto de 2002 e agosto de 2003 foi maior que o do mesmo período anterior. E, segundo uma estimativa divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente durante a convenção na Argentina, o número pode, mais uma vez, crescer, considerando-se o intervalo entre agosto de 2003 e o mesmo mês de 2004. Imagens de satélite do Inpe mostram que o desmatamento deve ficar entre 23.100 e 24.400 hectares, contra 23.750 hectares em 2002/2003, 23.266 em 2001/2002 e 18.165 hectares em 2000/2001. Os dados consolidados serão publicados no início de 2005, ainda sem data definida.
Para o MMA, as estatísticas demonstram a contenção do avanço da destruição da floresta, mas ambientalistas acreditam que os números possam ser ainda maiores quando a conta for fechada e que, mesmo estáveis, eles ainda são muito grandes. Os maiores culpados são o avanço da soja, principalmente no norte de Mato Grosso, a pecuária, a falta de ordenação da agricultura familiar e a especulação que cerca as áreas em torno de projetos já anunciados pelo governo, como a pavimentação da BR-163, que liga Cuiabá a Santarém.
Quando apresentou os dados, o governo tratou de mostrar que está otimista e trabalhando para diminuir o desmatamento. A ministra Marina Silva afirmou que, entre outras medidas, o Ministério do Meio Ambiente está instalando 19 bases de fiscalização nas áreas críticas da Amazônia e que, com apoio do Exército, apreendeu 70 mil metros cúbicos de madeira ilegal no Pará este ano. Foi dito também que a estimativa tem uma margem de erro de 10% a 15% para cima ou para baixo. Ou seja, existe a possibilidade de o desmatamento estar diminuindo.
Os ambientalistas, no entanto, não acreditam nessa hipótese. “Há uma imprecisão grande nos dados. Em alguns locais, como a Terra do Meio (área de 8,3 milhões de hectares entre os rios Xingu e Tapajós, no Pará) o desmatamento está superestimado. Mas nossa estimativa é que a área desmatada seja maior por causa de nossa experiência de observação”, diz Paulo Adário, coordenador da campanha pela Amazônia do Greenpeace.
Os dados relativos a 2003/2004 são preliminares e ainda precisam ser fechados, mas guardam diferenças em relação aos anteriores. O governo costuma usar imagens do sistema Prodes, do Inpe, que capta alterações em áreas maiores do que 6,25km2. Porém, preocupado com o ritmo da devastação, passou a utilizar paralelamente dados de outro sistema, também do Inpe: o Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter). A vantagem é a maior velocidade de emissão de informações (a cada 15 dias, contra a periodicidade anual do Prodes), o que permite ações mais rápidas por parte dos órgãos de fiscalização, como o Ibama e a Polícia Federal. Graças à agilidade, foi possível divulgar os dados preliminares. A desvantagem é a menor precisão: capta alterações maiores que 25km2. Ou seja, pequenos desmatamentos, como os feitos por colonos para lavouras de subsistência, não são detectados e podem somar um grande valor ao resultado final.
“O fato é que esses números, sejam lá quais forem precisamente, já ultrapassaram em muito o nível do que pudesse ser aceitável e constituem uma aberração”, reclama Márcio Santilli, do Conselho Diretor do Instituto Socioambiental (ISA), em artigo divulgado no site da entidade (ver link ao lado).
O desflorestamento causa desequilíbrio ambiental, contribui para colocar espécies em risco de extinção e envolve diversas práticas criminosas, como a extração ilegal de madeira e o tráfico de animais.
Principais problemas
O desmatamento da Amazônia envolve diversas questões e por isso é difícil de ser controlado. De acordo com o livro “Desmatamento na Amazônia: indo além da emergência”, editado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e lançado em junho deste ano, as maiores causas do desmatamento são o avanço da pecuária e da agricultura, tanto a mecanizada quanto a familiar. A publicação foi elaborada por pesquisadores brasileiros e estrangeiros com base em dados colhidos pelo Ipam para subsidiar a elaboração do Plano Nacional de Ação contra do Desmatamento, anunciado em 2003.
O livro aponta a pecuária como principal vilã. Segundo ele, a criação de gado é responsável por 75% da derrubada de árvores na Amazônia. O resultado é visível pelo aumento do rebanho. Entre 1990 e 2001, o número de cabeças na região da Amazônia Legal (estados da região norte mais Mato Grosso, Tocantins e Maranhão) praticamente dobrou. De 26,3 milhões, foi para 52,1 milhões, com crescimento médio de 6% ao ano, contra uma média nacional de 1,7%. No chamado “arco do desmatamento”, que envolve 249 municípios localizados no sudeste do Maranhão, norte do Tocantins, sul do Pará, norte de Mato Grosso, Rondônia, sul do Amazonas e o sudeste do Acre, o crescimento mais que dobrou. De 10 milhões de cabeças em 1990, o rebanho passou a ter 25,1 milhões 11 anos depois, sob uma taxa média de crescimento anual de 7,9%. A participação desses municípios no rebanho nacional passou de 40,2% para 48,6%.
A maior parte do desmatamento acontece em grandes propriedades e é destinada a criar pastagens para a pecuária extensiva de baixa produtividade, diz o estudo. De acordo com o relatório, os incentivos de ocupação e produção vêm diminuindo desde os anos 1990, mas o avanço permanece. Há duas hipóteses para explicar o crescimento do número e do tamanho das propriedades: a alta lucratividade e a possibilidade de ganhos no futuro com a venda de terrenos. Os lucros obtidos com a criação de gado variam de acordo a metodologia adotada para o cálculo, mas podem variar de 2% a 14%. Já a terra fica à espera de uma valorização, que pode ser causada pelo simples anúncio de obras de infra-estrutura pelo governo.
Enquanto os grandes pecuaristas têm seu peso definido no desmatamento, o mesmo não pode ser dito em relação aos pequenos proprietários. Sua contribuição varia de acordo com a região e tipo de ocupação. De acordo com dados de 1996 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Amazônia vivem mais de 750 mil famílias com lotes de até cem hectares. Elas sobrevivem da lavoura “branca” (mandioca, milho, feijão, arroz) e da permanente (café, cacau, pimenta, banana, etc), além da pecuária de corte e de leite. Essas famílias representam 70% da população rural da região e produzem 36% do seu Produto Interno Bruto (PIB).
A tendência de crescimento dessa parcela é alta. Os agricultores desmatam, em média, de 2 a 3 hectares por ano, mas esse índice tende a subir por causa da adoção paulatina da pecuária como fonte de renda. O estudo afirma que algumas iniciativas estão sendo implementadas para conter a expansão do desmatamento, a fim de que os colonos respeitem o Código Florestal e outras leis ambientais. Há também o problema da qualidade da terra. Geralmente os pequenos agricultores são assentados em terrenos de baixa produtividade, o que os leva a ampliar a propriedade para obter rendimentos ou a buscar novos assentamentos. Por causa desses fatores, é difícil precisar a contribuição dessa atividade no desmatamento.
O mesmo não se pode dizer da expansão da fronteira agrícola, principalmente da soja, na Amazônia. Ela tem ocupado áreas onde antes era criado gado e empurrado a pecuária para áreas de floresta. Contratos de arrendamento estão sendo firmados entre pecuaristas e agricultores. Os criadores, depois de verem suas terras desgastadas por anos de pecuária sem cuidados, pretendem ver a qualidade do solo melhorada com a aplicação de tecnologias de enriquecimento utilizadas em plantações de soja. Assim, expandem suas propriedades rumo ao norte e abrem espaço para o grão. Por causa da procura por novas terras, o preço médio do hectare com pastagem no Mato Grosso, por exemplo, subiu de R$ 462, entre novembro e dezembro de 2001, para R$ 971, em janeiro e fevereiro de 2003 – uma valorização de 110%. Na região de Nova Bandeirante/Nova Monte Verde, municípios no norte do estado, o índice chega a 195%.
A especulação tem sido influenciada não só pela possibilidade de compra de terrenos para produção, mas também por anúncios de grandes obras na região. O governo federal já anunciou que vai pavimentar a BR-163 e construir uma estrada que ligue o Acre ao litoral peruano por meio da selva. Além disso, o asfaltamento da rodovia entre Manaus e Porto Velho (BR-319) deve sair do papel nos próximos anos. “São obras complicadas, que devem ser feitas com muito cuidado”, alerta José Arnaldo Oliveira, assessor do Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA).
O ambientalista reconhece, porém, a dificuldade de frear os anúncios de grandes obras. “Ai de quem falar mal de uma estrada até Porto Velho aqui em Manaus. É preciso lidar com a opinião pública e com interesses políticos muito fortes”, lembra. De 1978 a 1994, cerca de 75% do desflorestamento na Amazônia ocorreu dentro de uma faixa de 50km de cada lado das rodovias pavimentadas da região, estima o governo. Muitas vezes essa ocupação é feita de forma ilegal, por meio de grilagem de terras, com a conivência das autoridades. A área total com autorizações para desmatamento emitidas pelo Ibama corresponde a 14,2% e 8,7% do total desmatado na Amazônia Legal em 1999 e 2000, respectivamente.
A área mais ameaçada pela especulação é a floresta de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, localizada no norte de Mato Grosso. O município de Querência, no nordeste do estado, por exemplo, viu o preço do hectare de floresta subir de R$ 125 no final de 2001 para R$ 550 no início de 2003 (valorização de 340% em um ano). Atualmente, 33% da soja produzida no Estado é proveniente de municípios cujo ecossistema principal é representado pelas florestas de transição.
Para completar o quadro, há ainda o problema da forma como a ocupação da Amazônia é feita. Em muitos casos, as pastagens são abertas com queimadas, que não raro fogem de controle e acabam atingindo áreas muito maiores do que o planejado. O risco de incêndio é ainda maior justamente na área de expansão da pecuária e da soja, o norte do Mato Grosso e o sul do Pará, onde o período de seca é prolongado e se localizam florestas de transição.
A fumaça gerada na Amazônia é responsável pela maioria das emissões de gases poluentes que colocaram o Brasil na quinta colocação do ranking dos maiores poluidores do mundo. O Protocolo de Quioto não exige que o país diminua sua produção de gases.
Além disso, há o avanço da indústria madeireira, cuja produção é feita, em grande parte, sem práticas de manejo sustentável. Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) estimam a produção de madeira na Amazônia brasileira em torno de 30 milhões de metros cúbicos por ano.
Ações
Apesar dos diversos problemas, os ambientalistas acreditam que com um pouco mais de vontade política seria possível, ao menos, amenizar as conseqüências do desmatamento desenfreado. Os autores do livro do Ipam dizem: “Hoje o governo é potencialmente capaz de ordenar a expansão da fronteira, reduzindo de modo significativo a taxa de desmatamento. Entretanto, para que isso aconteça, será necessário ir além de estratégias emergenciais e investir numa estratégia de longo prazo que resulte no ordenamento do desenvolvimento da fronteira amazônica”.
Programas e planos não faltam, mas precisam ser mais bem implementados, dizem os ambientalistas. A Rets tentou falar com o secretário nacional de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, e com Muriel Saragoussi, secretária de Coordenação da Amazônia, mas nenhum dos dois estava disponível para comentar as críticas.
Em março deste ano, o governo lançou o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento, para o qual seriam destinados R$ 394 milhões, 62% dos quais haviam sido reservados para ordenamento fundiário e territorial. O restante dos recursos seria destinado ao monitoramento e controle (21%) e ao fomento das atividades sustentáveis (17%).
O Plano busca atuar em quatro frentes: “ordenamento fundiário e territorial”, “monitoramento e controle”, “fomento a atividades de produção sustentável” e “infra-estrutura”. A idéia é produzir ações que envolvam não só o Ministério do Meio Ambiente e seus órgãos, como o Ibama, mas também outras pastas que direta ou indiretamente influenciam a ocupação da Amazônia, como a Agricultura.
O problema, mais uma vez, parece ser a distância entre o discurso e a prática. De acordo com Paulo Adário, do Greenpeace, a verba do Plano de Ação não foi toda liberada. “É preciso lembrar que o ano eleitoral não ajudou, mas é preciso investir com rapidez”, pondera. Adario acusa o modelo de desenvolvimento adotado pelo governo, dependente de grandes exportações agrícolas, e as contradições internas do Executivo pelo mau desempenho das ações ambientais. “A transversalidade tão falada ainda não está em todas as áreas. O grande problema é que esse governo se elegeu com um programa de desenvolvimento sustentável. Aliás, foi a única candidatura a apresentar um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia e até agora não avançou muito nesse sentido”, reclama.
José Arnaldo Oliveira concorda e afirma que o plano de ação não foi completamente implementado. Ele pede mais agilidade no Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) e na fiscalização e mais investimentos em comércio sustentável e pesquisa para melhor aproveitar a área sem desmatar.
Em reunião realizada no dia 3 de dezembro, o governo reconheceu dificuldades para a implementação do Plano, mas apresentou alguns casos de sucesso. Um exemplo é o programa Agricultura Sustentável, do Ministério da Agricultura, que prevê a recuperação de áreas abandonadas na Amazônia. Atualmente, a região apresenta cerca de 63 milhões de hectares de áreas desmatadas, mas 16,5 milhões de hectares estão sem uso. Há 600 mil hectares convertidos para a produção agrícola na área desflorestada, e destes, 165 mil estão abandonados. Foi implementado também o Centro Nacional de Apoio ao Manejo Florestal (Cenaflor) e o crescimento da área de manejo florestal certificado passou de 300 mil para 1,4 milhões de hectares.
Em relação às obras de infra-estrutura, o governo não pretende suspendê-las. O objetivo é criar condições para que a ocupação no entorno dessas áreas seja feita de maneira sustentável e com ordem, inclusive abrindo espaço para a participação de grupos interessados na tomada de decisões.
Para rebater uma reclamação constante sobre a falta de ações para ordenar o território amazônico, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) editou uma portaria em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Agrário que dispõe sobre procedimentos a serem adotados em relação aos imóveis rurais com situação jurídica de posse por simples ocupação localizados em municípios da Amazônia Legal. “Essa é uma medida que vem para inibir um processo de ocupação desordenada e desmatamento predatório das áreas federais em toda a Amazônia Legal”, afirmou Rossetto na cerimônia de lançamento, no dia 1º de dezembro. A portaria estabelece, entre outras medidas, que as Superintendências Regionais do Incra não poderão mais expedir declaração de posse sobre áreas rurais superiores a 100 hectares e a necessidade de apresentação de plantas sobre as propriedades.
Os ambientalistas apontam como solução para a contenção do desmatamento a criação de novas unidades de conservação. No último dia 3 foram criadas as Reservas Extrativistas de Lago de Capanã Grande (AM), Riozinho do Anfrisio (PA) e Verde para Sempre (PA), totalizando uma área de 2.329.193 hectares, e a Floresta Nacional de Jacundá (RO), com área de 220.664 hectares. No dia 16 de dezembro, o governo do Amazonas anunciou a criação de um mosaico de áreas protegidas no sul do estado. São nove unidades interligadas, totalizando 3 milhões de hectares, que podem ajudar a conter o avanço da pecuária e da soja oriundos do norte do Mato Grosso. De acordo com o IBGE, atualmente 29% da Amazônia está protegida por algum tipo de reserva.
Ainda assim, a perspectiva não é das melhores. “Não sei se o governo vai mesmo conseguir conter o avanço do desmatamento. Reverter o ritmo atual é desafio imenso e os mecanismos de controle não estão claros”, lamenta Oliveira. Adário é mais contundente: “Há uma contradição não resolvida no governo, logo, não tenho como ser otimista. Cabe à sociedade civil ser vigilante para pressionar por mais ações em prol do meio ambiente”.
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