Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
![]() Apresentação de metas CAMMPI | ![]() |
Itapagipe é uma península na Baía de Todos os Santos, no noroeste de Salvador, cuja história já teve altos e baixos. Seu primeiro uso, ainda no século XVIII, foi como área de veraneio da elite soteropolitana habitante da parte alta da cidade. Naquela época foram construídas algumas das edificações antigas que ainda restam hoje. No século XIX, começou a ser ocupada por fábricas, tornando-se a primeira zona industrial da capital baiana. Hoje é palco de um exemplo de articulação de entidades interessadas em promover o desenvolvimento do local: a Comissão de Articulação e Mobilização dos Moradores da Península de Itapagipe (Cammpi).
A riqueza do primeiro momento foi substituída pela pobreza dos trabalhadores, situação que foi agravada já no século passado, na década de 1970, quando foram feitas reformas urbanísticas nos vales de Salvador para a abertura de avenidas. Mangues foram aterrados e as pessoas que moravam próximas a esse tipo de vegetação foram obrigadas a se mudar. O destino de boa parte dessa população despejada foi a península de Itapagipe.
Lá surgiram comunidades de baixa renda como a de Alagados. Já nos anos 80, muitas indústrias saíram de Itapagipe rumo a outros distritos, e a situação de pobreza se agravou ainda mais. Os empregos estavam indo embora da região e a precariedade, chegando com força.
No começo dos anos 90 começaram a ser formadas algumas associações de moradores, preocupadas com problemas típicos de áreas pobres e esquecidas pelo poder público. As principais queixas eram relativas ao desemprego, degradação ambiental e falta de moradias adequadas. Foi quando surgiram, entre outras entidades, a Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia e o Centro de Artes e Meio Ambiente, ambos do bairro Uruguai. Antes trabalhando isoladamente, agora elas atuam em conjunto.
As duas hoje fazem parte da Cammpi, rede iniciada em 1997, a partir da necessidade de troca de idéias e de fortalecimento institucional de diversas entidades. É nela que os 160 mil moradores da região de 14 bairros depositam suas esperanças de gerar renda, conseguir emprego e melhorar as condições de vida da área.
Há sete anos em funcionamento, a Cammpi hoje conta com 42 organizações filiadas e a vontade é fazer esse número aumentar. “Nosso desejo é mobilizar e articular a população para construirmos uma realidade melhor para todos”, afirma a coordenadora geral da Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia, Maria de Lourdes Nascimento.
Em 1998, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) elegeu Itapagipe como uma das áreas a receber investimentos. O Pnud então realizou diversas capacitações de acordo com a metodologia de desenvolvimento local sustentável. “Tivemos reuniões com mais de cem pessoas”, lembra Conceição Nascimento. Foi o que as associações precisavam para fazerem decolar as atividades.
Assim que foi criada, a Cammpi formulou um plano referencial, que guia suas ações até hoje. Entre os pilares estão a defesa do meio ambiente e a busca de parcerias capazes de gerar renda para os moradores e melhorar suas habitações, além de reflexões sobre a violência. Foram constituídas, então, diversas subcomissões, cada uma correspondendo a alguma prioridade apontada pela comunidade.
As entidades se dividiram para trabalhar e se reúnem semanalmente, sempre às segundas-feiras, para discutir suas atividades. Anualmente realizam um fórum, onde são apontados desafios e discutidos os resultados do ano que passou. Do evento participam, além de representantes das organizações, empresários e comerciantes, bem como moradores que não são ligados a nenhuma entidade, mas com interesse em se envolver nas discussões.
O balanço de 2004, por exemplo, apresentou resultados interessantes. A subcomissão de moradia e qualidade de vida capacitou 30 professores para trabalharem como alfabetizadores nas escolas da península. Também fez um levantamento das áreas mais suscetíveis a alagamento para, em seguida, levar os dados à prefeitura e ao governo do estado. Em Jardim Cruzeiro, por exemplo, foi apontada a necessidade de limpar o canal central do bairro para diminuir o acúmulo de água da chuva. Ainda foram realizadas reuniões para discutir a satisfação dos moradores de novos conjuntos habitacionais com suas moradias.
Já a subcomissão de cultura e informação realizou um seminário de gestão empresarial e enviou à Fundação Cultural do Estado da Bahia um projeto de construção de um cine-teatro e de uma casa de memória. Apresentou também o recém-inaugurado Centro de Cultura de Alagados.
Para gerar renda, a subcomissão de geração de renda e emprego mostrou os resultados do curso de culinária oferecido a moradores locais, os quais fabricaram tortas e salgados para serem comercializados, assim como a participação da comunidade em oficinas de capacitação para trabalho em diversas áreas, como tecelagem e telemarketing.
A comissão de meio ambiente afirmou ter participado das discussões do Orçamento Municipal e incluiu entre as dez prioridades a recuperação das praças da Península de Itapagipe com a instalação de equipamentos. Propôs também uma campanha de combate à pesca predatória na região, entre outras medidas para melhorar as condições de vida dos habitantes de Itapagipe.
A subcomissão de “reflexão sobre a violência” realizou uma caminhada pela paz e um curso de segurança pública. “Apesar da divisão por comissões, procuramos sempre integrar os trabalhos”, ressalta Raimundo Nascimento, do conselho fiscal do Centro de Artes e Meio Ambiente (Cama). Os contatos com o poder público são feitos por intermédio do Núcleo de Apoio Institucional (NAI), cuja função é estabelecer relações entre ações públicas e o plano referencial com o administrador da região.
A Cammpi conta ainda com assessoria técnica da Universidade Católica de Salvador (Ucsal). Entre os trabalhos em conjunto está um de incentivo ao turismo na região para gerar recursos que beneficiem os moradores da área. Essa, inclusive, foi uma das propostas feitas no último fórum. As organizações vão fazer um plano de marketing para valorizar a península como ponto de visitação, dada sua importância histórica e arquitetônica.
Para o futuro mais distante, o discurso é semelhante entre todos os participantes da comissão: querem aumentar o número de entidades filiadas e incrementar a pressão sobre o poder público para fazer com que Itapagipe e seus bairros voltem a ter a riqueza que marcou o início de sua história.
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