Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Artigos de opinião
Silvio Caccia Bava*
As pesquisas de opinião apresentam uma boa avaliação do Governo Lula e um cenário otimista para 2005. Ao que parece estamos no rumo certo. O país reúne melhores condições para sua economia e seus negócios crescerem, a credibilidade no cenário internacional está em alta. Pode-se dizer que a diplomacia brasileira foi o destaque deste período na sua busca por novas alianças para transformar o Brasil num país mais importante nas negociações de uma nova ordem internacional.
Por esta ótica de avaliação, foi um acerto deste governo continuar as políticas do período FH. Esta continuidade, praticada por um partido que sempre criticou este modelo, aponta para a avaliação de que não é possível para países de média importância, como o Brasil, aplicar uma política econômica que esteja em dissonância com as regras de inserção subordinada dos países do Sul ao modelo da globalização neoliberal.
Esta estratégia de governo, e a aceitação demonstrada por pesquisas de opinião, reafirmam que no imaginário das pessoas - dentro e fora do Governo - não há outro caminho possível. E assim a utopia de uma sociedade mais justa e solidária, menos desigual, foi vencida pela lógica da concentração do capital, da riqueza e da renda.
Os que se conformam em seguir os caminhos já traçados pela lógica da globalização têm a seu favor os argumentos de que a vida melhorou para todos. A capacidade da economia global de produzir muito mais, mesmo com uma distribuição cada vez mais desigual, permitiu que a saúde, a longevidade, a educação, o acesso a bens e serviços, o acesso à cultura, se ampliassem em quase todos os países, à exceção dos países africanos e de alguns outros. E não tem sido diferente no Brasil. Mas atenção! Estes dados trabalham com as médias, encobrem as desigualdades.
O problema deste modelo é que ele expulsa um número cada vez maior de trabalhadores dos seus empregos e concentra enormemente a riqueza e a renda em poucas mãos. No Brasil, os beneficiários deste modelo não passam de 2% da população. Os dados do IBGE de 1999 dizem que quem gasta por mês R$ 571 faz parte dos 10% mais ricos da população. Os 50% mais pobres não chegam a gastar R$ 132 por mês, cada um. É um patamar muito baixo e qualquer novo arrocho torna a situação social explosiva.
Há um número cada vez maior de pessoas que, mesmo com a economia crescendo, não encontrarão mais trabalho. Há uma perda de renda também crescente por parte da maioria da população que é muito significativa. O consumo agregado da população brasileira caiu 77% de 1997 a 2003!
Estamos, portanto, frente a desafios que não serão enfrentados pelo atual modelo de desenvolvimento. E se o trabalho não é mais o mecanismo de repartição da riqueza, como foi no passado, o único mecanismo que conhecemos capaz de realizar esta distribuição é pela via das políticas públicas. Não se trata de políticas compensatórias como Bolsa-Família, vale-gás, e outros mecanismos assistenciais. Mas da valorização do trabalho social, da construção de novos paradigmas de convivência social onde a qualidade de vida das pessoas seja a referência da organização da economia e de um novo tipo de trabalho.
Todo o mundo olha para o Brasil como o país que, pela história de lutas de seus movimentos sociais, pela construção de novas formas de participação cidadã na política, pela eleição de um metalúrgico para presidente, reúne condições para fazer a transição de um modelo econômico neoliberal para um outro tipo de desenvolvimento, para uma nova era da civilização que supere a barbárie, a violência e a exclusão impostas pela lógica do mercado.
Mas existe urna condição fundamental para operar esta transição que precisa ser resgatada tanto no imaginário do governo quanto no imaginário da população: a de que um outro mundo é possível, a de que necessitamos enfrentar os mecanismos de regulação internacional e criar políticas públicas contrárias à maré dominante, capazes de distribuir a riqueza e a renda.
Eric Hobsbawn, talvez o historiador vivo mais importante da atualidade, sinaliza o desafio para esse século 21: romper com o pensamento que aceita a lógica do mercado como o único caminho para o desenvolvimento e ousar experimentar novos caminhos, perseguir as utopias da igualdade, da solidariedade, da justiça social.
*Silvio Caccia Bava é sociólogo, diretor do Instituto Pólis e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Texto originalmente publicado no Diário de São Paulo do dia 28 de dezembro de 2004.
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