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"Falta respeito no Oriente Médio"

Autor original: Marcelo Medeiros

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`Falta respeito no Oriente Médio´


Na última sexta-feira (14 de janeiro), o governo de Israel decidiu fechar todos os acessos à Faixa de Gaza, território palestino ocupado por colonos isralenses e reivindicado pelos árabes. O motivo do fechamento foi a explosão de um caminhão com 150 quilos de explosivos e três ocupantes, todos palestinos, em um posto de checagem em Gaza. Seis israelenses morreram. Foi o primeiro atentado desde a posse do novo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, também conhecido por Abu Mazen. Três grupos reivindicaram o ataque: Hamas, Frente de Resistência Palestina e Brigadas de Al Aqsa, facção ligada ao Fatah, partido de Abbas.

O novo presidente palestino, que substitui Yasser Arafat, morto no fim do ano passado, não obteve apoio dos radicais durante o processo eleitoral. Representantes do Hamas já declararam não confiar no novo dirigente, enquanto Tel Aviv pede que ele contenha as manifestações violentas para continuar o processo de paz.

O fim do conflito, contudo, parece distante. O primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, conseguiu recentemente aprovar a desocupação de parte da Faixa de Gaza, mas os colonos estão protestando, bem como a ala mais conservadora de seu partido. Os grupos radicais afirmam que só cessarão os ataques quando um Estado palestino for formado e Jerusalém for declarada capital, reivindicação considerada inaceitável pelos israelenses.

Este será um ano crucial para as negociações entre os dois países do Oriente Médio. O acordo “Caminho da Paz”, assinado em 2001, previa a criação de uma Palestina oficial até o fim de 2005, mas isso não parece ser possível.

Nesta entrevista, o cientista político Gisálio Cerqueira, professor titular de Sociologia da Universidade Federal Fluminense, comenta a geopolítica da região. Para ele, as perspectivas de paz não são animadoras e falta respeito entre os negociadores. “Ah! Se isso pudesse ocorrer na Palestina”, suspira.

Rets - O relacionamento da Autoridade Nacional Palestina com Israel mudará com a eleição de Abbas?

Gisálio Cerqueira - Não creio que as perspectivas sejam tão boas assim, em função da posição absolutista e de força unilateral dos EUA. A questão ideológica-afetiva desempenha aqui um papel muito signficativo, e também a tolerância e o respeito. A propósito, respeito é uma expressão que vem de respicere, que quer dizer "olhar o outro com os olhos do outro". Ah, se isso pudesse ocorrer na Palestina!

Outra questão muito importante nesta região é a da água. Acordos em torno de uma "política de água" poderiam evitar muito derramamento de lágrimas.

Rets - O Hamas e o Jihad Islâmica não apoiaram a campanha de Abbas, sendo que o Hamas chegou a declarar que o novo presidente da ANP não é confiável. Como fica a relação entre a Autoridade e esses grupos daqui em diante? Mazen conseguirá controlá-los, uma vez que essa é a reivindicação de Tel Aviv para o processo de paz?

Gisálio Cerqueira - Vai depender de muitos fatores, sobretudo da hipótese de ocorrer uma certa unificação e centralização das forças de segurança na Palestina. Hoje podemos dizer que tudo se resume a "ordens e contra-ordens", o que gera uma desordem danada. E mais: esta desordem é fomentada pelos EUA.

Rets - O Hamas se diz vitorioso nas eleições por causa do baixo número de votantes, uma vez que pregou o boicote à eleição (1,8 milhão de pessoas tinham idade para votar, mas apenas 755 mil compareceram às urnas). Essa análise é correta?

Gisálio Cerqueira - Os números não mentem. Com todas as dificuldades que cercaram estas eleições, Abu Mazen tem uma certa legitimidade.

Rets - Abbas se elegeu com um discurso anticorrupção. Essa luta vai mesmo acontecer? Ela pode atrapalhar o governo?

Gisálio Cerqueira - O debate sobre corrupção estará presente, pois é um ingrediente histórico na evolução das circunstâncias políticas, inclusive nos EUA e em Israel. O tema é recorrente e, portanto, tem lugar no debate político na contemporaneidade.

Rets - Abbas será capaz de pôr fim aos quatro anos de Intifada, mesmo com a oposição dos grupos militantes?

Gisálio Cerqueira - Isto vai depender mais dos EUA do que do dirigente palestino. A Intifada não se dirigia propriamente contra os dirigentes palestinos, mas contra as forças históricas de ocupação, sobretudo no pós-guerra. E na Intifada muitos adolescentes e jovens se engajaram.

Rets - Analisando agora as ações do governo israelense: uma das reivindicações dos palestinos para o processo de paz é a libertação de 11 mil prisioneiros, o que Tel Aviv se nega a fazer. Com uma nova liderança no poder palestino, isso pode ser mais fácil?

Gisálio Cerqueira - A morte de Arafat dá aos EUA uma certa iniciativa no plano ideológico, pois George Bush não cedeu à liderança histórica palestina. A mudança de nomes pode facilitar, mas os problemas continuam rigorosamente os mesmos.

Não dá pra tapar o sol - ainda mais nestas regiões de deserto - com uma peneira...

Rets - No fim do ano passado, Sharon conseguiu aprovar a desocupação de alguns assentamentos, mas a oposição reagiu. Nesta semana colonos protestaram em frente ao parlamento contra a decisão. Será possível desocupar essas áreas, o que é outra reivindicação palestina?

Gisálio Cerqueira - Tudo vai depender dos acordos a serem realizados. Por outro lado, não acho impossível, pois, recordemo-nos, os assentamentos resultaram de uma decisão política, de uma escolha política. Uma outra escolha política, em outra direção, poderá ser tomada agora.

Rets - O plano de paz "Mapa do Caminho", assinado em 2003, prevê a criação de um estado palestino no fim do ano. Isso será possível?

Gisálio Cerqueira - Sem o engajamento sincero dos EUA nada será possível. E eu não vejo isso acontecer muito claramente. Pode ser, todavia, que as coisas mudem. Pode acontecer alguma pressão positiva da Inglaterra, quem sabe? Na minha opinião, o Brasil está credenciado a fazer um belo papel nas gestões para uma paz verdadeira nesta região.

Rets - Como fica a relação da ANP com os EUA, agora que Collin Powell (conhecido por ser mais moderado do que os "falcões" da administração Bush) deixou o governo norte-americano?

Gisálio Cerqueira - As perspectivas não são animadoras, a ótica norte-americana é de unilateralidade. Isto prejudica imensamente .

Marcelo Medeiros

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