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Jovens de paz

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor





Jovens de paz
Divulgação

Um grêmio estudantil, um jornal e uma rádio interna. Pouquíssimos são os colégios, particulares ou públicos, que possuem essa trinca, que ajuda os estudantes a se organizarem, debaterem atualidades e produzirem informações de seu interesse para si mesmos. São muitos os ganhos e poucos os custos.

A essas conclusões chegou a equipe do projeto Jovem Paz, do Instituto Paulo Freire, após três anos de trabalho em escolas da periferia paulistana e uma de Osasco. As três instituições de ensino são freqüentadas por alunos vindos de famílias de baixa renda. Muitos, das próprias escolas, não acreditavam no sucesso do projeto, mas uma minoria tomou a frente e conseguiu escrever e transmitir as próprias notícias, tocar as músicas que mais gosta na rádio e fazer política de uma forma inovadora.

As atividades começaram no início de 2001, mas só foram oficializadas com a aprovação de um patrocínio em outubro daquele ano. Atualmente elas acontecem em três pólos: nas escolas Remo Rinaldi Naddeo, Paulo Prado, Jardim Britania, Jardim Monte Belo e no Telecentro Anhanguera, além do Projeto Arco Íris, em Morro Doce, na zona oeste de São Paulo, à beira da rodovia Anhanguera; na escola Júlia Lopes, de Osasco; e nas escolas Jeremias Jr., Clodomir Cardoso, Judith Santana e Sebastiana Munis de Souza, na região do Vale do Ribeira, que engloba as comunidades de Ilha Comprida e Iguape. Em cada pólo estão envolvidos 40 jovens de 12 a 18 anos.

“A iniciativa foi criada com base em dois pontos - explica Luiz Carlos de Oliveira, coordenador do projeto - Um é a gestão intercultural da paz, e outro, a educação ecológica”. Como não podia deixar de ser, todo o trabalho foi embasado pela teoria do educador Paulo Freire (1921-1997) sobre a “pedagogia do oprimido”. Ela insere no ensino um pensamento político e multiplicador do aprendizado.

A principal intenção do projeto era mostrar a importância da sustentabilidade aos jovens. Foram formados três eixos temáticos: comunicação, sustentabilidade e Carta da Terra. Em cada um deles eram passados conceitos que podem ajudar a melhorar a qualidade de vida das áreas onde vivem. Era o que os participantes queriam, como comprovam os cartazes com depoimentos dados durante o segundo encontro de comunidades, realizado no ano passado. Entre as expectativas dos moradores de Osasco, por exemplo, estavam “moradia confortável e evitar enchentes”. Os jovens de Morro Doce, por exemplo, desejaram “paz”.

O coordenador do Jovem Paz chama atenção para as mudanças ocorridas nas escolas após o início das oficinas de grêmio. Nenhuma das instituições possuía uma organização de alunos antes do projeto, mas, quando elas foram criadas, surgiram atividades propostas por alunos e o diálogo com a direção foi modificado. “A relação de poder mudou, os alunos passaram a fazer mais reivindicações e cobrar medidas para melhorar o ensino e suas condições”, comenta. Em cada pólo foram realizados dez encontros entre os interessados e neles discutiu-se assuntos como direito à cultura e importância da participação política. “Aumentou a articulação entre os alunos das escolas”, comemora Daniel Hernandes, 18 anos, do pólo de Vale do Ribeira, e um dos participantes da oficina de grêmio. Hernandes também colaborou na oficina de jornal e na instalação de uma rádio em sua unidade de ensino.

Segundo ele, um dos grandes aprendizados que obteve foi ver com os próprios olhos que pode fazer algo ter sucesso mesmo com a descrença da maioria. “No começo, havia muita desconfiança. Era possível vislumbrar que aquilo iria para frente, mas muitos se recusavam a participar dizendo que não daria em nada”, lamenta. O jovem participou do projeto durante dois anos, entre 2002 e 2004.

A metodologia das oficinas de rádio e jornal era um pouco diferente. Não visavam apenas a organizar os envolvidos, mas também a ensinar como usar os meios de comunicação de forma eficiente. “A idéia era discutir o papel dos meios de comunicação e fazer uma ligação entre o rádio e as mídias tradicionais”, diz Oliveira.

As rádios instaladas não transmitiam para fora das escolas, mas por meio de caixas de som instaladas nos corredores e nos pátios. Os jornais, por falta de recursos, não foram distribuídos, mas apenas colados nas paredes. Ainda assim, fizeram sucesso.

Apesar de tudo isso, houve muitas dificuldades nesses três anos de atividades. A aparelhagem radiofônica de uma das escolas foi roubada, e a taxa de abandono no projeto era alta. Muitos deixaram a iniciativa ao largarem os estudos para buscar emprego, e outros acabaram se frustrando pelas dificuldades surgidas. Outro problema é a falta de recursos, pois o contrato de patrocínio acabou e a renovação ainda está sendo negociada.

Mesmo assim, o coordenador afirma que a continuidade do projeto só depende da vontade dos estudantes. A julgar pela vontade dos envolvidos, as chances são boas: "Alguns grupos já estão planejando desenvolver novas atividades. Não podemos parar agora", diz Daniel Hernandes.

Marcelo Medeiros

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