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O real, o possível e o que está mudando

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





O real, o possível e o que está mudando


Na primeira edição, em 2000, eram esperados oito mil participantes. Os cálculos apontaram 20 mil nos auditórios da PUC de Porto Alegre. Na segunda, o número de presentes dobrou, o que aconteceu novamente na terceira, quando foram registradas surpreendentes cem mil pessoas interessadas nas atividades promovidas por centenas de organizações. No quarto ano, quando foi para Mumbai, na Índia, o número de pessoas presentes no Fórum Social Mundial se manteve. Na quinta edição, que volta à capital gaúcha de 26 a 31 de janeiro, já estão inscritos mais de 120 mil.

O FSM não só cresceu como mudou sua metodologia desde sua estréia no calendário de mobilização de movimentos e organizações da sociedade civil. Sua proposta, no entanto, continua a mesma: ser um espaço onde diversos tipos de pensamento possam se encontrar e debater de maneira cada vez mais auto-gestionada, mas sem necessariamente formar qualquer tipo de consenso. A idéia é continuar não publicando manifestos ou cartas em nome do Fórum.

“O Fórum não é uma instância deliberativa, é um espaço para que vários pensamentos possam se encontrar e se articular. Ninguém vai receber ordem para fazer isso ou aquilo. Não há lugar para idéias únicas, mas para novas medidas. Por isso não temos um documento final, um manifesto. Para nós, tudo o que é produzido é importante”, esclarece Francisco Whitaker, secretário-executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e membro do Conselho Organizador. “Se dissermos o que os participantes devem fazer quando saírem de Porto Alegre, o Fórum acaba por perder o sentido. Isso está claro na Carta de Princípios”, complementa.

Os pontos seis e sete do documento citado por Whitaker afirmam que o FSM "não se constitui em instância de poder, a ser disputado pelos participantes de seus encontros" e que ninguém estará "autorizado a exprimir, em nome do Fórum, posições que pretenderiam ser de todas/os as/os suas/seus participantes”.

A principal crítica que tem sido feita ao processo é justamente a falta de alguma ação ou de um manifesto, mas os organizadores rebatem essa visão. O escritor português José Saramago é um dos defensores dessa posição. Em entrevista à assessoria de comunicação do Fórum, ele afirmou ser necessário partir para a ação, por mais que acredite no ideal de diversidade do evento: “as baterias têm que funcionar para pôr o motor a funcionar. Esta é a minha idéia. Teria de inventar, em Porto Alegre, enfim, algo que não fosse uma ONG, que se dilui na quantidade quase astronômica de ONGs, mas que fosse, efetivamente, que se apresentasse como um fórum de debates de idéias não simplesmente que as pessoas se encontram e vão ter idéias e ficam, enfim, contentes com isso e vão aprender algo e comunicar algo, mas que seja mais do que isso. Que seja um instrumento para a ação”.

Para os organizadores, o FSM já provou seu poder de mobilização e de atuação –inclusive global - sem que fosse necessário uma ordem de cima para baixo. “Em 2003, as manifestações contra a guerra no Iraque tomaram força no Fórum”, lembra Cândido Grzybowski, diretor do Ibase e também membro do Conselho Organizador Brasileiro.

Naquele ano, a idéia de mobilizar diversas partes do mundo para mostrar a oposição ao ataque surgiu antes de Porto Alegre, mas ganhou força e data no evento. Foi lá que ficou decidido que no dia 15 de fevereiro aconteceriam as manifestações. Assim, nesta data milhares de pessoas marcharam em diversas cidades para dizer não à agressividade da política externa norte-americana.

Outro argumento que refuta a crítica de falta de ação do Fórum, segundo os organizadores, é a impossibilidade de se verificar a origem de diversas atividades que acabam acontecendo ao longo do ano. Muitas organizações iniciam contatos de trabalho que só se tornam práticos meses depois. “O FSM é um processo que resulta em milhares de ações cuja mensuração é muito difícil. Sabemos apenas que ele tem um poder multiplicador enorme”, diz Maria Luísa Mendonça, diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Segundo ela, dada a grande quantidade de eventos simultâneos, há dificuldade em sistematizar tudo o que acontece. Para esta edição, será erguido um “mural de propostas”, no qual as organizações poderão afixar o resultado de suas oficinas e discussões.

Alterações

As mudanças não param por aí. Neste ano, ao contrário dos outros Fóruns realizados no Brasil, não há eventos organizados pelo Conselho Organizador Brasileiro, composto por 22 entidades. Todas as atividades foram sugeridas e serão realizadas pelos próprios participantes. O máximo que a organização fez foi aconselhar que algumas oficinas fossem realizadas em conjunto para que não houvesse sobreposição de temas, marca de outras edições. Seguiu o conselho quem quis.

“Antes, o Conselho Internacional e o Conselho Organizador concentravam a definição dos temas, após realizarem pesquisa junto às organizações. Desta vez, a construção temática se deu a partir da indicação das instituições, que ficarão responsáveis pelas atividades de acordo com o modelo de autogestão”, declarou o diretor-geral da Associação Brasileira de Organizações Não-governamentais (Abong), Jorge Eduardo Durão, em entrevista coletiva sobre o Fórum.

O conselho internacional apenas organizou as sugestões de temas a serem debatidos. Cerca de 1.800 organizações enviaram mensagens. Daí o aumento do número de eixos temáticos de seis, em 2003, para 11 este ano. O nome també mudou: de eixos viraram espaços temáticos.

A descentralização das atividades foi decidida no ano passado, em uma reunião em Miami, após o evento de Mumbai, Índia. Na cidade indiana, foi testada essa nova metodologia, agora radicalizada. Não haverá mais grandes conferências organizadas pelo Conselho do Fórum como houve nas edições anteriores à de Mumbai. O estádio do Gigantinho chegou a receber 15 mil pessoas para ver as palestras de intelectuais de renome, entre eles o lingüista norte-americano Noam Chomsky e o escritor uruguaio Eduardo Galeano. Para Moema Miranda, do Ibase, a auto-gestão será o “coração pulsante” do FSM. “Estamos vivenciando o aprendizado de uma nova cultura política em busca do diálogo dentro da diversidade”, afirmou em entrevista coletiva.

Com essas medidas, o Conselho Organizador pretende também popularizar o evento. Pesquisa feita pelo Ibase em 2003 revelou o caráter elitista dos participantes. Dos entrevistados, 73% tinham, no mínimo, nível superior em curso. Os que tinham menos de oito anos de estudos eram apenas 4,7%. Os números são bem distantes da realidade brasileira. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2002, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 27,5% da população de 10 anos de idade ou mais não chegou à quarta série do ensino fundamental.

“Na Índia ficou comprovada a viabilidade da nova metodologia, mais horizontal e diversa. Lá vimos mais presença popular, o que queremos estimular também aqui. Muitas organizações estão enviando não só delegados como também mais militantes para participar das discussões”, diz Whitaker.

As mudanças servem para afastar o perigo da “domesticação” do Fórum Social Mundial. O risco foi levantado pela indiana Arundhati Roy em uma palestra proferida na Califórnia em agosto do ano passado. Para ela, o “mundo do FSM” estaria em jogo se não mantivesse o espírito de renovação e questionamento. O “perigo”, diz, “é que o FSM, que tem desempenhado um papel tão vital no movimento pela justiça global, torne-se um fim em si mesmo”.

A organização discorda e afirma não haver riscos em relação ao futuro do fórum, que já estaria consolidado. “Todas as visões são legítimas, mas não existe perigo de domesticação. Isso aconteceria se a diversidade fosse excluída”, adverte Grzybowski.

Futuro

Em relação às próximas edições, ainda não há definições. Sabe-se apenas que em 2006 o Fórum não será realizado no Brasil. Uma das propostas é fazer um evento simultâneo em três locais – um na África (Marrocos já se candidatou) e dois na América Latina (provavelmente Venezuela e México). “Não há possibilidade de organizarmos outro evento nas mesmas proporções no Brasil agora”, diz Whitaker. A intenção é tornar o evento cada vez mais mundial. “Pessoas diferentes trazem temas diferentes”, ressalta Grzybowski.

Para os próximos dias de janeiro, quando Porto Alegre volta a receber milhares de ativistas, já está tudo pronto. E organização tem certeza de que o gigantismo do evento não irá atrapalhar as atividades. “A essa altura, já podemos afirmar que o FSM alcançará inequívoco sucesso em relação aos objetivos a que nos propusemos”, lembra Durão.

Marcelo Medeiros

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