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Chamada Global contra a Pobreza

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Novidades do Terceiro Setor





Chamada Global contra a Pobreza


No segundo dia da quinta edição do Fórum Social Mundial, quem esteve no ginásio Gigantinho, em Porto Alegre (RS), onde o presidente Lula faria um discurso, viu alguns dos integrantes da mesa de convidados portando uma faixa branca. Poucos entendiam o que ela simbolizava. Ao mesmo tempo, era possível avistar outras pessoas percorrendo as arquibancadas, distribuindo fitas, também brancas, para serem amarradas no pulso. Uma delas foi entregue a Lula, que em seguida ergueu o braço para acenar para os 12 mil presentes.

Esses adereços são o símbolo de uma campanha mundial que estava sendo lançada naquele momento e que em breve chegará a diversos países. A Chamada Global contra a Pobreza (em inglês, como ficará mais conhecida, Global Call Against Poverty ou G-Cap) mobiliza dezenas de entidades para acabar com o que Cândido Grzybowski, diretor do Ibase, chamou, durante o lançamento, de chaga. “Vamos pressionar pessoas, governos e corporações a assumir suas responsabilidades com a erradicação da chaga que é a pobreza. Vivemos em um mundo de abundância”, lembrou o brasileiro.

O principal objetivo da campanha é fazer lobby pela mudança da ordem política e comercial internacional. Como é uma articulação de diversas ONGs, algumas das propostas já possuem campanhas próprias e fortes. A idéia é fortalecê-las ainda mais. “Provavelmente, essa é a maior coalizão já feita de organizações espalhadas pelo mundo. Qualquer um pode aderir colocando uma faixa branca na cabeça”, afirmou John Samuel, diretor da ActionAid Ásia, também presente ao lançamento na capital gaúcha.

Algumas das reivindicações, como o cancelamento da dívida externa, são polêmicas e ainda vão dar muito o que falar. Outras já estão na pauta de negociações há tempos, inclusive com pressão da Organização das Nações Unidas (ONU) por sua implementação. Entre elas, o aumento da ajuda internacional e o aumento de esforços para atingir as oito metas do milênio. Há ainda o esforço pela promoção do comércio justo. Isso tudo de forma “democrática, transparente e responsável”. Há sempre especificidades locais a serem atingidas, mas as idéias gerais são essas.

Por enquanto, a campanha ainda está em fase de divulgação, mas manifestações estão marcadas para acontecer em breve. A primeira será no dia 1º de julho, eleito o Dia da Faixa Branca. A data coincide com a reunião do G-8, grupo que reúne os oito países mais industrializados do mundo. Em seguida será a vez da Cúpula de Desenvolvimento do Milênio, marcada para setembro, mas ainda sem dia definido. A última manifestação do ano será na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em dezembro.

Comércio

Em relação às trocas, a declaração de princípios da campanha se coloca contrária à imposição de medidas econômicas por instituições internacionais. “Queremos regras e políticas de comércio que assegurem o direito de países em desenvolvimento de perseguir suas próprias agendas de desenvolvimento, colocando os interesses das pessoas em primeiro lugar”.

As organizações que fazem parte da iniciativa pretendem fazer manifestações para pressionar a Organização Mundial do Comércio (OMC), instituições de financiamento como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial e governos a tomarem medidas que protejam os serviços públicos da privatização acelerada, garantam o direito à alimentação e a remédios essenciais e estimulem a responsabilidade social corporativa. “Devemos fazer uma chamada que alcance Davos [cidade-sede do Fórum Econômico Mundial, na Suíça], as grandes potências e a ONU, uma chamada que abra seus olhos e suas mentes”, afirmou Guy Ruder, secretário-geral da International Confederation of Free Trade Unions.

A campanha pede ainda o fim de subsídios agrícolas e da prática de dumping por parte dos países ricos, pois essas ações estariam levando milhões à pobreza. Requerem também que acordos internacionais considerem aspectos trabalhistas. “Todo dia, 50 mil pessoas morrem em algum lugar do mundo em decorrência da pobreza, e os ricos e poderosos insistem em ignorar isso”, lembrou Samuel.

De acordo com relatório das Nações Unidas sobre as Metas do Milênio, mais de um bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar (o equivalente a aproximadamente R$ 2,70) por dia e 2,7 bilhões, com menos de dois dólares. O estudo mostra que países pobres precisam de investimentos entre US$ 70 e US$ 80 per capita ao ano a partir de 2006, com valores chegando a algo em torno de US$ 120 e US$ 160 por ano em 2015, para acabar com a pobreza.

Ajuda e dívida

A Chamada acredita que governos e instituições devem tomar providências urgentes para aumentar o acesso a recursos necessários para erradicar a pobreza e atingir as metas do milênio. Entre elas, o cancelamento total de dívidas de países pobres por meio de um processo justo e transparente. As instituições financeiras são acusadas de impor modelos de desenvolvimento predatórios, mas elas, que pela primeira vez participaram do Fórum Social Mundial, reagem. “Mudanças têm acontecido”, disse à agência Reuters Simonetta Nardin, oficial sênior de Assuntos Externos do Fundo Monetário Internacional (FMI), durante o evento de Porto Alegre. “Estamos muito mais atentos ao problema do crescimento e da redução da pobreza”.

Para os integrantes da Chamada Global, isso não é verdade. No debate que tiveram com representantes do FMI no Fórum Social Mundial, dizem, não houve menção de um país de economia fraca, forçado a abrir seus mercados, que tenha conseguido desenvolver sua economia e oferecer serviços sociais adequados à população. “Quem se responsabiliza por esse sofrimento?”, pergunta Wahu Kaara, do All African Council of Churches. “Muitas vezes você não pode culpar 184 governos, e geralmente você olha para uma ou outra instituição e afirma que a culpa é delas”, respondeu John Garrison, membro da equipe de sociedade civil do Banco Mundial.

A Chamada Global contra a Pobreza pretende pressionar governos para que cumpram o compromisso assumido de atingir as metas do milênio e garantir os direitos de todos os cidadãos. Quer também ver a sociedade civil envolvida no planejamento e na execução de políticas públicas.

Outra medida reivindicada é a implementação de fato do compromisso assumido em 1969 e reafirmado em 2002 pelas nações ricas de investir 0,7% de seu Produto Interno Bruto em ajuda. O problema é que até hoje apenas cinco países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) atingiram a meta. É preciso ainda, de acordo com a campanha, formular mecanismos que taxem operações financeiras. O objetivo é angariar recursos para projetos de erradicação da pobreza.

A maior parte das reivindicações tem caráter econômico, mas a chamada alerta para a necessidade de que todas as medidas sejam feitas transversalmente, levando em conta o combate à Aids e a sustentabilidade ambiental.

Campanhas nacionais já estão sendo planejadas. No Brasil, ainda não há uma programação de atividades, mas em breve elas devem ser anunciadas. Organizações que desejem fazer parte da chamada podem se inscrever pelo site da campanha [veja a área de links desta página, à direita], onde também podem ser obtidas mais informações.

E como afirmou o sul-africano Kumi Naidoo em discurso no Fórum Econômico Mundial em nome da G-Cap, “este ano é a chance de mudar toda a situação atual e tomar verdadeiras atitudes para interromper a injustiça e atingir a modesta ambição de cortar pela metade a extrema pobreza e a fome até 2005”.

Marcelo Medeiros

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