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Criando raízes no semi-árido

Autor original: Italo Nogueira

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor





Criando raízes no semi-árido


Viabilizar o desenvolvimento de comunidades do semi-árido no Ceará de modo ecologicamente sustentável e envolvendo os moradores locais na discussão e implantação dos projetos. Foi com este objetivo que em dezembro de 1999 surgiu o Instituto Sertão, entidade que reúne professores e profissionais liberais preocupados com as mesmas questões. A organização iniciou sua atividade em três áreas: educação, convivência com o semi-árido e habitação urbana. Depois de cinco anos de projetos, algumas áreas não estão mais sob a coordenação do instituto, mas deixaram marcas nas comunidades em que foram postas em prática.


Em sua linha principal, a relação com o semi-árido nordestino, o Instituto Sertão desenvolve os projetos "Árvore da vida" e "Combate à desertificação do semi-árido", além de já ter participado do programa "Um milhão de cisternas" (P1MC), da Articulação do Semi-Árido (ASA). "O P1MC é ótimo e atende às demandas das comunidades, mas o instituto pretende trabalhar com projetos de longa duração, em que possa ser feita uma mudança no modo de pensar da população local", comenta Oscar Arruda, diretor-presidente do instituto.


A conservação da carnaúba é o objetivo principal do projeto "Árvore da vida". A Copernicia cerífera, nome científico da árvore, adapta-se ao clima adverso do semi-árido e, por ser ser uma vegetação de mata ciliar, segura as margens do rio evitando o assoreamento. A preservação da carnaúba controlou um processo de devastação que a espécie sofria. A implantação da rizicultura, cultivo que exige terreno alagado, e o estabelecimento de lagos para a criação de camarão haviam provocado o desmatamento de cerca de três mil hectares de carnaubais, que não se mantêm em ambientes úmidos.


No entanto, o objetivo desta preservação foi também assegurar a atividade econômica de diversos trabalhadores. A extração da palha da carnaúba permite a confecção de vassouras e chapéus de palha e serve como matéria-prima para a cera de carnaúba, utilizada em processos industriais. Além da preservação da árvore, o projeto "Árvore da vida" também pretende organizar os trabalhadores, a partir da cooperação, para fortalecê-los na negociação com os proprietários das terras arrendadas e dividir as máquinas necessárias para o processamento da palha. Por sua importância econômica, suas propriedades medicinais e por ser considerada sagrada por tribos indígenas, a carnaúba é conhecida como a árvore da vida. "Muita gente acha que a cera de carnaúba pode ser substituída por produtos sintéticos, o que não é verdade. Com esse projeto, levantamos a bandeira da carnaúba e abrimos os olhos da sociedade para o desmatamento", esclarece Arruda.


O projeto foi implantado em três comunidades em momentos diferentes. "O assentamento Bonfim da Conceição serviu como aprendizado para nós. Nos outros projetos passamos a enfatizar mais a questão ecológica e a conscientização dos moradores", comenta o diretor da organização. Nesta primeira experiência, os trabalhadores foram organizados para tentar a apropriação da terra que arrendavam, e conseguiram a fábrica para a produção de cera de carnaúba. Com a mudança da diretoria do assentamento, em 2003, o projeto perdeu força e o arrendamento voltou a ocorrer.


Em Miraíma, o Instituto Sertão deu início à Rede Extrativista, reunindo cinco assentamentos do município. Com R$ 40 mil do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), foi organizado o Fórum dos Assentamentos para discutir os rumos dos recursos. O Fundo Rotativo, criado para gerir a verba, comprou uma máquina para bater a palha da carnaúba (processo que gera o pó para fazer a cera de carnaúba), um caminhão para transportar o equipamento para os assentamentos e promoveu a capacitação dos trabalhadores para o manejo ecológico e a exploração da terra sem as queimadas. No entanto, Oscar Arruda assume que ainda há algumas divergências no gerenciamento do Fundo. "Ainda há alguns problemas entre os assentamentos em relação à cooperação".


Em Beberibe, o instituto reuniu em 2001 um grupo de 30 minifundistas para discutir o preço do arrendamento de terra e a relação com os atravessadores. "Através da cooperação, eles podem discutir um preço justo para o arrendamento, e não ficar sob pressão da lei da oferta e da procura", argumenta Arruda. Segundo o diretor do instituto, alguns trabalhadores criaram uma organização de comércio conjunta, em que os extrativistas negociavam diretamente com as indústrias de Fortaleza a venda da cera de carnaúba produzida. Outros trabalhadores optaram por negociar com os atravessadores. "Neste caso, a relação ao menos ficou mais transparente. Os atravessadores ganhavam na oscilação de preço, demorando para repassar para os extrativistas. Agora eles sabem a qual preço está sendo negociado o seu produto", explica Arruda. "O foco é a cooperação entre os que trabalham nos carnaubais, levando em conta que estamos sob uma lógica capitalista". Com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Instituto Sertão promoveu também a capacitação ecológica dos trabalhadores locais.


O projeto "Combate à desertificação", com apoio do FNMA, parceiro em mais este projeto, teve como objetivo a introdução de técnicas agro-ecológicas, o aproveitamento da água e incentivar o reflorestamento da comunidade de Poço Salgado, no município de Santana do Acaraú. Através da construção do roçado ecológico, o instituto procurou criar sistemas agro-florestais (SAFs), ambiente que combina a agricultura com a floresta, mantendo a diversidade ecológica. Ao invés de queimar a vegetação nativa para o plantio, os agricultores eram estimulados a abrir a mata com facão para que as árvores retiradas fossem decompostas na terra, criando material orgânico. "Era difícil convencer o trabalhador que, embora tenha uma produção 40% ou 50% menor no primeiro ano, no seguinte a produção dele aumentaria por causa da matéria orgânica conservada", relembra Arruda.


O projeto também viabilizou a Escola de Vivência Agro-ecológica, que além da capacitação, tinha a Casa de Sementes e o Viveiro de Mudas. Os jovens aprendiam a colher e armazenar as sementes, que depois eram usadas no viveiro. As sementes e mudas destes espaços são usadas, no tempo devido, para o desenvolvimento da diversidade nos SAFs, ou para criar quintais ecológicos, plantando frutíferas nos terrenos das casas. "Assim acabava com o lixo que ocupava esses quintais e fornecia alimento para a população", explica Arruda.


Na comunidade de Poço Salgado também foi implantada uma barragem subterrânea no Rio Acaraú. Esta técnica permitia o estoque de água para o uso humano, e ao fim de um ano, a barragem era aberta para evitar a salinização da água, que era aproveitada nas plantações através de pequenos canais de irrigação. "Em Poço Salgado foi onde tivemos a melhor conscientização. Antes, o roçado ecológico era chamado de 'roçado dos loucos'. Hoje, vendo o aumento da produção de quem introduziu o SAF desde o início, alguns pequenos agricultores passaram a usar o método", orgulha-se o diretor do instituto.


Formando os futuros ativistas


Na área da educação, o Instituto Sertão implantou em 2000 a Escola de Desenvolvimento Local (EDL) no município de Santana do Acaraú, tendo como propósito envolver os jovens na transformação da realidade em que viviam, incentivando o protagonismo juvenil. "Queríamos proporcionar uma experiência de intervenção social". De acordo com Arruda, esta intervenção social culminou com a participação dos jovens na oposição ao ex-prefeito Aldemir Farias e no apoio às vítimas de casos de abuso sexual ocorridos na cidade.


Alguns projetos foram desenvolvidos na Escola, como a Rádio Comunitária da cidade e a reativação de uma pequena fábrica de beneficiamento de caju, este último apoiado pela Brazil Foundation. Atualmente as EDLs estão sob a coordenação do projeto Intento.


A atuação política dos jovens pode ser um complemento ao trabalho do instituto. "Falta ao Instituto Sertão aquela característica dos movimentos ambientais de denúncia ou de trabalho no nível legal. Nós trabalhamos mais para criar uma consciência na população local e deixar uma marca", avalia Arruda.


A entidade agora procura tornar as experiências dos projetos desenvolvidos em políticas públicas. Através de uma parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto Sertão pretende espalhar a iniciativa do projeto "Árvore da vida" por todos os carnaubais do Nordeste.


Italo Nogueira

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