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Nilmário Miranda: "Ela nos relatou que havia trabalhadores sendo ameaçados"

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Dias antes de ser assassinada, Dorothy Stang teve um encontro com o ministro-chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda. Em entrevista exclusiva concedida por correio eletrônico à Rets, ele conta que a missionária norte-americana não pediu ao governo proteção especial, apenas relatou ameaças contra os trabalhadores rurais do município paraense de Anapu. Miranda promete apuração rigorosa do crime e afirma o propósito de intensificar a presença do Estado nas regiões de conflito. Nesta sexta-feira, dia 18, o ministro embarcou rumo à China, onde foi negociar um programa de intercâmbio de iniciativas de direitos humanos – em meio a algumas críticas por ser aquele país um grande violador de direitos humanos. Críticas, aliás, que ele rebate sob o argumento de que o desafio está em fazer um intercâmbio entre diferentes. "Terei a oportunidade de conhecer o tratamento dado às questões dos adolescentes infratores, das mulheres, das minorias, como funcionam as prisões, entre outros, e promover o diálogo sobre nossas experiências, sem o intuito de fiscalizar ou intrometer, já que a soberania é deles", diz.

Rets - As mortes que vêm ocorrendo no Pará são, de certa forma, anunciadas. As pessoas denunciam as ameaças e os prováveis agressores e, normalmente, os crimes acontecem em locais onde a violência já é corrente. A própria Dorothy esteve com o senhor uma semana antes do assassinato para dizer que estava sendo ameaçada. Por que não se consegue evitar essas mortes?

Nilmário Miranda - Quando nos encontramos em Belém, no dia 3 de fevereiro, a Irmã Dorothy não pediu proteção para si, ela nos relatou que havia trabalhadores na região de Anapu sendo ameaçados. A própria imprensa já noticiou que a missionária não queria proteção policial. Para evitar mortes nestes locais onde os conflitos são constantes, como é o caso do Pará, o governo federal vem investindo em ações de segurança na região, como implantação de postos da Polícia Federal em cidades onde não havia, e reforçando o efetivo nestas localidades. O governo quer intensificar a presença do Estado nesses territórios, para evitar que crimes, violência e violação de direitos, de qualquer natureza, continuem ocorrendo.

Rets - Sabe-se que muitas dessas mortes são encomendadas por grileiros e por grandes proprietários de terras que empregam os grileiros. Como chegar a esses "peixes grandes"?

Nilmário Miranda - Garantindo apuração rigorosa dos casos, para que não haja impunidade. Fizemos isso no caso do assassinato dos fiscais do trabalho em Unaí (MG) e dos trabalhadores rurais em Felisburgo (MG). A atuação conjunta das polícias estadual e federal nesses casos mostrou ser bastante eficaz para a solução dos crimes. No caso de Unaí, três pessoas estão presas e duas respondem em liberdade. Já em Felisburgo, o fazendeiro Adriano Chafiq, mandante do crime, foi preso em menos de uma semana.

Rets - Houve no Governo Lula um aumento do número conflitos agrários em relação ao governo anterior (dados da Ouvidoria Agrária Nacional reproduzidos pela Folha de SP). A que o senhor atribui isso?

Nilmário Miranda - O conflito, de qualquer natureza, é inerente à democracia. O que não pode haver é violência. É isto que o governo do presidente Lula condena e busca impedir que aconteça. Apostamos no diálogo e na solução pacífica, sempre. Tem outro fato que também contribui para este aumento: a expectativa dos movimentos sociais com a chegada de alguém que consideram seu representante ao poder. É natural que a pressão para solução de problemas recorrentes há anos no país aumente.

Rets - O que o senhor destacaria como principais avanços do Governo Federal no campo da proteção aos direitos humanos?

Nilmário Miranda - Podemos destacar vários avanços, como a intensificação do combate ao trabalho infantil, que pode ser constatado por constante quedas há nove anos consecutivos, e o diagnóstico nacional da exploração sexual de crianças e adolescentes – que identificou 937 municípios brasileiros onde há esta prática e definiu estratégias de ação. Há um bom resultado também da campanha pelo fim do subregistro de nascimento, que reduziu de um milhão para 750 mil o número de crianças nascidas e não registradas. Houve também uma ampliação da abrangência da lei que determina a indenização de mortos e desaparecidos políticos no período da ditadura militar, permitindo beneficiar todas as famílias de pessoas que morreram ou foram desaparecidas naquela época.

Rets - O senhor tem uma carreira marcada pela defesa dos direitos humanos. No entanto o governo federal tem buscado novas parcerias comerciais e diplomáticas, inclusive com governos notórios por permitirem violações aos direitos humanos, como Líbano, Cuba e Líbia. Como o senhor se posiciona dentro do governo sobre isso? Há algum desconforto?

Nilmário Miranda - As novas parcerias são importantes para o Brasil. O intercâmbio, de qualquer natureza, é sempre rico, independentemente de qual seja o regime político desses países. Somos contra a interferência de um país no contexto de outro país. O espaço para fiscalizar os países é dos organismos multilaterais, como a ONU. Ao manter relações com os países, a nossa intenção é poder inserir o tema dos direitos humanos nessas relações, que se resumiram, inicialmente, a acordos comerciais e diplomáticos. Ampliar o diálogo para outras áreas é uma forma de fortalecer o Brasil e suas posições no cenário internacional. Temos que avaliar isso em uma perspectiva histórica.

Rets - O senhor está indo à China para negociar uma cooperação de experiências na área de direitos humanos. China que, aliás, é um país de práticas notórias de desrespeito a esses direitos. O que o Brasil pode aproveitar desse contato? Um outro acordo nesse sentido havia sido feito pelo seu antecessor, José Gregori, em 1997. No que resultou?

Nilmário Miranda - Esta viagem visa a dar continuidade a um diálogo na área de direitos humanos que não só o Brasil, mas também outros países mantêm com a China. Alemanha, Austrália, Suíça, Canadá, Chile, Noruega, Grã-Bretanha, entre outros, também realizam esta prática. Nesta viagem, terei a oportunidade de conhecer o tratamento dado às questões dos adolescentes infratores, das mulheres, das minorias, como funcionam as prisões, entre outros, e promover o diálogo sobre nossas experiências, sem o intuito de fiscalizar ou intrometer, já que a soberania é deles. As relações bilaterais fazem parte do relacionamento diplomático. Uns países têm mais identidade com o nosso; outros, menos. Mas é importante. Fazer um intercâmbio entre iguais é fácil, entre diferentes é que é o desafio.

Fausto Rêgo, Marcelo Medeiros e Maria Eduarda Mattar

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