Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Artigos de opinião
Henrique Cortez*
A brutal execução da irmã Dorothy Stang faz parte de um processo ilegal e irresponsável de ocupação da Amazônia, amplamente denunciado pelos movimentos sociais. Há décadas acontece da mesma forma e sempre na mesma seqüência: grileiros – madeireiros – queimadas – pecuaristas – produtores de grãos.
Raras são as semanas em que um agricultor não é assassinado nas áreas de conflito agrário da Amazônia. A irmã Dorothy, no entanto, não foi apenas mais uma vítima, porque ela foi executada em razão dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), um importante projeto de desenvolvimento ambientalmente sustentável e socialmente justo.
Um crime friamente concebido para desarticular os PDS, reafirmando as ameaças aos movimentos sociais. A lista de ameaçados já foi diversas vezes divulgada pela CPT em seus pedidos de proteção. Inutilmente, porque, como a Irmã Dorothy, as promessas de proteção não são tão efetivas quanto as ameaças.
De acordo com o jornal O Globo, em reunião no Planalto, o presidente Lula foi enfático na cobrança de uma reação imediata do governo — “Isso é inadmissível. Não podíamos ter deixado que isso acontecesse!” — reagiu Lula, segundo ministros presentes.
Expressar surpresa ou perplexidade diante de tantas mortes é incompreensível. Foram mortes anunciadas em conflitos agrários e ambientais que já duram décadas, e este governo, mais do que qualquer outro, não pode se eximir de sua responsabilidade.
Os movimentos sociais nunca foram omissos e, mais do que meramente denunciar os problemas, sempre apresentaram as alternativas e as soluções. O PT, ao longo do tempo, pareceu compreender e ouvir os movimentos sociais, aparentemente incorporando as alternativas e propostas ao seu projeto de governo.
Inadmissível é a permanente submissão aos interesses do agronegócio de exportação, principalmente os pecuaristas e sojicultores, que, aliados aos grandes grupos econômicos e financeiros, apenas percebem os ativos ambientais como recursos econômicos a serem apropriados. O manejo sustentável dos recursos naturais e a agricultura familiar não estão na agenda de compromissos dos grandes interesses econômicos.
Em recente editorial, o jornal Gazeta Mercantil afirmou que "temos em abundância o fator que se tornará o mais escasso - e, portanto, a mais disputada commodity do século XXI -, a água. Cerca de 20% dos recursos hídricos de todo o planeta encontram-se em nosso país. As terras agricultáveis ainda não tocadas, as temos em quantidade superior a qualquer nação".
É o que os movimentos sociais sempre denunciaram na lógica neoliberal: a privatização dos ativos ambientais e a socialização dos seus passivos.
Ao anunciar o asfaltamento da BR-163, ainda em 2003, o governo sabia que reacenderia o processo de grilagem na região. Diante da reação dos movimentos sociais, foi proposto o "Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Área de Influência da BR-163" e, de acordo com o MMA, com o objetivo de implementar na região de influência da BR-163 um conjunto de políticas públicas estruturantes e indutoras de uma dinâmica de desenvolvimento sustentável que associe, ao processo de pavimentação da rodovia, a garantia da inclusão social e da conservação dos recursos naturais.
No entanto grileiros e madeireiros, como era óbvio, não esperaram as discussões do plano. Só nos oito primeiros dias de setembro de 2004, já se registravam mais de 10 mil focos de fogo no entorno da BR-163, e isto só no Mato Grosso.
No início deste ano, grileiros, madeireiros e pecuaristas mantiveram a BR-163 bloqueada por mais de dez dias, e o impasse só foi solucionado após um acordo com o governo. Por acordo, entenda-se a rendição incondicional do Incra [Instituto Nacional da Reforma Agrária] e do MMA [Ministério do Meio Ambiente] às exigências dos grileiros, madeireiros e pecuaristas.
O argumento principal da Associação das Indústrias Madeireiras do Pará era que as perdas com as restrições à exploração chegaram a R$ 15 milhões no mês de janeiro. Acatar fictícios planos de manejo em terras públicas é ilegal, o que não quer dizer que não seja aceitável pelo governo, como ficou demonstrado no acordo com os madeireiros.
O passo seguinte foi o acirramento das pressões dos grileiros sobre os posseiros e assentados, num crescendo de violência até a morte da Irmã Dorothy, numa seqüência de eventos perfeitamente previsíveis.
A ministra Marina Silva, mais do que ninguém, deveria saber o que aconteceria, porque é, praticamente, a repetição dos eventos com a BR-364 no Acre e que culminaram com o assassinato de Chico Mendes.
Agora, pressionado pela crescente crise, o governo respondeu com um conjunto de medidas ambientais para inibir a exploração ilegal de madeira em florestas e, se possível, para conter a violência.
Seria uma ótima reação, se não fossem, em essência, as sugestões e propostas dos movimentos sociais, reapresentadas há mais de dois anos e constantes do Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Área de Influência da BR-163. Dois anos perdidos e muitas vidas sacrificadas apenas para que fosse feito o que já era óbvio.
Também não sei por que deixaram acontecer, mas aconteceu, e apesar de todos os riscos e de dos mais diversos alertas da CPT e dos ambientalistas.
Ao distanciar-se dos movimentos sociais e submeter-se aos interesses e métodos do agronegócio, o governo deve compreender e assumir as conseqüências da omissão e as responsabilidades de sua opção. Pelo menos isso.
*Henrique Cortez é ambientalista e subeditor do Jornal do Meio Ambiente. Este artigo foi publicado também pelo Jornal do Meio Ambiente (www.jornaldomeioambiente.com.br)
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