Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Em 1990, a cardiologista Rosa Célia Barbosa decidiu interromper momentaneamente sua carreira para estudar e descansar. Seu destino foi os Estados Unidos. Quando voltou, já aposentada depois de anos de atendimentos no Hospital da Lagoa, um dos maiores da rede pública carioca, Rosa Célia foi trabalhar em outro hospital, agora particular e um dos de mais alta qualidade do Rio, o Pró-Cardíaco. Como o próprio nome diz, a especialidade são os males do coração, mas a instituição não possuía uma área especializada em pediatria. A médica foi a responsável pela estruturação da unidade, mas, ainda assim, sentia que faltava algo. “Lá encontrei as condições ideais de trabalho, mas não era qualquer um que podia freqüentar aquele espaço. Nem todos os convênios de saúde abrangiam o Pró-Cardíaco”, desabafa.
Barbosa então começou um esforço dentro do hospital para que mais pessoas pudessem desfrutar do serviço. “Um número grande de crianças não podia ser atendido”, reclama. Aos poucos, conseguiu expandir o número de planos de saúde, mas isso ainda não era o suficiente.
Com a decadência acelerada da rede pública, a demanda pelo Pró-Cardíaco aumentou ainda mais. Nos hospitais gratuitos, as filas eram cada vez maiores e os atendimentos, cada vez mais demorados. No Rio de Janeiro, apenas um hospital público, o de Laranjeiras, faz atendimento cardíaco especial em crianças.
Em 1996, ela decidiu dar um passo adiante e fundar uma organização que pudesse atender gratuitamente parte da demanda existente. Assim nasceu a Pró Criança Cardíaca, entidade que só em janeiro deste ano realizou cinco cirurgias cardíacas, 62 consultas e 25 ecocardiogramas. Em nove anos, já foram prestados quase sete mil atendimentos. Entre eles, 500 cirurgias. Tudo isso graças ao esforço de profissionais qualificados, que compensam a dificuldade em se conseguir recursos para manter esse caro serviço.
O procedimento é simples. Médicos de fora da instituição a indicam e os pais das crianças só precisam ligar para marcar uma consulta. Há uma avaliação preliminar, ainda na sede da Pró Criança, onde são realizados exames clínicos, ecocardiogramas e eletrocardiogramas (ECGs). Na hipótese de outros exames serem necessários, as datas são marcadas no hospital Pró-Cardíaco. Após o diagnóstico, a mesma equipe médica prescreve o tratamento e, se for o caso, o procedimento cirúrgico a ser adotado.
Se a internação é necessária, todo o acompanhamento também é dado sem cobrança. Para melhorar as condições da família, são entregues cestas básicas durante todo o período de internação e recuperação e é garantida a presença dos pais durante todo o período necessário. É feito qualquer tipo de cirurgia necessária para o bem-estar da criança. Tratamentos odontológicos também são prestados para melhorar a qualidade do atendimento desde 2003. Só em janeiro, 44 crianças sentaram na cadeira dos dentistas voluntários.
Tudo isso só é possível graças à equipe médica do hospital e à própria direção. Os cardiologistas e enfermeiros trabalham mediante pagamento de uma quantia que a doutora Rosa Célia define como “simbólica”. O hospital cede horas de trabalho aos funcionários e cobra da instituição apenas metade do valor que cobraria de um atendimento normal. A cobrança é necessária por causa do alto custo dos materiais de operação, a maioria importada. “O tratamento de crianças demanda ainda mais cuidado. Não há como fazer economia”, diz a médica, que comemora a o empenho de sua equipe. “Ninguém nunca pensou em não fazer os atendimentos. Sempre que foram convidados, todos toparam”.
Entre os médicos está o cirurgião Milton Méier, chefe da equipe de cirurgia da Pró- Criança. No jornal da instituição, ele reclama da precariedade do atendimento hospitalar público para crianças: “as estatísticas médicas informam que cerca de 1% dos recém nascidos vêm com problemas que têm que ser operados nos três primeiros meses de vida, sob risco de morte. Isso dá por ano entre duas mil e duas mil e quinhentas crianças. É fácil constatar que uma boa parte desses meninos e meninas morre sem assistência na cidade do Rio de Janeiro”.
Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que todo ano 23 mil crianças nascem com problemas de coração e precisam ser operadas. Porém, só oito mil conseguem passam por uma cirurgia. Ou seja, pouco mais de 25%. Isso acontece porque existem poucos centros especializados no país.
Dentistas
O atendimento odontológico é um exemplo da dedicação dos profissionais da Pró Criança. A equipe de odontologistas é chefiada por Pierre Gentil, dentista que mora em Macaé, no norte fluminense, e que a cada 15 dias viaja até o Rio para atender na entidade. O filho de Gentil foi atendido pela entidade em 2002, pois ele, mesmo tendo uma profissão de nível superior, não conseguia pagar o tratamento.
Impressionado com o que foi feito, pediu um espaço à doutora Rosa Célia para também colaborar. Conseguiu, mas a presidente da instituição lhe perguntou como faria as consultas, já que os preços dos materiais odontológicos também não são nada baratos. Gentil fez contatos com colegas e empresários e conseguiu doações em dinheiro e material. Desde março de 2004 há dentistas na Pró Criança. Atualmente, convênios com uma empresa de planos de saúde e outra de materiais garante o funcionamento regular.
Com sede própria desde 2001, a instituição é localizada no bairro de Botafogo, na mesma rua do Pró-cardíaco. Na sede, a instituição realiza atendimentos e usufrui, por causa da proximidade, da infra-estrutura do hospital e de seus médicos. Contudo, isso não reflete a dificuldade de se manter as atividades. A doutora Rosa Célia afirma que o orçamento mensal da instituição é de R$ 50 mil. Parte dessa despesa é coberta por convênios com laboratórios, que não cobram pelos exames como os de sangue. Outras empresas bancam algumas cirurgias e exames. O restante vem de doações pessoais e de eventos beneficentes que a entidade realiza mensalmente. “Gostaria de ter apoio suficiente para não precisar realizar eventos”, lamenta a médica.
Apesar das dificuldades, ela pretende ampliar o serviço. O Pró Cardíaco está ampliando suas instalações e haverá mais espaço para a Pró Criança Cardíaca quando as obras terminarem.
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