Autor original: Maria Eduarda Mattar
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Em vez de boneca, fogão. Em vez de recreio, colheita. Em vez de amigo de sala, patrão. Esta é a realidade para 1,3 milhão de crianças brasileiras de cinco a 13 anos, segundo dados recém-publicados pelo IBGE, na Síntese dos Indicadores Sociais 2004 (o documento encontra-se na seção Cadernos Especiais desta edição da Rets). No estado do Ceará, são 251 mil crianças e jovens entre cinco e 17 anos ocupados, segundo o mesmo estudo. Para combater esta situação e sensibilizar a sociedade para o assunto, o Fórum Estadual pela Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente no Ceará (Feeti) lançou, no final de janeiro, a campanha “Criança, um tempo de escola, um tempo de brincar”.
A iniciativa tem o apoio das ONGs Associação Curumins, Terre des Hommes e Catavento Comunicação e Educação e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A campanha produziu material educativo a ser distribuído nos conselhos tutelares, nos conselhos municipais de direitos de crianças e adolescentes e em escolas da rede pública de todo o estado, com a intenção de sensibilizar um público segmentado e que já trabalha com questões da infância e da adolescência. A iniciativa também elaborou spots que devem ser veiculados por rádios comunitárias e comerciais de Fortaleza e do interior, para conscientizar um espectro mais amplo da população.
A campanha atuará também nas conferências regionais e estadual que acontecerão ao longo do ano e precederão a IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - uma iniciativa organizada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Segundo Marceliana Gonçalves, secretária-executiva do Fórum, a campanha focará majoritariamente três assuntos: a aceitação do trabalho infantil quando ele é realizado dentro da própria casa da criança ou de terceiros, ou seja, o trabalho infantil doméstico; os danos à saúde das crianças e adolescentes e a lei que permite a atividade de jovem aprendiz.
Os danos à saúde incluem aspectos físicos e psicológicos. “Envolvem desde problemas de coordenação motora, chegada precoce à maturidade e perda do lado lúdico até comprometimento da parte óssea e muscular. Isso sem falar no atraso escolar”, explica Marceliana. Além deste aspecto, a campanha também vai jogar luz sobre a atividade de jovens aprendizes, explicando o que a lei permite: trabalho antes dos 14 anos somente na condição de aprendiz, segundo a qual é preciso ter garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular; a atividade precisa ser compatível com o desenvolvimento do adolescente e é necessário haver um horário especial para o exercício das atividades, entre outras exigências. De 14 a 18 anos, as condições são as mesmas, adicionado o fato de que são assegurados ao jovem direitos trabalhistas e previdenciários.
Mas talvez um dos principais desafios da iniciativa seja abordar o tema do trabalho infantil doméstico. Porque ele se dá no seio da família, a discussão ganha componentes mais delicados e subjetivos, englobando, por exemplo, o questionamento sobre até que ponto a sociedade pode ou não interferir na vida particular das pessoas. Além de ter que combater a aceitação cultural do trabalho de crianças e adolescentes nas suas próprias casas ou em casas de terceiros – afinal, para muitas famílias, é importante que a criança trabalhe pra ajudar no sustento da casa ou para permitir que os pais saiam para o emprego, e a sociedade parece "entender" isso – a campanha tem um outro obstáculo: a dificuldade de identificar e denunciar esses casos, uma vez que ocorrem dentro de casa.
Conforme demonstram os Indicadores Sociais 2004, “nesse sentido, observa-se a importância do rendimento do trabalho infantil no contexto familiar e mostra que o trabalho das crianças e adolescentes está relacionado com a situação socioeconômica das famílias em que elas estão inseridas. Quase metade dessas crianças vivia em famílias com rendimento familiar per capita de até 1⁄2 salário mínimo, situação que se agrava quando se observa a Região Nordeste, cuja proporção chega a 73,3%”.
“É preciso entender que qualquer trabalho infantil é obrigação, não é opção. E mais: trabalho infantil nunca é alternativa à pobreza”, sentencia Marceliana.
No Ceará, essas crianças e adolescentes atuam em uma gama de atividades para ajudar a família: nas cidades, catar lixo, trabalhar como guardador de carros, venda de balas no trânsito; no campo, trabalho na agricultura, em pedreiras e em carvoarias. “As pessoas aceitam demais o trabalho infantil doméstico. É fácil falar ‘não está na escola, mas está trabalhando, está fazendo uma atividade importante para a família’. Isso está errado, pois a criança deixa de exercer um direito e passa a exercer algo que é ilegal”, resume a secretária-executiva do Fórum.
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