Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Apresentado em dezembro de 2004 pelo ministro da Educação, Tarso Genro, o anteprojeto de reforma do ensino superior tem sido amplamente debatido por diversos setores ligados à educação. "Esse tema vem sendo tratado de forma quase exaustiva até pela própria imprensa", comenta Roberto Bezerra, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). Não é para menos. Para chegar ao Congresso Nacional como pauta prioritária, os impasses em torno da reforma universitária deverão ser resolvidos num certo grau de consenso, segundo o presidente do CNE. Assim, a fim de atender ao aumento da busca pela participação nesse debate, e a pedido de diversas entidades ligadas ao setor educacional, o Ministério da Educação (MEC) continua recebendo sugestões de emendas ao anteprojeto da reforma universitária (Lei da Educação Superior).
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que está consolidando sugestões para apresentar propostas a serem incorporadas ao texto da reforma, é uma das entidades que consideram de grande importância este momento de discussão. "É uma grande oportunidade de podermos trabalhar por uma legislação nova para o ensino superior", diz Paulo Jorge Sarkis, presidente da Comissão de Orçamento e Financiamento da Andifes.
Fortalecimento e regulação
Entre os principais objetivos da reforma estão: fortalecer a universidade pública, assegurar uma maior qualidade das instituições privadas superiores, criar meios de acesso e permanência para estudantes de baixa renda e minorias raciais e garantir autonomia administrativa e financeira dessas instituições. Pela nova lei, as instituições estatais e privadas deverão integrar um sistema público de ensino superior. Com a criação de um marco regulatório para o sistema de educação superior, o Estado deverá garantir sua qualidade e orientar sua expansão de forma ordenada.
Hoje cerca de 70% das vagas oferecidas no país para o ensino superior são de instituições privadas e apenas 30% de instituições públicas – e esse avanço do ensino privado, que ocorre desde a década de 90, nem sempre vem acompanhado de qualidade. "Têm de ser estabelecidos parâmetros mínimos para que uma instituição de ensino superior seja considerada universidade, centro universitário ou faculdade", ressalta Sarkis.
A proposta de criação de um marco regulatório não tem sido bem recebida pelas instituições particulares. "As universidades particulares também precisam de uma avaliação rigorosa. Mas elas são contra, requerem uma liberdade maior", aponta Enio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Na leitura do setor privado, o marco regulatório cercearia a sustentabilidade financeira dela, segundo Roberto Bezerra. "A regulação do sistema de ensino é um ponto polêmico", afirma o presidente do CNE, que defende a proposta do governo: "Assim como considero injusta a acusação feita ao governo anterior de liberar a expansão das instituições privadas sem preocupação com a qualidade, é injusto dizer que o governo atual quer acabar com o ensino privado".
Um dos pontos mais importantes da reforma, segundo Paulo Jorge Sarkis, é que a universidade seja considerada um bem público e que seja regulada pelo Estado. "A Organização Mundial do Comércio (OMC) tem feito várias investidas no sentido de incluir o ensino na categoria de prestação de serviço, sendo regulada como tal. A Andifes é contra essa posição. Não se trata de uma mercadoria", afirma. Sarkis ressalta que o ensino superior tem um papel estratégico no desenvolvimento da sociedade, por isso é preciso ter um planejamento social, com uma avaliação de qualidade pelo Estado.
Além de assegurar a qualidade do ensino privado, a reforma universitária pretende ampliar a participação do setor público na educação superior, com a expansão e a criação de universidades públicas, a criação de novas vagas, além da garantia de mais recursos e investimentos em pesquisa e extensão. O anteprojeto preliminar também prevê a eleição direta do reitor nas universidades públicas e do pró-reitor acadêmico nas instituições privadas, além da constituição do Conselho Comunitário Social, que contará com a participação dos corpos docente e discente e de representantes da sociedade civil e promoverá a interação entre a universidade e a comunidade. Com o fortalecimento da universidade pública, pretende-se ampliar o acesso de jovens de baixa renda ao ensino superior. Atualmente, apenas 9% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos está cursando o ensino superior.
Falta de clareza
O anteprojeto prevê a destinação de três quartos do orçamento da educação para o ensino superior. Para Sarkis, a nova regra de financiamento não está clara no texto. "O orçamento mínimo para as universidades públicas previsto no texto é insatisfatório para as condições atuais. Para atender o patamar de 40% das vagas oferecidas pelas universidades públicas, como está previsto no artigo 3º do texto da reforma, o orçamento tem de ser bem maior".
A autonomia financeira e a sustentabilidade do ensino público federal são consideradas as questões mais urgentes da reforma, na visão de Roberto Bezerra, presidente do CNE. "As universidades mantidas pelo governo federal ganhariam um grau de autonomia para captar recursos junto à sociedade", afirma.
Além do financiamento, Enio Candotti também critica a falta de clareza em relação a outros aspectos do anteprojeto, como as formas de avaliação. "É preciso colocar de maneira mais clara e explícita no texto as normas de regulação das universidades", diz. O presidente do CNE acrescenta que a função do Conselho Comunitário Social e o componente relacionado à assistência ao estudante são outros pontos que necessitam de mais esclarecimentos.
Inclusão
Com o objetivo de democratizar o acesso à educação, o anteprojeto pretende destinar 50% das vagas na universidade pública a alunos provenientes de escolas públicas. Juçara Dutra Vieira, presidente do Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), acredita que a inclusão das cotas na reforma foi importante, porque estimulou o debate e trouxe à tona o problema da exclusão no ensino superior. "É como a questão das cotas de mulheres nas eleições: poucas vezes é respeitada, mas estimulou a discussão sobre o problema do sexismo", compara.
A criação de vagas públicas nas universidades privadas também está prevista na reforma – como aconteceu pela primeira vez este ano, por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni). De acordo com o MEC, o ProUni, destinado à concessão de bolsas em instituições privadas de ensino superior, aumentou, neste ano, em quase 50 mil o número de alunos negros nas universidades brasileiras.
Juçara acredita que as bolsas nas universidades privadas podem servir como um paliativo para aqueles que precisam ingressar agora nas universidades, mas esta medida deve ser transitória. "Mesmo alguns daqueles que são ideologicamente contra vão se beneficiar das cotas", diz.
E o ensino básico?
Outra crítica dirigida ao governo é quanto à prioridade dos investimentos em educação. Para alguns, a prioridade deveria ser dada à reforma da educação básica, no lugar da reestruturação do ensino superior. O presidente do CNE defende, no entanto, que a educação deve ser vista de forma integrada. "Criticam como se recursos que deveriam ir para o ensino básico fossem para a superior. Não vejo dessa forma excludente. Os dois são prioridade. Ambos refletem na qualidade de vida da população brasileira", afirma.
Em debate promovido em fevereiro pela Folha de São Paulo sobre o tema da educação, dois ex-ministros do setor, Paulo Renato de Souza e Cristovam Buarque, criticaram a prioridade dada pelo ministro Tarso Genro à reforma universitária. O ministro rebateu as críticas ao destacar a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que, segundo o governo, deverá reforçar o financiamento e garantir a melhoria do ensino básico no país.
Mesmo sendo a favor da reforma universitária para reverter o processo de privatização do ensino no país, Juçara Dutra Vieira, presidente do Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), acredita que a educação básica tem sido deixada de lado neste governo. Ela observa que o principal programa da área, o Fundeb, não decola e tem esbarrado na pressão dos estados e municípios.
Apesar das críticas, o Ministério da Educação tem o apoio de grande parte da sociedade e de entidades ligadas à área de educação na defesa da importância da reforma da educação superior. Além disso, tem acatado as considerações das entidades. "O MEC aceitou a maior parte das nossas ponderações. Como, por exemplo, quanto à redefinição da função das universidades. O MEC estava dando uma ênfase excessiva à função social das universidades, atribuindo a elas o papel de formular políticas públicas. Essa função não cabe a elas, e sim a de formar gente e produzir conhecimento. Mostramos isso ao MEC, que já incorporou a idéia", afirma o presidente da SBPC.
Juçara Dutra Vieira ressalta que o MEC, quando criou o projeto da reforma, não estava muito aberto à discussão, mas, com a pressão das entidades ligadas à educação, passou a aderir ao debate. Ela, no entanto, se preocupa com o que será feito dessas discussões. Teme que no Congresso a pressão (e o lobby) econômica faça com que essa discussão não interfira no resultado final. "Muitas vezes o governo dialoga, tem acordo com o setor interessado, com a sociedade civil. Mas quando a proposta chega no Congresso, no Senado, a pressão econômica é muito mais forte e se esquece de todo o debate inicial".
Enquanto isso, continuam sendo bem-vindas sugestões, propostas e contribuições da sociedade civil ao anteprojeto da reforma universitária. O prazo para o recebimento de propostas, que inicialmente terminaria em 15 de fevereiro, foi prorrogado para 30 de março. O novo texto do anteprojeto, com as propostas que vierem a ser recebidas das entidades, deverá ser encaminhado ao Congresso Nacional no próximo mês de julho. O anteprojeto e mais informações estão disponíveis em www.mec.gov.br/reforma.
Mariana Loiola.
Colaborou Italo Nogueira.
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