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Sem fronteiras, em uma só voz

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Sem fronteiras, em uma só voz
Amarc

Usar o rádio para emitir, em uma só voz, um programa que ultrapasse fronteiras, levando mensagens de combate ao racismo e a todas as formas de discriminação. É isso que faz a campanha Vozes sem Fronteiras, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc). Houve experiências anteriores, mas foi a partir de 2001 que a iniciativa se organizou internacionalmente.

A campanha acontece todo ano, em 21 de março, Dia Internacional pela Eliminação do Racismo e da Discriminação. Trata-se de uma transmissão de 24 horas, feita em colaboração com emissoras comunitárias do mundo todo que enviam material para a iniciativa.

Para participar, as emissoras locais devem enviar para a Amarc, até 10 de março, material – original ou não – relacionado a racismo e discriminação. As emissoras podem também retransmitir programas via satélite ou pela internet. As contribuições podem ser enviadas em qualquer idioma. [Mais informações sobre como participar podem ser obtidas no box na barra lateral direita desta página ou no site da Rádio Vozes sem Fronteiras, cujo endereço está na área de Links Relacionados, ao lado.]

Existem alguns temas sugeridos, como: impacto da globalização econômica no ressurgimento do racismo no mundo; discriminação e xenofobia contra imigrantes e refugiados; prevenção de condutas discriminatórias por meio da educação; estratégias para combater o discurso racista na internet etc.

Nesta entrevista, o coordenador da iniciativa para a região de América Latina e Caribe, Marcos Salgado, conversa com a Rets sobre a mobilização que tem sido promovida, explica como acontece a transmissão e fala sobre a importância de iniciativas como essa para vencer o racismo e a discriminação que, segundo ele, os meios de comunicação de massa ajudam a perpetuar.

Rets - Como foram as experiências anteriores da Rádio Vozes sem Fronteiras?

Marcos Salgado - Vozes sem Fronteiras é uma iniciativa da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) que já está há vários anos no ar. A cada ano, vêm aumentando nossa audiência e as “vozes” que são transmitidas.

Rets - Considerando a participação e o envolvimento das rádios, que tipo de acolhida a iniciativa teve?

Marcos Salgado - As rádios comunitárias vêm participando bem nas edições anteriores da Vozes sem Fronteiras e muitas já estão se incorporando a esta nova transmissão, por causa da convicção de que é importante divulgar as produções locais em nível mundial e continental. Esse é um dos pontos principais do trabalho em rede que nos propomos a desenvolver na Amarc e da Púlsar [Agência Informativa Púlsar, iniciativa da Amarc América Latina e Caribe com vistas a promover a democratização da comunicação].

Rets - Que países mais participam das transmissões? Qual é a participação das rádios brasileiras?

Marcos Salgado - O trabalho é coordenado por continente: África, Ásia, Europa e, no caso da América, dividimos em América do Sul e do Norte. Também organizamos os conteúdos segundo o idioma: inglês, francês, espanhol e português. Na última edição da Rádio Vozes sem Fronteiras, em 2004, lamentavelmente não houve aportes do Brasil.

Neste ano já estão comprometidas rádios da Argentina, do Chile, do Uruguai e a Rádio Feminista Internacional, com sede na Costa Rica. Porém estão chegando a cada momento novas confirmações.

Rets - Nos conteúdos dos programas enviados, qual é o tema que mais recebe atenção: racismo, discriminação de gênero, discriminação das pessoas com deficiência etc.?

Marcos Salgado - Um tema que sempre rende bastante material é de discriminação de gênero, ainda que ultimamente essa temática tenha se diversificado e existam recortes em temas mais específicos, como a discriminação da mulher em diferentes âmbitos, como no acesso a novas tecnologias.

Rets - As rádios podem, em vez de lhes enviar previamente o material, fazer transmissões ao vivo?

Marcos Salgado - Sim, podem realizar transmissões ao vivo, segundo as possibilidades de cada rádio. Muitas vezes, estabelecemos um link por telefone ou por algum outro sistema. No entanto, o número de rádios que opta por esta possibilidade é limitado. Na edição do ano passado, não chegou a 20% do total de rádios que participaram da iniciativa. Isso acontece porque muitos dos programas que participam já fazem normalmente muita produção prévia. Assim, é mais lógico e mais econômico emitir material pré-gravado.

Rets - Podem participar da Rádio Vozes sem Fronteiras materiais em diversos idiomas. No entanto é feita uma única transmissão. Essa diversidade de línguas pode acabar se tornando um entrave para os resultados da campanha, pela dificuldade de compreensão que pode gerar?

Marcos Salgado - Não, porque cada idioma tem seu horário definido. O de espanhol, este ano, será o último, das 20h às 23h, no horário de Brasil e Argentina. A grade com os horários dos programas em cada idioma ainda não está 100% definida. Devemos concluir isso na próxima semana.

Rets - Nas transmissões anteriores já foram indicadas estratégias para combater o discurso racista na internet? Se sim, quais?

Marcos Salgado - Essas estratégias respondem a critérios mais gerais, que formam parte do trabalho constante da Amarc. Mas, sim, tentamos fazer com que o tema do racismo na internet esteja presente em alguns informes. Esperamos que neste ano também esteja, apesar de, na prática, dependermos do que cada rádio nos envia. Pois a idéia fundamental da Rádio Vozes sem Fronteiras é a construção horizontal da programação.

Rets - Na sua opinião, qual é o impacto dos meios de comunicação de massa na perpetuação do racismo e da discriminação? Você conhece alguma história que ilustre isso?

Marcos Salgado - Os meios de comunicação de massa não têm nunca em seu horizonte discursivo um mínimo grau de cuidado nesse sentido. Nem os editores, nem os redatores, nem os cronistas cuidam disto. Assim, acabam refletindo os preconceitos e critérios racistas e discriminadores presentes nas classes sociais das quais se nutrem – em geral, as classes média e média-alta da sociedade. Ao não existir uma posição clara sobre esse discurso colocada e difundida dentro dos próprios meios de comunicação, o sistema tende a se perpetuar.

Lembro-me de um caso terrível, ocorrido na Argentina. Quando explodiu, em 1994, uma bomba na Amia [Associação Mutual Israelita Argentina, cuja sede foi destruída por uma explosão nos dia 18 de julho daquele ano], matando 85 pessoas, os cronistas e comentaristas de televisão e rádio falavam das pessoas que morreram nas calçadas, fora do edifício, como vítimas inocentes. Porém também eram inocentes aquelas que estavam dentro da entidade, mas os comentaristas faziam parecer que tinham algum tipo de culpa simplesmente por causa de sua condição de judeus!

Maria Eduarda Mattar.
Colaborou Fausto Rêgo.

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