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Protestos além das ruas

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





Protestos além das ruas
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De 18 a 20 de março, diversas cidades em todo o mundo serão palco de manifestações contra a ocupação do Iraque por forças lideradas pelos EUA. A data marca os dois anos do início dos combates no Oriente Médio. Em Nova Iorque, Londres, Berlim, Los Angeles, Madri, Roma e São Paulo, entre outras, milhares de pessoas irão às ruas pedindo a retirada das tropas, cuja ação tinha como pretexto tirar um ditador do poder e encontrar armas de destruição em massa. A primeira missão foi cumprida – Saddam Hussein foi preso e aguarda julgamento. A segunda, não. Como haviam afirmado os inspetores das Nações Unidas no início de 2003, o Iraque não possuía nenhum tipo de arma química ou nuclear.

Esse será o terceiro protesto levado adiante por movimentos e organizações pacifistas contra a política belicista do presidente dos EUA, George W. Bush. No primeiro, realizado em março de 2003, milhões de pessoas marcharam pedindo que a guerra não começasse. No segundo, em 2004, a demanda era o fim da ocupação e, principalmente, a não reeleição de Bush. Agora, a retirada definitiva das tropas. Nada disso foi atendido, nem há sinais de que será. O consenso em torno dos fins começa a se transformar em polêmica quanto aos meios.

Entre os que criticam a forma como as ações pela paz são feitas está o movimento norte-americano Global Justice Ecology (Justiça Global e Ecologia), que faz parte da rede United for Peace and Justice (Unidos por Paz e Justiça – UFPJ, da sigla em inglês), uma das principais organizadoras das manifestações contra a guerra. A Global Justice Ecology tem pouca idade – foi fundada em setembro de 2003 –, mas tem sido bastante ativa nos EUA. Em 2004, participou de diversos eventos antiglobalização. Uma de suas fundadoras, Anne Peterman, foi eleita ativista ecológica do ano em 2000.

A organização publicou em sua página (ver link ao lado) um documento com propostas para o movimento pacifista dos EUA no qual aponta a falta de envolvimento da população de seu país durante todo o ano em ações contra a guerra. O “Documento do Poder do Povo” reconhece a força das manifestações, mas acredita que elas são insuficientes.

“Em 2003, tentamos quase tudo para impedir a invasão do Iraque e em 2004 tentamos não eleger o invasor. Em ambas, inacreditáveis ondas de ativismo de praticamente todos os setores da sociedade atingiram ruas e casas da América e obtiveram vitórias importantes e pouco visíveis, mas falharam em parar a invasão ou interromper a ocupação. Nossas vozes foram ouvidas, mas ignoradas pela administração Bush e pelos democratas [referência ao Partido Democrata, que faz oposição ao atual governo]. Estamos em 2005 e é hora de uma abordagem diferente”, diz a carta.

“É difícil mobilizar contra a guerra e a ocupação quando não há uma lógica clara para a qual nossos esforços estão centrados. O que outra marcha ou mesmo uma ação direta não-violenta podem acrescentar? Como podemos realmente parar a guerra e a ocupação? Onde está uma estratégia que pode funcionar?”, acrescenta David Solnit, um dos autores da proposta, em artigo publicado recentemente na revista eletrônica Alternet.

Para os membros da Global Justice Ecology, é preciso apoiar medidas que ataquem os pilares da guerra permanentemente. Estes seriam três: as tropas, a "desinformação" promovida pela mídia e as empresas que lucram com a ocupação. Em relação aos soldados, a idéia é estimular a insubordinação e dar força àqueles que se recusam a obedecer a ordens que se oponham a leis internacionais de regulamentação de conflitos armados. Há também a intenção de fazer contra-propaganda para diminuir o número de alistados.

Há casos de soldados que se recusaram a servir e foram processados. Em março de 2004, o soldado Camilo Mejía se negou a voltar ao Iraque depois de uma missão de duas semanas fora do país. Aos 28 anos, declarou na época preferir ser preso a lutar numa guerra que considera injusta. “Ninguém se alista nas Forças Armadas para lutar pelo dinheiro ou pelo petróleo. Não acho que no Iraque estejamos combatendo para encontrar armas de destruição em massa ou pelos vínculos entre [o ex-presidente] Saddam Hussein e o terrorismo", afirmou ao se entregar ao tribunal militar. Foi condenado por deserção. Ganhou liberdade em 15 de fevereiro deste ano, depois de contar com apoio de entidades de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional. Elas afirmam que Mejía apenas exerceu seu direito de expressão, mas o exército ainda o acusa de abandono de dever.

Até 10 de março, 1.688 soldados da coalizão morreram, numa média de 2,34 mortes por dia desde 19 de março de 2003. O número de civis mortos em decorrência dos combates e atentados não é exato, mas está entre 16 mil e 18 mil pessoas.

Mejía também fez críticas ao envolvimento de empresas com o conflito, acusando-as de serem as principais beneficiadas com a guerra e a ocupação. Por isso a sugestão do “Documento do Poder do Povo” vai contra os interesses empresariais. A carta defende o boicote “agressivo” a corporações que têm obtido muitos ganhos com a ocupação. A empreiteira Bechtel, por exemplo, já recebeu US$ 680 milhões e ainda tem US$ 2 bilhões a cumprir em obras para restaurar o sistema de água do Iraque.

Tudo normal, não fossem os desvios. Em junho de 2004, o Escritório de Contabilidade Governamental dos EUA publicou o relatório Rebuilding Iraq (Reconstruindo o Iraque), no qual afirma que US$ 715 milhões de um total de US$ 3,7 bilhões empregados pelo Pentágono e outras agências governamentais na reconstrução iraquiana até 20 de setembro de 2003 não tiveram o destino combinado.

A mídia não costuma divulgar esses fatos com o devido alarde, dizem os ativistas. Para eles, as grandes empresas de comunicação dos EUA apenas repetem afirmações oficiais – ou, pior, estariam distorcendo os fatos. “Podemos enfraquecer esse pilar por meio de campanhas para educar o público a serem críticos. Além disso, campanhas a favor da mídia independente podem impor metas de fazer com que um grande número de pessoas troque a grande mídia pela mídia independente”, escreve Solnit.

Aceitação

As propostas foram levadas para a convenção do United for Peace and Justice, evento que reuniu 400 representantes de organizações norte-americanas para debater meios de pôr fim à guerra. A United for Peace and Justice tem dois anos de idade e mil entidades filiadas. Ela foi a principal responsável pela presença de 500 mil pessoas nas passeatas pela paz de Nova Iorque em 2003. Um dos temas principais do encontro foi justamente a eficiência das táticas empregadas nos protestos. Outra questão levantada foi como mobilizar ainda mais pessoas para participar de manifestações.

“As pessoas ainda possuem algumas questões bastante sérias. E até se sentirem confortáveis com as respostas, não estarão prontas para fazerem ativismo”, declarou durante a convenção a coordenadora nacional da UFPJ, Leslie Cagan. A ativista afirma que muitos norte-americanos acreditam que as tropas devem permanecer no Iraque para “arrumar” a bagunça que fizeram. E o papel do movimento pela paz seria justamente apontar alternativas não-violentas para isso. “Sim, fizemos uma bagunça. Sim, temos a responsabilidade de ajudar o Iraque agora. Mas parte do maior problema é a presença contínua de tropas dos EUA lá. Precisamos retirar as tropas, porque é isso que está tornando a situação tão volátil”.

A opinião pública norte-americana realmente está indecisa. Ao contrário do momento pré-invasão, agora não há consenso em relação à presença do exército no Oriente Médio.Em 2 de março, já depois das eleições iraquianas, a rede de televisão CBS, uma das maiores do país, divulgou pesquisa na qual 50% dos norte-americanos diziam desaprovar a presença de tropas naquele país. Outros 45% apóiam. A maioria acredita que as coisas estão indo bem: 53% classificaram como “boa” a situação das tropas no Iraque, 12 pontos percentuais a mais do que em janeiro e 12 abaixo de janeiro de 2003.

Algumas das propostas apresentadas pela Global Justice Ecology foram ao encontro de outras organizações e aprovadas com um adendo: é preciso reforçar alianças com movimentos e entidades de outros países, principalmente aqueles que fazem parte da coalizão presente no Iraque. Na Inglaterra, por exemplo, há o movimento Stop the War (Parem a Guerra), que organizou as manifestações em Londres e em outras cidades do Reino Unido. “A internet tem sido muito importante para nosso trabalho ao facilitar contatos e marcar reuniões”, diz à Rets William Dobs, responsável pelo trabalho de comunicação da UFPJ.

“Mais importante ainda: precisamos construir melhores ligações com líderes emergentes da sociedade civil no Iraque e na região. Por intermédio dessas alianças o movimento pacifista dos EUA pode refletir melhor sobre as alternativas pensadas pelos iraquianos à ocupação norte-americana”, acrescenta Amy Quinn, cordenadora de Redes do Instituto para Estudos Políticos e uma das fundadoras da UFPJ.

Por outro lado, houve polêmica. A convenção presenciou o confronto de duas gerações de ativistas. Uma, presente nos protestos contra a guerra do Vietnã e hoje com cinqüenta e poucos anos, é mais moderada. Outra segue a linha das manifestações antiglobalização que ganharam vulto em 1998, em Seattle, quando atrapalharam – e muito – a reunião anual da Organização da Mundial do Comércio (OMC).

A principal discordância entre os dois grupos se refere ao modo de pressionar o Congresso. Os mais velhos defendiam meios convencionais, ou seja, referendos locais e ações nos tribunais. Já a nova geração queria mais protestos de rua e ações diretas, como o veto à entrada de agentes de recrutamento militar nos campi universitários. No fim, a velha geração teve mais sucesso. Sua proposta recebeu 68% dos votos da assembléia.

Ação

Polêmicas à parte, decidiu-se começar uma nova campanha pela paz em 19 de março. A curto prazo, manifestações de massa. A longo, campanhas educativas e pressão contra congressistas. Nessa data, haverá passeatas. Porém, de acordo com as deliberações da maior coalizão antiguerra, mais ações serão criadas. De acordo com Quinn, uma “campanha educativa” será lançada em 24 de maio. Ela foi inspirada em campanha semelhante iniciada há 40 anos, contra a guerra do Vietnã. A data foi escolhida para relembrar a primeira conferência feita nos anos 60 com esse objetivo. Palestras sobre a situação dos combates serão feitas em diversas universidades, como aconteceu em 1965.

“Nosso objetivo é gerar ímpeto e infra-estrutura para um movimento de educação a longo prazo que promova novos modelos capazes de aumentar o coro de religiosos, jovens, imigrantes e outros sobre o real eixo do mal – racismo, pobreza e guerra”, esclarece Quinn.

A tática passa, inclusive, pelo bolso dos norte-americanos. As palestras pretendem mostrar o custo da ocupação no bolso dos contribuintes. De acordo com o site Cost of War (Custo da Guerra), da organização National Priorities Project (Projeto de Prioridades Nacionais), o conflito no Iraque consumiu US$ 155 bilhões até agora, uma média de US$ 551 por habitante. Recentemente, a administração Bush requisitou uma verba adicional de US$ 82 bilhões para financiar a reconstrução iraquiana e a manutenção das tropas. A idéia é mostrar como o custo da guerra está ligado à decadência dos serviços públicos norte-americanos e à tentativa de corte de benefícios pelo governo. Segundo o Cost of War, com o que já foi gasto até o momento, seria possível pagar o salário de 2,6 milhões de professores da rede pública durante um ano.

Se depender da UFPJ, os congressistas norte-americanos não terão sossego até vetarem o uso de mais verbas com o conflito. No dia 11 de março, o movimento enviou um alerta via internet mobilizando os cidadãos daquele país para ligarem e mandarem mensagens a seus representantes em Washington, exigindo voto contrário a verbas adicionais para sustentar a ocupação do Iraque. “Agora é hora de aumentar nossa pressão no Congresso e fazer com que saibam o quanto estamos desgostosos com o gasto de nossos impostos nessa guerra assassina e criminosa”, diz o comunicado. Os deputados votam a emenda em 15 de março. Os senadores, no dia 21 do mesmo mês.

As manifestações, portanto, acontecem entre as votações, o que lhes dará ainda mais peso.

Marcelo Medeiros

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