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Quando música rima com transformação

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Novidades do Terceiro Setor





Quando música rima com transformação


Acordes e cidadania. Notas musicais e direitos. A combinação parece inusitada, mas é na união desses elementos que aposta a recém-lançada Rede Social da Música. Iniciativa de um grupo de organizações não-governamentais que usam música nos seus projetos, a novidade pretende ser uma grande rede congregando somente este perfil de instituição: organizações não-governamentais sem fins lucrativos que trabalham com a música como ferramenta de transformação social e humana. Só podem participar entidades, não pessoas.

A Rede nasceu em fevereiro e, em uma carta endereçada ao Ministério da Cultura e aos "músicos do Brasil", seus participantes dizem: “Se por um lado, a música que se faz no país é economia e desenvolvimento, ela é também expressão artística, produção simbólica e cidadania”. É com essa lógica que a iniciativa pretende desenvolver suas atividades.

Já participam entidades como a Escola de Música da Rocinha, o Grupo Cultural Afro Reggae, o Instituto Jacob do Bandolim, o Grupo Cultural Jongo da Serrinha, o Projeto Apanhei-te Cavaquinho, o Projeto de Integração pela Música e a Associação Amigos da Cultura de Cajati (Maranhão). Cada um desses projetos tem o número de beneficiários na casa das centenas, o que revela a abrangência e o envolvimento que conseguem os projetos que usam a música como instrumento de trabalho.

Egeu Laus, coordenador da Comissão Executiva da Rede Social da Música, explica que, além de fortalecer uma visão da arte, no caso a música, como transformadora social e humana, o papel da Rede também será o de facilitar o intercâmbio e promover uma cultura de cooperação institucional entre seus membros. Disseminar boas práticas, trocar experiências, promover iniciativas cooperativadas e influenciar na elaboração de políticas publicas para a área de cultura são algumas das atividades propostas.

Mapeamento e ação concreta

Figuram ainda entre os objetivos da novidade o mapeamento das organizações sociais que trabalham com música; o levantamento de informações, saberes, conhecimentos e experiências e a sistematização de uma base de dados com as informações levantadas.

Laus explica que, para fazer o mapeamento, já está sendo aplicado um questionário básico. “Em seguida, com assessoria do Núcleo de Estudos de Inovação, Conhecimento e Trabalho (NEICT) da Universidade Federal Fluminense, vamos aprofundar e sistematizar os dados com publicação online”, esclarece ele, que é também pesquisador de música e cultura popular brasileira e um dos diretores do Instituto Jacob do Bandolim. Além dele, também fazem parte da Comissão Executiva da Rede Social da Música Claudio D’Ipolitto, do NEICT, e Ecio de Salles, doutorando em Comunicação e Cultura pela ECO-UFF, coordenador de educação do Grupo Cultural Afro Reggae e um dos editores da revista Global.

A primeira atividade concreta será a participação na Câmara Setorial da Música, no âmbito do Ministério da Cultura. A rede está pedindo assento na Câmara, ao lado de outras entidades (sindicato dos músicos, associações etc.). “A diferença principal é que, enquanto os músicos têm demandas ‘corporativas’, que desembocam em última instância na indústria cultural e no mercado, a Rede Social da Música tem demandas ‘sociais’ para além da indústria e do mercado”, compara Laus.

Democratização para quem tem fome

Os dois maiores desafios a que a Rede se propõe, no entanto, são a democratização da música e da cultura e o envolvimento de toda a sociedade no debate sobre o uso da música para a transformação social. Para chegar a esta, aliás, a intenção é chamar a sociedade civil para o debate, por meio de encontros, palestras, seminários, conversas, reuniões etc. Pretende-se também utilizar a Rede Social da Música como um canal em que a sociedade e os beneficiários possam ter sua voz ouvida por quem produz música com objetivos sociais.

A meta de democratizar a música e a cultura – o que, na idéia, parece simples – pode, na prática, dar trabalho. Como fazer isso? “Vamos perguntar a quem tem fome de cultura sobre o que quer comer. Descentralizar as iniciativas e decisões. Não deixar somente na mão do Estado as decisões sobre políticas públicas de cultura. Enfatizar o papel da música como expressão cultural e social, como fator de integração e identidade de comunidades e regiões, como fenômeno que gera valores humanos, sociais, antes e além dos estritamente econômicos; como obra mais do que mercadoria. Zelar para que a música seja encarada como 'produto social' e não como mero produto industrial, padronizado e padronizante. Defender o respeito à diversidade cultural e à 'arte-diversidade', em contraposição ao massacre das culturas locais promovido pelas globalizações e 'micaretações'. Defender a espontaneidade, a pluralidade e a liberdade de criação frente ao modelo único imposto pela indústria cultural massificada e hierarquizada”.

Diante de explicação tão detalhada, não há como não perceber que a combinação não é tão inusitada assim. Acordes realmente rimam com cidadania; notas musicais, com direitos. E a idéia de juntar tudo isso soa como música para os ouvidos.


Maria Eduarda Mattar

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