Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original:
![]() Paulo Rodrigues | ![]() |
Teatro e comédia nunca combinaram tanto com diversidade humana. Criado em meados de 2004, o grupo teatral Os Inclusos e os Sisos - Teatro de Mobilização pela Diversidade, um dos projetos da ONG Escola de Gente, utiliza as artes cênicas para sensibilizar públicos diversos sobre a importância de pensar uma sociedade inclusiva. Com sete integrantes – seis atores, estudantes universitários do curso de teatro, e um diretor – o grupo apresenta esquetes cômicos que, por retratarem cenas comuns no dia-a-dia das pessoas, conseguem sensibilizá-las e levá-las a perceber a necessidade de mudança dos próprios conceitos sobre o que é “normal” e o que é “diferente”.
As apresentações podem ser feitas em qualquer espaço. A única coisa necessária é disposição para interagir com os atores e mente aberta para captar a mensagem inclusiva. Nesta entrevista, Talita Werneck, uma das atrizes e fundadoras do grupo, conta a reação e as mudanças percebidas no público que assiste às apresentações e explica o processo de preparação do grupo para cumprir a tarefa de promover transformações na própria cultura das pessoas. “Percebemos que precisaríamos admitir o nosso próprio preconceito, para a partir daí conseguir fazer um trabalho consciente e mobilizador”, relata.
Rets - Qual foi a mola propulsora de criação do grupo Os Inclusos e os Sisos?
Talita Werneck - A ONG Escola de Gente propôs um desafio para nós: criar um grupo teatral que pudesse mostrar, através do teatro, da comédia, os erros mais comuns, ou seja, os preconceitos que constantemente vemos na sociedade. E nós prontamente aceitamos disseminar esse conceito, pois vimos que seria uma oportunidade única de fazer um "casamento" entre a nossa grande paixão - a arte, o teatro - e o nosso ideal, que é a sociedade inclusiva.
Rets - Vocês todos já faziam teatro antes, portanto. Já tinham um grupo próprio?
Talita Werneck - Já estudávamos juntos na UniRio [universidade carioca]. Tínhamos uma companhia de teatro na UniRio e éramos da mesma sala na faculdade, mas o grupo Os Inclusos e os Sisos - Teatro de Mobilização pela Diversidade foi criado especificamente para esse trabalho.
Rets - Como é ter que sensibilizar públicos com perfis distintos, que muitas vezes nunca pensaram no tema da inclusão? Como vocês se preparam para conseguir tocar uma gama tão diferente de pessoas?
Talita Werneck - Primeiro nós percebemos que precisaríamos admitir o nosso próprio preconceito, para a partir daí conseguir fazer um trabalho consciente e mobilizador. Mesmo falando para um grupo tão distinto, a inclusão, a sociedade inclusiva, é um tema que interessa a todos, porque fala para todos que estejam em minoria, então deve tocar a todos. Fala da vida em sociedade, das relações humanas, e isso faz com que as pessoas, por mais diversas que sejam, se identifiquem.
Rets - Então existe uma coisa que une todas as pessoas, mesmo com perfis tão distintos - como empresários, estudantes etc.?
Talita Werneck - Sim. O fato de cada um de nós, alguma vez na vida estar em minoria, ou porque é muito gordo, ou porque é cego, porque é baixo etc. A sociedade inclusiva não pensa só nas pessoas com deficiência. Ela prepara uma nova concepção social que fala diretamente com cada um de nós.
Rets - E como públicos tão diversos reagem aos esquetes das apresentações de vocês?
Talita Werneck - Como são esquetes cômicos, o riso é uma constante. Não se trata de um riso descompromissado, mas um riso nervoso. Acham engraçado porque, na maioria das vezes, já passaram por esse tipo de situação. Há também aqueles que prendem o riso, porque, como se trata de um assunto sério, acham que não é pra rir. Mas, de uma maneira geral, o que há é a identificação. Todo o texto do espetáculo e os esquetes são criados pelo grupo e estamos sempre criando esquetes novos em função do público, em constante capacitação pela Escola de Gente.
Rets - Vocês conseguem sentir instantaneamente a diferença nas pessoas que assistem aos espetáculos?
Talita Werneck - Sim, acho que depois das apresentações o público sai totalmente sensibilizado e prestando atenção ao seu redor, nas suas atitudes, em como se comportavam em determinadas situações. Geralmente pessoas que têm filhos com deficiência gostam muito do trabalho, muitas vezes se emocionam.
Rets - Ou seja, vocês sentem que elas saem dali mudadas?
Talita Werneck - A mudança vem com o tempo, mas nós damos o empurrão. Não digo que operamos uma transformação social instantânea, porque há muito a ser modificado, toda uma vida e um pensamento a serem repensados. Mas nós damos o ponto de partida.
Rets - Surdez, cegueira, deficiências motoras... Pelo que vocês percebem, o público conhece mais ou é mais sensível a algum tipo de deficiência ou o conhecimento das pessoas sobre o tema é igualmente nivelado sobre todos os tipos de deficiência?
Talita Werneck - Acho que é superficial. As pessoas não sabem como lidar com a deficiência, porque não tiveram, desde a escola, contato com pessoas com deficiência. O problema é que nós fomos educados para pensar que somos todos iguais e que "o diferente" é aquele que tem uma deficiência ou que não se enquadra nos padrões impostos pela sociedade. Mas todos [enfatiza a palavra] nós somos diferentes, a diferença é inerente ao ser humano.
Rets - Ou seja, há muito a mudar na cultura das pessoas.
Talita Werneck - Muito! Para conhecerem melhor o tema da inclusão e a sociedade em si.
Rets - Como são as apresentações? Incluem música, participação do público etc.?
Talita Werneck - São muitos esquetes, com trilha sonora feita por Gugu Peixoto – ator convidado e pessoa que fez todo o trabalho de trilha sonora. Temos uma música-tema, feita por mim, e há a participação do público. Ainda não temos uma cena em que haja a participação efetiva da audiência, ou seja, uma cena em que convidamos alguém da platéia para participar. Mas estamos pensando nisso. Porém em muitos esquetes nós falamos com o público, fingimos que alguém da platéia é um membro do grupo etc.
Rets - Alguma pessoa com deficiência participa do grupo?
Talita Werneck - Não. Não é só porque falamos sobre deficiência que necessariamente precisamos ter alguém com deficiência no grupo. Isso seria preconceito também. Se algum dia precisarmos de mais gente e conhecermos um ator com deficiência que seja bom, responsável, se dê bem com a gente, se identifique com a causa e tenha disponibilidade de horário (os mesmos requisitos para qualquer um que quiser entrar), não haverá problema algum a entrada dele no grupo.
Rets - Onde vocês normalmente fazem apresentações? São chamados por organizações? Escolhem por vocês mesmos os locais?
Talita Werneck - Os contatos são feitos através da Escola de Gente. Nós nos apresentamos em qualquer lugar: empresas, escolas, eventos etc. Normalmente, tem sido em empresas, projetos sociais e eventos de responsabilidade social. É só chamar que a gente vai. É bom esclarecer que existe um valor a ser pago para podermos no apresentar. Estamos buscando apoio financeiro permanente para o grupo se apresentar sem custo em escolas e universidades públicas e também em projetos sociais e comunidades de baixa renda.
Rets - Vocês pretendem ampliar o número de participantes do grupo ou repassar a experiência de vocês para formar novos grupos com os mesmos objetivos? Têm sido contatados para repassarem sua experiência?
Talita Werneck - Geralmente as pessoas que vêem as apresentações ficam superinteressadas e querem saber todos os detalhes. Aos poucos, quem tem contato com o trabalho vai se identificando, procurando a Escola de Gente, indo a palestras. Meu sonho é que haja pelo Brasil diversos "os inclusos e os sisos" ou outros grupos com a mesma finalidade. Por enquanto o grupo está completo, mas tende a crescer.
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