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Cultura: prioridade nacional

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





Cultura: prioridade nacional
Bumba-Meu-Boi - Portinari, 1959

Este pode ser um ano decisivo para impulsionar a cultura nacional. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 306/2000, que institui o Plano Nacional de Cultura, foi aprovada em primeiro turno no Senado Federal, no dia 22 de fevereiro, e pode ser sancionada ainda neste semestre. Segundo o texto da PEC (disponível no site da Câmara dos Deputados), o plano visa ao desenvolvimento cultural do país e à integração das ações do poder público para a defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; produção, promoção e difusão de bens culturais; formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura; democratização do acesso aos bens de cultura e valorização da diversidade étnica e regional.

A PEC integra o artigo 215 da Constituição Federal de 1988, que determina que o Estado “garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Se a proposta for sancionada, o Plano Nacional de Cultura será elaborado pela sociedade civil e nele deverão constar as prioridades da área para os próximos dez anos.

“A aprovação desse plano seria um reconhecimento da cultura no campo das políticas públicas. Geralmente, a cultura é relevada a uma segunda categoria em relação às metas de desenvolvimento do país”, comenta Hamilton Faria, coordenador de Cultura do Instituto Pólis e representante do Fórum Intermunicipal de Cultura.

O governo atual vem se empenhando para a aprovação dessa proposta, segundo Gustavo Gazzinelli, gerente de planejamento da Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura (MinC). O plano deverá definir as responsabilidades da União, dos estados e municípios sobre o setor de cultura. “Na Constituição não está claro quem faz o quê nesse setor. O plano vai estabelecer compromissos do governo com a participação da sociedade civil”, afirma.

Jurema Machado, coordenadora de cultura da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) acredita que o plano servirá como um instrumento para que as ações do poder público e as articulações entre governo, empresas e sociedade civil – necessárias para o fomento das políticas de cultura - funcionem de fato e possam se multiplicar.

A distribuição eqüitativa de recursos para a área da cultura para diferentes lugares do país, a criação de mecanismos democráticos para operar o setor cultural (como conselhos, por exemplo) e a transversalidade da cultura em relação a outras áreas estratégicas para o desenvolvimento, como educação e meio ambiente, são alguns dos pontos considerados mais importantes pelo MinC para o Plano Nacional de Cultura, de acordo com Gustavo Gazzinelli.

Enquanto a PEC não é sancionada, o MinC planeja a formação de um Conselho Nacional de Políticas Culturais, um órgão paritário (com a participação de representantes do governo e da sociedade civil) que deverá ser implementado em breve,. O Conselho vai preparar uma proposta de plano que será levada à Conferência Nacional de Cultura, prevista para dezembro. No encontro, o Ministério espera captar da sociedade civil e de governos locais as principais questões, demandas (setoriais e gerais) e metas para as diferentes áreas da cultura em todo o país.

Informação e diversidade

A profissionalização do setor e o investimento em gestão cultural são questões prioritárias, de acordo com a coordenadora de cultura da Unesco. A articulação entre políticas de cultura com outras políticas públicas também deve ser contemplada no plano, segundo Jurema Machado. “Hoje existe um discurso no país sobre a importância do papel da cultura para o desenvolvimento. Mas ainda não sabemos fazer isso. É preciso tornar real essa possibilidade”, afirma.

Jurema ressalta também a importância de haver uma circulação mais eficaz da informação sobre o setor cultural para contribuir para uma reflexão sobre o papel da cultura hoje. “Não há dados sobre o que se produz e se consome nesse setor nas diversas regiões do país”.

Quanto à questão da diversidade cultural, Jurema defende que o plano deve estimular diferentes potenciais e expressões. “As culturas não devem conviver num ambiente de submissão e dominação. Há lugar para todas as culturas, da popular à erudita, e deve-se trabalhar pela igualdade entre elas”, afirma.

A proposta de estabelecimento de uma Convenção da Diversidade Cultural será discutida na Conferência Geral da Unesco em outubro. Com base no princípio de que a diversidade cultural é um direito a ser defendido pelos Estados, a convenção determinará que os bens culturais de diferentes países circulem no mercado internacional de forma equilibrada e deverá respaldar países que estimulam e defendem a sua produção cultural. Tendo em vista essa proposta, Jurema espera que o Plano Nacional de Cultura mostre claramente como o Brasil vai buscar medidas práticas para garantir a diversidade cultural.

Culturas populares

Para Hamilton Faria, a maior prioridade deve ser dada às culturas populares. “A cultura popular é muitas vezes tratada como cultura menor. Existem diversas manifestações que acontecem pelo país e ninguém sabe. No entanto, além de fortalecerem a nossa identidade, essas expressões trazem mais uma possibilidade de geração de renda para a população”.

O Instituto Pólis é uma das instituições que ajudaram a organizar o I Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado em fevereiro deste ano pelo Ministério da Cultura, em Brasília. Entre as propostas apresentadas no seminário estão: criação de fundo de incentivo público às culturas populares; mapeamento, registro e documentação das manifestações e culturas populares e democratização da distribuição de recursos nas várias regiões do Brasil.

Paulo Henrique Lustosa, presidente do Instituto Brasileiro de Administração para o Desenvolvimento (Ibrad) – outra entidade que apoiou a organização do seminário – acredita que o atual governo se empenha pela democratização da cultura, mas ressalta que é preciso criar instrumentos que garantam a estabilidade desse processo, independentemente do governo vigente.

“Boa parte do financiamento para a cultura vem das leis de incentivo, como a Lei Rouanet, que contemplam pouco as culturas populares. Quem está longe dos grandes circuitos culturais também tem mais dificuldade de ter acesso aos recursos. As empresas investem no que dá visibilidade de massa, tendem a apoiar projetos eficazes economicamente para o mercado”, critica. O presidente do Ibrad defende medidas que contribuam para a descentralização da cultura e para o aumento do acesso dos pequenos produtores culturais aos financiamentos. “É preciso implementar um processo de estatização do financiamento para a cultura e criar fundos com mecanismos de transparência, como concursos públicos para a seleção de projetos”.

Hamilton Faria também aponta que o investimento em cultura no Brasil é muito reduzido e a maior parte dos recursos vai para grandes eventos e circuitos culturais de alta visibilidade. “São beneficiados aqueles que estão mais integrados ao mercado e os mais próximos do poder”. No entanto ele acredita que o país caminha para uma valorização cada vez maior da cultura como prioridade nacional.

“Hoje vivemos um momento de ‘culturalização’. As pessoas começam a entender a importância da cultura para o desenvolvimento do país. Antes, quando se pensava em desenvolvimento, só se falava nos aspectos econômicos e políticos. Hoje se dá mais importância às identidades e celebrações. Há uma redescoberta do Brasil cultural”, avalia.

Mariana Loiola

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