Autor original: Mariana Loiola
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O relatório divulgado pela Anistia Internacional na última quarta-feira (30) “Estrangeiros em nosso próprio país” denuncia o descaso do governo brasileiro em relação aos direitos das comunidades indígenas e faz recomendações para a “definição de políticas claras e de estratégias específicas para tratar das questões de direitos humanos e de problemas relativos à terra que afetam a população indígena brasileira". Segundo a entidade, as autoridades federais têm falhado nas suas obrigações constitucionais e internacionais, assim como em relação às expectativas criadas durante a campanha eleitoral, quanto à garantia dos direitos dos indígenas às suas terras, através da demarcação de territórios. Essa atitude, segundo a Anistia, tem contribuído para os ataques violentos contra os indígenas e violações de direitos humanos dessas populações. “Ignorando a sua responsabilidade para implementar uma política indigenista clara, a administração atual está repetindo os erros e as omissões dos governos passados”, diz o relatório.
Para se defender das denúncias, a Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgou nota à imprensa apresentando uma série de informações e dados sobre a política indigenista do governo federal. No entanto, de acordo com o vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Saulo Feitosa, muitos desses dados são “mentirosos”.
O Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas – que reúne diversas organizações, entre elas o Cimi - programa uma série de eventos e protestos para o mês de abril. Além de críticas à ausência e à ineficiência de políticas públicas específicas, serão feitas propostas para a atuação do governo brasileiro em relação aos povos indígenas. Algumas destas propostas já foram apresentadas no “Manifesto de Abril”, lançado em 31 de março, em Brasília. (O link para o manifesto encontra-se na coluna ao lado, à direita.)
Entre as propostas das organizações estão a declaração imediata de posse indígena de diversas terras; a rejeição de projetos de lei que visam a impedir o reconhecimento dos territórios indígenas e a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista com a efetiva participação indígena e da sociedade civil em sua composição – o que consolidaria um canal direto de diálogo, como defende o vice-presidente do Cimi nesta entrevista.
Rets – O relatório divulgado no dia 30 pela Anistia Internacional faz diversas críticas à política indigenista do governo Lula, registra o aumento da violência contra os índios e os problemas na demarcação de terras. O Fórum concorda com essas críticas?
Saulo Feitosa - O relatório da Anistia foi elaborado a partir de informações coletadas dos órgãos oficiais e de organizações de indígenas. A análise que é feita, com críticas ao atual governo, tem a nossa concordância, pois mostra a situação de violência que é acompanhada também por nós. O relatório também destaca que não existem ações de proteção para os indígenas.
Rets - O Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas também reconhece a existência de um lobby pela redução dos direitos indígenas, como denuncia a Anistia Internacional?
Saulo Feitosa - Existem diversos grupos e projetos de lei tentando impedir novas demarcações. Os grupos de interesse estão ligados principalmente ao agronegócio. No estado de Roraima, por exemplo, grupos de plantadores de arroz, madeireiros, mineradores, com apoio do governo local, fazem uma frente ampla contra os povos indígenas e ampliam as articulações com os parlamentares que têm interesse no agronegócio.
Rets - Em nota à imprensa, a Funai diz que o governo do presidente Lula vem implementando uma política indigenista por meio de esforços na homologação das terras, e nas áreas saúde e educação. Há de fato uma política indigenista?
Saulo Feitosa - A Funai tomou uma atitude correta ao divulgar uma nota à imprensa, mas deveria ter feito uma nota séria. As informações e os dados apresentados na nota são mentirosos. Há pontos que não procedem, como a afirmação de que existem 43 áreas declaradas como terras indígenas em processo de demarcação. Nós acompanhamos aqui as portarias do Diário Oficial da União e lá não há esses números de terras declaradas. Eles manipularam informações. Não sei como puderam cometer esse absurdo. Dizer que existe uma política indigenista no Brasil também é mentira. Foi uma promessa de campanha e até hoje não existe perspectiva de concretizar essas mudanças.
Rets - Como tem sido o diálogo entre as comunidades indígenas e o governo?
Saulo Feitosa - Não há diálogo. No primeiro momento foi aberta uma mesa de diálogo. Mas esse diálogo fracassou. Hoje não existe espaço formal para isso.
Rets - A criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista, como propõem vocês, resolveria esse problema?
Saulo Feitosa - O Conselho também era uma proposta de campanha do governo. Seria um canal direto de diálogo para a formulação de uma política de atendimento às demandas das comunidades indígenas. Mas depois que o presidente foi eleito, o governo ficou o tempo todo atendendo às demandas de grupos econômicos e foi se afastando das demandas do movimento indígena.
Rets - A que o senhor atribui tamanha quebra de expectativas do governo Lula em relação à política indigenista?
Saulo Feitosa - Desde a eleição do presidente Lula, esses grupos de interesse passaram a fazer uma forte pressão sobre o governo, que passou a negociar com eles. Com o tempo, esses grupos foram se fortalecendo e o governo foi se fragilizando em relação às políticas indigenistas.
Rets - Sobre os acontecimentos registrados em Dourados (MS), onde diversas crianças indígenas morreram por desnutrição, foi montado um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que prepara um plano de ação emergencial para encaminhar uma solução de médio prazo para o problema. Vocês estão acompanhando a atuação deste grupo?
Saulo Feitosa - Ação emergencial é muito importante, mas não é suficiente para resolver o problema. O governo não apresenta nenhuma solução definitiva para esse problema.
Rets - O relatório da Anistia Internacional é publicado no momento em que vocês também divulgam um manifesto contra a política indigenista do governo federal e preparam mobilizações em todo o país ao longo do mês de abril, em articulação com o MST. Como vão ser essas mobilizações?
Saulo Feitosa - O Fórum está planejando um grande acampamento indígena em Brasília, do dia 25 de abril a 3 de maio, na Esplanada dos Ministérios, onde vamos nos reunir com uma marcha de trabalhadores rurais. Mas todo mês de abril fazemos mobilizações. Tem muita coisa agendada pelo país afora sob a responsabilidade das organizações de indígenas locais. A novidade deste ano é que vamos articular as ações em todo o país (como plenárias, oficinas, seminários etc.) para que não aconteçam de maneira isolada.
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