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Barra Grande, a hidrelétrica que não viu a floresta

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Artigos de opinião

Miriam Prochnow*






Barra Grande, a hidrelétrica que não viu a floresta
Miriam Prochnow

As preciosas manchas de Floresta com Araucárias, formação florestal do domínio da Mata Atlântica, e ecossistemas associados existentes no Vale do Rio Pelotas, estão na área de influência direta da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, cuja barragem, de 190 metros de altura, já está concluída. A formação de seu lago deverá inundar uma área de aproximadamente 8.140 hectares, 90% da qual recoberta por floresta primária e em diferentes estágios de regeneração e por campos naturais. Ali, em meio à floresta a ser tragada pelas águas, está um dos mais bem preservados e biologicamente ricos fragmentos de Floresta Ombrófila Mista do estado de Santa Catarina, em cujas populações de araucária foram identificados os mais altos índices de variabilidade genética já verificados em todo o ecossistema.

Só recentemente, quando o empreendedor – a Barra Grande Energética S/A, cuja atual composição acionária tem a participação das empresas Barra Grande Energia S/A (Begesa), Alcoa Alumínio S/A, Camargo Corrêa, Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e DME Energética Ltda. - solicitou ao Ibama um pedido de supressão das florestas a serem inundadas, descobriu-se que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) - documentos necessários para obter a licença de operação do empreendimento –, entregues em 1998 ao Ibama, omitiram a existência desses remanescentes de Floresta com Araucária com importantes populações naturais de espécies ameaçadas de extinção.

Ao analisar o pedido de supressão, o Ibama solicitou um inventário florestal, elaborado e apresentado pelo empreendedor em maio de 2003, que mostrou, desta vez, a real situação da cobertura florestal existente na área a ser inundada. Na verdade, o Rima apresentado havia reduzido a cobertura florestal primária da área a ser alagada de 2.077 para 702 hectares; a área de floresta em estágio avançado de regeneração - tratada no documento como um “capoeirão” – de 2.158 para 860 hectares; a área de floresta em estágios médio e inicial de regeneração - tratada apenas como “capoeira” – de 2.415 hectares para apenas 830 hectares. Além disso, não fazia menção clara sobre os campos naturais, que estão presentes em mais de 1.000 hectares.

Ou seja: a licença de instalação da obra havia sido concedida pelo próprio Ibama, em junho de 2001, em pleno vigor da resolução 278 do Conama (das espécies ameaçadas de extinção), com base em um documento que falsificara a real situação dos remanescentes de Mata Atlântica existentes na área a ser diretamente afetada pelo reservatório. Omitira, inclusive, a existência de um raro fragmento de Floresta com Araucária com alto índice de diversidade genética – informações que, considerando a legislação em vigor, poderiam inviabilizar a instalação do empreendimento.

Diante deste quadro, as ONGs ambientalistas realizaram uma visita à região e, constatando a gravidade da situação, a Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses e a Rede de ONGs da Mata Atlântica impetraram, em setembro de 2004, uma ação civil pública na Justiça Federal de Florianópolis (SC), na tentativa de reverter esta absurda situação. Enquanto isso, o governo federal assinava com a empresa um termo de compromisso que viabilizou a assinatura de uma autorização de desmatamento pelo Ibama. A briga na justiça já teve vários episódios e ainda não terminou.

As ações a favor da floresta foram grandemente reforçadas pelo apoio recebido do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que já estava lutando para que fossem cumpridos os direitos dos proprietários que seriam expulsos de suas terras. A partir da ação das ONGs ambientalistas e do MAB, o escândalo chegou ao grande público por meio da imprensa e continua sendo noticiado nos mais diversos veículos.

É importante lembrar que a Floresta com Araucárias, que já está reduzida a cerca de 2% de sua área original, corre um risco muito grande de extinção se mais estes remanescentes forem tragados pelas águas. Pior ainda é pensar que serão tragadas vítimas de uma fraude, e com a conivência dos órgãos públicos que deveriam ser responsáveis pela conservação ambiental em nosso país.

Mais informações sobre participação na campanha pelas Florestas com Araucárias do Vale do Rio Pelotas podem ser obtidas com a Apremavi (www.apremavi.com.br).

* Miriam Prochnow é especialista em Ecologia Aplicada, coordenadora geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) e presidente da Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí (Apremavi).





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