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Justiça em todas as esferas

Autor original: Italo Nogueira

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Com o objetivo de conter a violência nas zonas rurais, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo promove uma campanha nacional e internacional exigindo justiça para os assassinatos de pequenos agricultores e ambientalistas. Para isso, a campanha reclama um planejamento de reforma agrária que mude a estrutura fundiária e a relação do desenvolvimento com o meio ambiente.

Segundo o Fórum, nos últimos 20 anos houve 1.385 assassinatos no meio rural, tendo como vítimas pequenos agricultores e ambientalistas – destes, apenas 77 foram julgados. Por este motivo, a campanha toma como mote principal a necessidade de reforma agrária, o combate à violência e à impunidade e "a promoção de um desenvolvimento sustentável na pauta da sociedade brasileira, especialmente buscando sensibilizar setores urbanos e mobilizar setores organizados da sociedade civil internacional para pressionar as diversas esferas de governo para implementar ações efetivas de reforma agrária, preservação ambiental e proteção aos direitos humanos”, conforme indica o documento de lançamento da campanha, que fundamenta a iniciativa.

O Fórum exige a federalização do julgamento do crime da missionária norte-americana Dorothy Stang, ocorrido em fevereiro, no Pará, como ponto inicial para a mudança de atitude contra a violência no campo.

As metas são ambiciosas, mas todas inter-relacionadas e interdependentes. A ausência de fiscalização e punição do Estado faz com que os latifundiários mantenham a exploração predatória de parte da vegetação amazônica usando a violência. Alguns latifúndios do Pará utilizam a terra para a exploração de mogno e cedro, árvores em extinção e de alto valor comercial. De acordo com o relatório “Pará: estado de conflito”, elaborado pelo Greenpeace, o mercado de exportação das madeireiras movimenta cerca de US$ 312 milhões no Brasil, e grande parte vem de exploração predatória.

A campanha pretende envolver também o setor urbano na discussão da reforma agrária e na pressão aos poderes executivo e judiciário. Isidoro Revers, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e integrante do Fórum, comenta que a campanha interessa a todos os setores, pois o modelo agrário tem relação com a economia. “A estrutura econômica do país está toda voltada para a exportação, esquecendo o mercado interno. Queremos envolver o setor urbano para que ele compreenda que a reforma agrária também é uma forma de gerar desenvolvimento”, diz.

Revers acredita que falta posicionamento do governo em favor da reforma agrária, o que permite o autoritarismo dos latifundiários. “Falta o governo se impor frente ao latifundiário. Assim, eles se sentem livres para agir”. Ele comenta ainda que o projeto do governo pretende integrar a agricultura familiar com o agronegócio, hipótese que considera impossível.

Para pressionar o poder executivo e o judiciário, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo mobiliza organizações civis e pessoas interessadas na solução do problema para que enviem uma carta ao presidente Luíz Inácio Lula da Silva e ao ministro relator do Superior Tribunal de Justiça, Arnaldo Esteves [modelos de cartas disponíveis no link "Carta ao presidente e ao ministro relator do STJ", ao lado]. Para entidades e indivíduos de fora do Brasil, a campanha propõe mobilização nas embaixadas do Brasil no exterior na semana de 2 a 6 de maio, combinando com ações nacionais de pressão sobre o governo para implementar a reforma agrária.

Desenvolvimento sustentável e ocupação

Em oposição ao modelo de desenvolvimento em que o meio ambiente é visto como um empecilho vêm diversas formas de utilização da terra que respeitam seus limites. Alguns assentamentos que integram o meio ambiente e a agricultura já foram instalados pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O objetivo do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) é "conciliar o assentamento humano de populações tradicionais da Transamazônica (indígenas, ribeirinhos, posseiros, camponeses) em área de interesse ambiental, promovendo um desenvolvimento não predatório e os direitos humanos da população local”, diz o documento da campanha. No entanto estes assentamentos vêm sofrendo com a ação dos grandes proprietários, que querem retomar o controle da região e reiniciar a extração predatória.

Além de poder criar uma alternativa sustentável ao desmatamento, muitas das terras reivindicadas pelos sem-terra e ambientalistas têm sua propriedade questionada. A explicação vem do processo de ocupação do Pará e de outros locais na Amazônia, iniciado com o incentivo do governo militar, que viu na área um espaço para a expansão da fronteira agrícola. Para concorrer à propriedade da terra, era necessário um plano de trabalho para ser executado no prazo de 20 anos. Com o início da fiscalização do Incra, constatou-se que muitos proprietários não executaram o plano, perdendo o direito à propriedade da terra. Segundo a Constituição Federal, essas terras deveriam ser usadas para a reforma agrária. Além disso, há também a grilagem, em que o Contrato de Alienação de Terras Públicas – documento que oficializa a transferência de propriedade – é forjado, o que muitas vezes é aceito pelas autoridades locais, declarando a área como propriedade privada.

Com tantas divergências, o conflito que deveria ser travado civilizadamente passou para a ideologia da “justiça com as próprias mãos” – e a maioria das vítimas são trabalhadores rurais e ambientalistas. A campanha pede a implementação de uma reforma agrária que priorize os pequenos agricultores e a utilização de um modelo de desenvolvimento auto-sustentável e exige a punição dos responsáveis por tornar o meio rural um campo de batalha.

Italo Nogueira

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