Autor original: Maria Eduarda Mattar
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Por ano, 530 mil mulheres são vitimadas por causa de complicações relacionadas à gravidez ou ao parto. Mais de 3 milhões de bebês nascem já mortos e outros 4 milhões morrem antes de completar um ano. Esses dados estão presentes no relatório "Saúde Mundial 2005 - faça valer cada mulher e criança", recém-lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por ocasião do Dia Mundial da Saúde - comemorado em 7 de abril -, que este ano teve como tema a saúde materna e infantil. No Brasil, a taxa de mortalidade infantil caiu 38% na última década, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): em 1990, eram 47,5 óbitos por mil nascidos vivos; em 2002 esse número baixou para 27,8 por mil.
Nesta entrevista o representante no Brasil da Organização Pan-Americana da Saúde [escritório da OMS para as Américas], Horácio Toro Ocampo, comenta o tema, indicando medidas simples que poderiam ser tomadas para ajudar a reduzir os números de mortalidade infantil e materna. Além disso, o médico fala sobre algumas das principais questões relacionadas à promoção da saúde nos dias de hoje - como quebra de patentes, ressurgimento de doenças negligenciadas, atendimento humanizado e intervenção federal nos hospitais públicos fluminenses - e é enfático: "a saúde é responsabilidade de todos".
Rets - Sobre o tema do Dia Mundial da Saúde neste ano, que é saúde materno-infantil, você acha que é subestimado pelo grande público?
Horácio Toro Ocampo - Acho justo e importante o Dia Mundial da Saúde, comemorado no dia 7 de abril, refletir sobre este grande problema proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) [escritório da OMS para as Américas], que é a saúde de mães e crianças. No Brasil, o tema foi ampliado para mulheres e crianças saudáveis. O relatório lançado pela OMS [o Relatório Saúde Mundial 2005 - Faça valer cada mulher e criança]que aborda a saúde da mulher mostra que em 2005 a mortalidade materna - ou seja, as mortes relacionadas à gestação ou ao parto - e as mortes de recém-nascidos ainda têm índices muito elevados. Cerca de 530 mil mulheres morrem anualmente na gravidez ou no parto. Além disso, mais de 3 milhões são natimortos e, no total, mais de 10 milhões de crianças morrem anualmente antes de completarem um ano.
Porém outro sério problema é que, mesmo nos países em que cerca de 80% da população tem acesso à saúde, há taxas elevadas de morte de mulheres. Ou seja, a qualidade dos serviços é ruim. Muitas vezes as mulheres não fazem controle pré-natal. A saúde da mulher se complica e aparecem problemas como hipertensão, eclâmpsia, hemorragia. Há hospitais sobrecarregados. Em alguns países, faltam sangue, medicamentos etc. E, em alguns casos, as mulheres morrem por complicações relacionadas à cesariana, que, por ser uma cirurgia, pode ter sua recuperação complicada por infecções, reações à anestesia etc. Tudo isto está relacionado à mortalidade materna. O que precisa haver, portanto, é uma melhor assistência pré, durante e após o parto, de melhor qualidade.
Há, finalmente, um outro fator: tem havido gestantes muito novas. E isso acarreta também uma falta de estrutura para passar com saúde pela gravidez. Muitas não têm família, suporte, informação. Nesse grupo de meninas adolescentes e jovens, há um grande número de gestações não planejadas, o que leva-as muitas vezes ao desespero de querer soluções para eliminar a gravidez e, por isso, recorrer à automedicação e a serviços clandestinos.
Rets - Há, então, medidas simples que poderiam ajudar a reduzir os números de mortes maternas e infantis...
Horácio Toro Ocampo - Com certeza. A primeira é o conhecimento sobre a assistência durante a gravidez desde cedo. A boa nutrição e a vigilância sanitária ao longo deste período. A educação tem um papel importante, pois a noção sobre os fatores envolvidos é determinante nas atitudes e nos hábitos que a mulher adota. E, sem sombra de dúvida, a pobreza é um fator central, pois faz com que a mulher tenha uma realidade de falta de alimentos, a falta de condições sanitárias adequadas etc. Então a educação sanitária poderia ser uma forma de ajudar neste processo.
Outra medida simples seria a sensibilização do pessoal dos serviços de saúde, para saberem receber e atender adequadamente e de forma humana as mulheres. Outro ponto: a responsabilidade das famílias. Há culturas em que as famílias não deixam que as mulheres vão aos serviços de saúde, como algumas comunidades indígenas e quilombolas.
Rets - Você tem acompanhado o desempenho do Brasil no cumprimento do que foi acordado no documento "Um mundo para as crianças", tratado internacional assinado em 2002 em que os países estabelecem 21 metas para reduzir a mortalidade infantil e materna?
Horácio Toro Ocampo - A mortalidade infantil foi um dos indicadores que mais baixaram. A taxa de mortalidade infantil no país caiu 38% de 1990 a 2002, de acordo com o IBGE. Só que a saúde da criança começa dentro do útero. Ou seja, é um reflexo da saúde da mãe, que pode acarretar uma criança com baixo peso, com má-formação ou outros problemas. Para se ter crianças saudáveis, é preciso ter gestações saudáveis. Certamente as políticas podem contemplar melhor a saúde de mulheres e crianças. As meninas devem ser cuidadas desde que são meninas, para que, quando adultas, sejam mulheres saudáveis e com hábitos igualmente saudáveis.
As condições estão dadas no Brasil: as unidades estão, de uma maneira geral, bem preparadas; as pessoas estão preparadas. Mas há debilidades, principalmente fora dos grandes centros urbanos. Nas áreas mais rurais, muitas mulheres são atendidas por parteiras – que, diga-se, são vitais em vários momentos. Mas quando são bem capacitadas, o risco de ocorrer algum problema nos partos que fazem será muito menor. E há lugares em que as parteiras não estão capacitadas. Assim, acredito que o país possa ainda melhorar muito a assistência médica e de saúde nessas áreas mais distantes das grandes cidades.
Rets - A taxa de mortalidade infantil no Brasil caiu 38% nos últimos dez anos. Porém precisa cair mais 29% até 2010 para cumprir o que assumiu no tratado "Um mundo para as crianças". Você acha que o país vai conseguir?
Horácio Toro Ocampo - Acredito que seja possível. Há um reforço grande nessas metas por conta dos Objetivos do Milênio [série de metas de desenvolvimento humano acordadas por dezenas de países em 2000, na Declaração do Milênio, que devem ser atingidas pelos países até 2015]. Mas sublinho que, para isso, é importante a sensibilização do pessoal dos serviços de saúde e levar mais informações às famílias.
Rets - Você fala muito em sensibilização dos funcionários da área da saúde. Por quê?
Horácio Toro Ocampo - Em toda a América, mulheres e crianças chegam aos serviços de saúde e ás vezes demoram dias, semanas, meses para serem atendidos. Os serviços estão sobrecarregados, com filas e senhas intermináveis. Os serviços precisam se organizar de outra forma, de forma mais oportuna e eficiente. E as pessoas – uma vez já nos hospitais, postos etc. – precisam encontrar condições de assistência com calor humano, sensibilidade. Pois pacientes não são números, são pessoas.
Rets - O Brasil vem defendendo a quebra de patentes de medicamentos para algumas doenças, especialmente aquelas que podem representar ameaças à saúde nacional dos países. Os genéricos são, de certa forma, um reflexo desse posicionamento. Como você acha que isso pode contribuir para o acesso da população à saúde?
Horácio Toro Ocampo - De fato, uma das políticas do Brasil vem sendo esta de defender a quebra de patentes em alguns casos, e o país vem se destacando e avançando muito nesse tema. Porém é uma política de alto custo político. São colocadas barreiras. O Brasil assumiu ações políticas e estratégicas. Essa opção pela produção de genéricos permite que se chegue mais perto do acesso de toda a população a medicamentos importantes. O país, portanto, deu exemplo.
Mas há, como eu disse, o custo político. No entanto, é importante que os governos e as empresas percebam que a saúde é responsabilidade de todos. Assim, as grandes fabricantes de remédios precisariam entender que elas também devem ter sua responsabilidade na saúde da população mundial. E sua contribuição seria a renúncia a algumas patentes ou ao lucro que elas trazem. É importante promover essa valorização de como o setor privado pode ajudar para um acesso cada vez mais amplo das pessoas à saúde.
Rets - Fala-se muito da epidemia de aids, mas outras doenças matam tanto ou mais do que a aids no mundo, anualmente, como a tuberculose [aproximadamente 8 milhões de casos novos são diagnosticados e 2 milhões de pessoas são vitimadas pela tuberculose a cada ano]. Como jogar luz sobre essas doenças?
Horácio Toro Ocampo - Não há dúvida de que a aids é um problema grande, que assusta pelo cada vez maior número de casos registrados, especialmente entre os jovens. Mas certamente deve-se dar atenção a tuberculose, lepra e outras doenças que estão negligenciadas e, por isso, reemergindo. Isso acontece porque, como muitas delas estavam praticamente exterminadas, descuidou-se delas. E elas estão diretamente ligadas aos níveis de pobreza e à falta de educação sanitária comum entre as classes mais pobres. Ou seja, educar e levar informações sobre sintomas e sobre formas de evitar o contágio são ações estruturantes para combater o crescimento dessas doenças.
Rets - Esse seria o caso da Doença de Chagas, que teve um pequeno surto em Santa Catarina?
Horácio Toro Ocampo - O surto de Doença de Chagas no Sul tem a ver mais com alterações no meio ambiente do que com as condições de higiene e saúde. Assim, ocorreu uma falta de controle do vetor da doença – que é o barbeiro. Mas é um episódio focalizado no Brasil, uma situação local. Os fatores envolvidos aí são as mudanças no meio ambiente, o uso inadequado de agrotóxicos, entre outros fatores. É muito pontual, não um problema grande de saúde pública.
Rets - A respeito da intervenção federal nos hospitais públicos do município do Rio de Janeiro, como a Organização Pan-Americana de Saúde acompanha casos como esse? Ela procura ter uma posição mais atuante, seja aconselhando ou dando algum suporte concreto?
Horácio Toro Ocampo - O Brasil é um dos poucos países que têm uma composição tripartite na gestão da saúde, dividida entre governos federal, estaduais e municipais. Isso acontece tanto para a área de saúde quanto para a de educação. No Rio de Janeiro, o que houve foi uma falta de competência local e um inadequado uso de tecnologias e medicamentos disponíveis. Cada nível de gestão tem uma responsabilidade. Temos consciência de que o governo repassou os medicamentos e havia tecnologias disponíveis nos hospitais que não foram usadas. Os problemas no Rio de Janeiro foram dentro do que era de competência da responsabilidade local. Temos que analisar por que e considerar as características locais. E, em casos como esse, estimular a população a fiscalizar, acompanhar. Pois, como já disse, a saúde é responsabilidade de todos.
Maria Eduarda Mattar. Colaborou Fausto Rêgo
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