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Construindo alternativas

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Gert Danielsen*






Construindo alternativas


O Brasil poderia ser um país pacífico? Um país que tem tanta violência? É uma das perguntas que nós, estrangeiros, nos fazemos ao viajar ao Brasil. Em contraponto ao Carnaval, à alegria, à música e ao futebol, ouvimos falar, repetidamente, sobre a violência, o crime e o perigo.

Tendo já trabalhado no Brasil durante dois meses e meio, tenho esse mesmo sentimento do país encerrar muitos contrastes. Como a Colômbia, o Brasil é um país de altos índices de violência, especialmente de violência estrutural e desigualdade, mas também de milhares de projetos e iniciativas pela promoção de uma Cultura de Paz. Quando se consolida a violência, os Gandhi, os Luther King e os Nelson Mandela do Brasil também consolidam os seus esforços, construindo alternativas em uma sociedade em transformação.

Sendo o coordenador no Brasil do Relatório Mundial sobre a Cultura de Paz, um relatório que colhe informação e experiências na promoção de uma cultura de paz da sociedade civil em todo o mundo, tenho a honra de poder ver muitas iniciativas mais de perto. O relatório será entregue ao Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, no mês de junho, para contribuir ao debate geral sobre a Década Internacional da Cultura de Paz e Não-Violência, na Assembléia-Geral das Nações Unidas no mês de setembro.

O objetivo do relatório é medir o progresso que têm tido as atividades e as iniciativas da sociedade civil na promoção da cultura de paz em cada um dos oito campos de ação da Declaração da Assembléia-Geral do ano 1999: educação para a paz; desenvolvimento sustentável; direitos humanos; igualdade entre os gêneros; participação democrática; compreensão, tolerância e solidariedade; livre fluxo e intercâmbio de informação e, finalmente, paz e segurança internacionais.

Muitos governos não têm feito muito para promover a cultura de paz, como se comprometeram no ano de 1999. Portanto, é importante mostrar que a sociedade civil segue sendo um fator chave na promoção da Cultura de Paz, tanto no Brasil quanto em outros países do mundo.

Até agora, a sociedade civil no Brasil tem contribuído de maneira extensa ao Relatório. Um mês antes da data prazo para as contribuições, já tínhamos recebido mais de 25 relatórios do Brasil, mais do que qualquer outro país. Não significa que o Brasil faça mais para a Cultura de Paz. Apenas ilustra a consciência com a qual a sociedade civil trabalha o tema Cultura de Paz e como a sociedade civil brasileira se sente parte do Movimento Global para uma Cultura de Paz.

A cultura de paz é precisamente isso: uma paz ampla, para se promover e construir em toda a sociedade e em vários âmbitos. A idéia central é a promoção de cada um dos oito campos de ação para evitar novas guerras. O próprio embaixador dos Estados Unidos na ONU reconheceu esse objetivo da Declaração ao afirmar, no Debate Geral da ONU, em 1999: “O meu país é contra esta Resolução, porque se for adotada vai ser mais difícil fazer a guerra.”

Ele tinha razão. Ao fomentar uma cultura de paz, torna-se muito difícil fazer a guerra, porque haverá menos armamentos; mais informação e menos propaganda de guerra; mais controle popular sobre as decisões tomadas; um desenvolvimento que não ameaça o meio ambiente e que sustenta uma igualdade socioeconômica na sociedade; mais influência para a mulher; menos dominação para o homem. A resistência à resolução por parte de pessoas como o embaixador dos Estados Unidos deveria ser usada como inspiração para a sociedade civil na sua promoção da cultura de paz.

Junto à sociedade civil, governos locais e estaduais fazem ou poderiam fazer um importante esforço para a Cultura de Paz no país. No Pará já existe o Programa de Fomento à Cultura da Paz (Pró-Paz), desenvolvido pelo governo estadual, e em São Paulo, provavelmente pela primeira vez no mundo, criou-se o Conselho Parlamentar para uma Cultura de Paz, no âmbito do governo estadual. Adicionalmente, no estado de São Paulo e em outros, existem Conselhos Municipais para uma Cultura de Paz, assim orientando as políticas públicas na construção de alternativas pacíficas na sociedade. A parceria do governo e a sociedade civil é essencial neste trabalho para a paz, e no Brasil está se entendendo isso. A Unesco Brasil e seu programa Abrindo Espaços, implementado já em sete estados, não poderia ser o sucesso que é hoje senão fosse pela participação tanto do governo quanto da sociedade civil.

Iniciativas para a educação pela paz, tanto no âmbito nacional quanto local, são só um exemplo de que os brasileiros não só têm entendido a importância da educação, mas também têm uma vontade de mudar as estruturas que formam nossas mentes e nossa sociedade de violência. Tendo aprendido a viver a violência, temos que aprender a viver a paz.

Assim, é um privilégio para um estrangeiro como eu poder fazer parte deste trabalho. Nós vemos que o Brasil violento só é uma imagem que injustamente predomina no mundo, e que as iniciativas para uma Cultura de Paz não chegam aos jornais. É isso temos que mudar. Com o Relatório Mundial sobre a Cultura de Paz e mais iniciativas da sociedade civil, podemos começar.

*Gert Danielsen é bolsista Rotary Pró-Paz Mundial, mestrando em Relações Internacionais, Paz e Resolução de Conflitos na Universidade do Salvador, em Buenos Aires, e coordenador no Brasil do Relatório Mundial sobre a Cultura de Paz. Mais informações sobre a Década Internacional da Cultura de Paz e Não-Violência em www.decade-culture-of-peace.org.






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