Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
A questão do acesso ao computador (não digo nem à Internet, que eles não conhecem muito) é um sonho destas comunidades. Com o sucesso dos telecentros implantados em Suruacá e Maguari, transformando o sonho em realidade (e mais do que isto, pois finalmente entenderam e viram na prática o que é a Internet), criou-se uma expectativa (e pressão) muito grande por mais telecentros. E temos sempre que explicar que estamos fazendo apenas um teste, pois o pessoal já quer as máquinas e a antena funcionando no dia seguinte.
As comunidades da área de influência do Projeto Saúde e Alegria já contam há bastante tempo com programas implantados de promoção ao desenvolvimento integrado (organização social, saúde, geração de renda, educação ambiental, comunicação popular, escola, mulheres, jovens e crianças) e as novas tecnologias seriam um instrumento fantástico para potencializar ainda mais este processo (fato que já acontece em Maguari e Suruacá).
Talvez o mais difícil já exista: comunidades mobilizadas e gerindo o modelo de desenvolvimento integrado implementado, com agentes locais multiplicadores das diversas áreas capacitados e sustentando o processo - lideranças, produtores rurais, agentes de saúde, parteiras, professores, mulheres artesãs, monitores-mirins (seis a 12 anos), jovens empreendedores e repórteres da Rede Mocoronga*.
Falando do que já acontece em Maguari e Suruacá, o telecentro se insere como um insumo ao processo de desenvolvimento, reduzindo os níveis de isolamento destas comunidades, agilizando orientações de saúde à distância, facilitando a comercialização dos produtos da floresta, qualificando a estrutura escolar e educacional e incorporando o meio eletrônico na produção de comunicação dos repórteres rurais, que já acontecia antes de forma sistemática com o jornal, a rádio e o vídeo. E o potencial da inclusão digital para isto é imenso, lembrando ainda que 47,5% da população ribeirinha é menor de 15 anos.
No inicio, tínhamos receio de que os telecentros abririam um mundo tão novo para estas comunidades que poderia absorver (ou "sufocar") toda a cultura tradicional destes povos. Na prática, percebemos que o mundo novo se abriu, mas, em vez de enfraquecer os conhecimentos tradicionais, aconteceu o contrário. Os comunitários, ao se depararem na Internet com esse novo mundo, tão diferente do deles, conseguiram identificar melhor quem são e agora querem montar os sites comunitários para apresentarem sua realidade para o mundo.
E isso é muito bom, porque o mundo não conhece a Amazônia. Fala-se muito dos seus bichinhos, da floresta, mas esquecem que existe gente aqui com um vasto conhecimento da Amazônia e de como manejar seus recursos naturais (ervas medicinais etc.), mesmo porque eles dependem deste conhecimento para sobreviver. Estas populações precisam ser ouvidas, pois eles têm soluções para a região que muitos cientistas ainda não conseguiram alcançar. E os telecentros estão proporcionando - mesmo que ainda de forma incipiente - este resgate da cidadania amazônica, ecoando diretamente a voz dos povos da floresta.
Neste sentido, é claro que estamos apenas no começo, com dois telecentros implantados. Mas o teste poderá nos orientar em como viabilizar esta expansão para novos locais (seja de forma direta ou indireta) de modo que as comunidades "plugadas" possam em breve constituir uma rede e fazer ecoar suas vozes ainda mais alto.
Depoimento de Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria
*A Rede Mocoronga é uma iniciativa do Projeto Saúde e Alegria que forma jovens de comunidades tradicionais da Floresta Nacional do Tapajós e da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, em Santarém (Pará), como repórteres. Eles participam de uma rede local de comunicação, utilizando jornais, Internet, fotografia, produção de vídeos e rádios que transmitem por alto-falantes.
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