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MDL: necessidade de discussão integrada

Autor original: Joana Moscatelli

Seção original: Artigos de opinião

Paulo Moutinho*






MDL: necessidade de discussão integrada
www.mma.gov.br

Muito preocupa a constatação da ênfase excessiva que tem se colocado sobre o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e o seu potencial "enorme" de gerar recursos para o país. Na verdade, o mercado é pequeno e o dinheiro é pouco. Tal ênfase nos faz, quase sempre, entrar em uma discussão que nos priva - ou no mínimo retarda – de debates sobre soluções futuras mais efetivas no sentido de redução de emissões de gases de efeito estufa.

No Brasil, o MDL certamente deve ser utilizado ao máximo, mas é preciso que fique claro que terá um potencial modesto. Com uma matriz energética relativamente limpa - a hidrelétrica -, a abertura para projetos de substituição de energias é muito reduzida. No campo florestal, há grandes áreas que poderiam ser utilizadas para reflorestamento, o chamado seqüestro de carbono. Mas, mesmo neste campo, os limites continuam baixos.

Além de toda a insegurança que tais projetos causam nos investidores e seus custos elevados de implementação, são pouco efetivos no sentido de "ajudar" a resolver o problema das mudanças climáticas. No caso brasileiro, há um agravante. Por mais florestas que plantarmos, jamais teremos condições de produzir algum efeito compensador significativo em relação às emissões de gases que causam o efeito estufa oriundas do desmatamento e queimadas de nossas florestas tropicais (emissões estas não tratadas pelo Protocolo de Quioto).

Para se ter uma idéia, o Brasil emite - segundo dados referentes ao ano de 2001 - cerca de 90 milhões de toneladas de carbono por ano (C/ano) queimando combustível fóssil e 200 milhões de C/ano derrubando florestas. Para capturar cerca de 30 milhões de toneladas de C/ano em plantios de novas árvores, seriam necessários 40 mil km2 de área plantada. Mas, reduzindo o desmatamento em 20%, estas mesmas 30 milhões de toneladas de C/ano deixariam de ser emitidas. Um projeto de plantação geralmente leva 20 anos para acumular alguns poucos milhões de toneladas de carbono – ou seja, seqüestrar o carbono - , mas centenas de milhões são liberadas em um único ano por desmatamento.

Outro aspecto importante é que a discussão do MDL no Brasil nunca se deu no campo das políticas públicas. O que queremos deste mecanismo? Para quem devemos direcionar e/ou transferir seus benefícios potenciais? Se o dinheiro é pouco, a política deveria direcionar o MDL para projetos que distribuíssem renda e fossem, em muitos casos, voltados para pequenos e médios produtores (reduzindo a pobreza em muitos casos). Há muito debate sobre as regras nacionais de como aplicar para o MDL, mas não sobre qual a melhor forma que o país deve utilizá-lo.

Neste contexto, o ideal é que simultaneamente à discussão do MDL e do seu potencial, fossem discutidos também os caminhos a serem tomados no sentido de, efetivamente, o país contribuir com as reduções de emissões. E isto passa por uma discussão urgente e aprofundada do controle do desmatamento amazônico. Como se sabe, tal discussão não avança por questões políticas. Além disto, discutir desmatamento não significa excluir o debate mercadológico. Reduções compensadas de desmatamento poderiam ser aplicadas em um futuro segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto. Infelizmente, nem na sociedade organizada este debate tem força. Discute-se mais lá fora sobre o assunto do que internamente.

O fato é, contudo, que precisamos colocar tudo isto em uma discussão integrada. O MDL é um mecanismo bem-vindo, mas com limites bastante estreitos e que carece de discussão no campo de políticas públicas. Ao mesmo tempo, precisamos avançar definitivamente nas discussões sobre como a sociedade brasileira deve tratar as emissões de desmatamento de modo que reduções destas emissões (ou seja, reduções nas taxas com que a floresta é derrubada) podem resultar em benéficos através de um futuro e renovado mercado de carbono (e sem que isto signifique, necessariamente, impor metas de redução de emissões ao Brasil). Sem uma redução efetiva do desmatamento tropical será difícil manter a elevação da temperatura abaixo dos 2ºC nos próximos 50 anos, evitando alterações perigosas (e, segundo alguns, irreversíveis) do equilíbrio climático global.


*Paulo Moutinho é coordenador de Pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)-www.ipam.org.br






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