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Quando a pauta é a mídia

Autor original: Mariana Loiola

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Quando a pauta é a mídia
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De 1980 a 2002, 695 mil brasileiros foram assassinados. A taxa de homicídios no Brasil mais do que duplicou nesses vinte e três anos, passando de 11,7 homicídios por 100 mil habitantes em 1980 para 28,5 homicídios em 2002 – índice que coloca o Brasil entre os países mais violentos do mundo.[1] Durante muito tempo, a sociedade e as instituições brasileiras assistiram a esta matança em silêncio. Afinal, as mortes atingem majoritariamente grupos desfavorecidos: jovens do sexo masculino (especialmente na faixa de 15 a 24 anos), na maioria pobres, quase sempre negros e moradores de periferias ou favelas dos grandes centros urbanos.

A partir dos anos 90, diferentes setores da sociedade despertaram para a gravidade do quadro e começaram a desenvolver ações não só de denúncia desta situação, mas principalmente nos campos das pesquisas e das experiências de gestão de políticas públicas de segurança. Após a experiência na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, coordenada por Luiz Eduardo Soares, em 1999, hoje observa-se a presença de pesquisadores das áreas das ciências sociais na gestão de políticas de segurança em vários estados[2]. No início da década de 90 também foram criados o Viva Rio, o Afro Reggae e inúmeras outras iniciativas voltadas para responder aos temas da violência nas cidades e nas favelas. O Instituto Sou da Paz, em São Paulo, foi criado em 1999.

No contexto das mudanças mais importantes ocorridas no país para responder aos problemas da violência urbana, está a mídia. Os jornais também responderam a esta nova percepção da problemática da segurança, alterando estratégias de cobertura e pouco a pouco deixando as velhas práticas das reportagens de polícia, quase sempre sensacionalistas e vinculadas à troca de favores com fontes policiais. Os jornalistas que cobrem a área, geralmente ligados às editorias de reportagem local, hoje são mais qualificados e encontram maior reconhecimento de seus colegas, como seria de se esperar de especialistas num dos temas mais candentes do Brasil.

A mudança é fundamental, já que a mídia tem desempenhado um papel cada vez mais importante no debate público sobre o tema, influenciando a opinião da sociedade e das políticas de Estado. Na apuração do caso Tim Lopes, nas respostas a rebeliões e casos de corrupção nos presídios, na investigação de denúncias de corrupção policial e, mais recentemente, no processo de mobilização e votação no Congresso do Estatuto do Desarmamento, a mídia foi decisiva na qualidade e rapidez das respostas do governo e da sociedade. A campanha pelo desarmamento pode ser tomada como um paradigma da capacidade da mídia de agendar políticas públicas: com a mobilização da mídia, a iniciativa da sociedade civil obteve rápida aprovação no Congresso e a transformação em política de Estado.

Considerando o papel decisivo dos meios de comunicação nos países democráticos para o agendamento de políticas públicas, surpreende que nenhuma pesquisa de fôlego tenha sido realizada até agora pelos centros de estudos da violência e da segurança sobre o tema. Também surpreende que o diálogo entre especialistas em segurança e profissionais de imprensa seja ainda incipiente[3], quase sempre limitado a entrevistas eventuais.

Em janeiro de 2004, o CESeC convidou alguns profissionais de comunicação para discutir estratégias de abertura desse diálogo.[4] Resolvemos que o primeiro passo seria a realização de um diagnóstico sobre como os jornais cobrem a violência no Brasil. A pesquisa foi realizada ao longo de 2004, com a consultoria de Guilherme Canela Godoi e inspirada na metodologia usada pela Agência de Noticiais dos Direitos da Infância (Andi) há vários anos. Os primeiros resultados da pesquisa foram discutidos em uma reunião em fevereiro de 2005.[5]

Agora, neste seminário, apresentamos os resultados encontrados, esperando que eles possam suscitar um debate enriquecedor nas redações e entre profissionais de mídia e segurança pública. Abrir os canais de debate entre estes profissionais é um passo importante para uma melhor compreensão dos fenômenos da violência no Brasil e para a construção de políticas que possam enfrentá-los.

[1] É preciso ter em mente que a taxa de homicídios dos países da Europa Ocidental é de aproximadamente 3 homicídios por 100 mil e a dos Estados Unidos é de 5 por 100 mil. Estudo comparativos de Luc Dowdney (Crianças no tráfico. 7 Letras, 2003), mostrou que morre-se mais por arma de fogo no Rio de Janeiro do que em países que estiveram em conflito armado, como Iugoslávia, Sierra Leoa, Afeganistão, Uganda, Israel e Colômbia.

[2] Entre eles em Minas Gerais (Luiz Flávio Sapori, pesquisador da Fundação João Pinheiro, é subsecretário de segurança do Estado) e em São Paulo (Tulio Kahn, pesquisador do Ilanud é diretor de pesquisas da Secretaria de Segurança do Estado).

[3] Em 2004, o jornal O Globo promoveu um curso interno de qualificação de jornalistas sobre segurança pública em parceria com o CRISP/UFMG.

[4] Estavam presentes nessa reunião Marcelo Beraba, Jorge Antônio Barros, Fernando Molica, Mauro Ventura, Guilherme Canela e Elizabeth Leeds, ex-assessora da Fundação Ford, atualmente pesquisadora da New York University. Também estavam presentes Barbara Soares e Leonarda Musumeci, coordenadoras do CESeC.

[5] Estavam presentes Marcelo Beraba, Jorge Antônio Barros, Fernando Molica e João Marcelo Hertal, além de Julita Lemgruber e das coordenadoras do CESeC.

*O relatório "Mídia e violência: como os jornais retratam a violência e a segurança pública no Brasil" foi produzido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Candido Mendes (http://www.ucamcesec.com.br) A íntegra do documento está disponível para download nesta página, no link à direita.






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