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Corrupção, problema estrutural

Autor original: Italo Nogueira

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Criada – e logo depois abortada – pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, a cartilha "Politicamente Correto" sugere que a expressão “todo político é corrupto” não passa de "preconceito de gente mal-informada”. O dito popular seria fruto de um reducionismo que colocaria no mesmo patamar todos os políticos.

Para Cláudio Abramo, diretor executivo da organização não-governamental Transparência Brasil, a avaliação dos políticos é a discussão menos importante nesses casos. A corrupção, afirma nesta entrevista, ocorre porque a estrutura do Estado permite que ela aconteça. Desse modo, acreditar nos discursos de políticos que se voluntariam a combatê-la garante muito pouco, ao passo que uma outra estrutura que tornasse eficaz a fiscalização poderia diminuir esses casos.

Enquanto isso não ocorre, mais denúncias vêm à tona. Desta vez nos Correios e na Assembléia Legislativa de Rondônia. Os episódios entram nas estatísticas da Transparência Brasil, que contabilizam 3,62 novos casos de corrupção divulgados por dia em 60 jornais brasileiros. São aproximadamente 217 casos noticiados nesses veículos anualmente.

Rets - O número de casos de corrupção neste governo surpreende?

Cláudio Abramo - Essa pergunta carrega uma suposição. Por que “este governo”? Ele é melhor do que os outros como suposição inicial?

Rets - Não, mas por ele ter se comprometido com o combate à corrupção, tendo inclusive assinado um compromisso com a Transparência Brasil.

Cláudio Abramo - Ele assinou com a Transparência Brasil um compromisso de tomar medidas concretas que não tomou. Nisso tudo há um equívoco básico de achar que a corrupção acaba por alguém dizer que é contra, por ser um problema moral. Achar que a esquerda daqui ou dali vai ser melhor do que outros. A corrupção não acontece porque as pessoas são más, e sim porque existem problemas institucionais e administrativos. É um aspecto da ineficiência da alocação de recursos por parte do Estado. Combate-se a corrupção melhorando a eficiência e reduzindo as oportunidades para que ela ocorra. Fora disso não tem salvação.

Rets - O próprio governo do PT dizia que tinha experiência nesse combate.

Cláudio Abramo - Onde? Onde está essa experiência? Não se pode acreditar no que as pessoas dizem. Dizer “temos experiência” é coisa de político, demagogia. Não é um dado peculiar ao PT, mas sim de todos que fazem o discurso político de combate à corrupção baseado simplesmente em palavras vazias.

Rets - No caso dos Correios, em que há uma movimentação para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o senhor acredita que o objetivo dos deputados é o combate à corrupção?

Cláudio Abramo - Outra vez se coloca a questão no pessoal. Não é assim que o caso tem que ser atacado, assim como o de Rondônia, ou como o caso da Prefeitura de São Paulo, ou do estado de São Paulo. Independentemente do partido, tem que se perguntar quais foram as circunstâncias que permitiram àquele indivíduo se aproveitar do exercício da função pública em benefício de empresas privadas ou de interesses partidários. A questão é: qual o processo decisório que permitiu aquilo?

E isso depende de cada um, depende de cada lugar. Não tem uma resposta única. Lá nos Correios o processo de decisão ficava fechado em duas pessoas. Tem que mudar isso lá dentro. Em outro lugar, é outro problema. Não existe uma fórmula mágica.

Se uma fórmula mágica existisse, seria a seguinte: cada organismo deve ter aperfeiçoado seus mecanismos. Certamente não ajuda se as pessoas acreditam que o Lulinha é legal porque ele diz que é contra a corrupção. Isso não adianta. E muitas ONGs trabalham nessa direção, contra o interesse público.

Rets - O senhor acha que as ONGs têm pressionado o suficiente para que essa estrutura seja modificada?

Cláudio Abramo - Não, porque elas basicamente adotam este ponto de vista moralizante, vazio de conteúdo. Mas falar das ONGs, em geral, é demais. A tendência geral, na sociedade brasileira, é de olhar para este problema sob um ponto de vista muito ingênuo. Só serve ao demagogo. Estão atirando no próprio pé.

Rets - Ou seja, o problema tem sido tratado como pessoal enquanto ele é estrutural?

Cláudio Abramo - É estrutural. Não se melhora a ineficiência do Estado. A corrupção não é uma coisa singular, mas sim uma das maneiras como a ineficiência do Estado se manifesta – entre outras coisas, como decisões tomadas erradamente, programas que não funcionam. Tudo isso significa desperdício de recursos públicos. E quem se prejudica com isso são as populações mais pobres, principalmente no Brasil, que tem essa distribuição de renda.

Desse modo, como é que se encaminha a questão da ineficiência do Estado? Melhorando o Estado, e não trocando as pessoas. Essa troca não resulta em absolutamente nada. As pessoas chegam lá, encontram as mesmas condições, e a probabilidade de acontecer o errado é a mesma.

Rets - E o senhor acredita que exista algum projeto de mudança do Estado?

Cláudio Abramo - Não de maneira geral, existe aqui e ali. Mas não se pode esquecer que não existe só o governo federal. São 6.562 municípios no Brasil, 27 estados, todos eles são autônomos. Achar que isso é só responsabilidade do governo federal é errado. Tem os outros poderes também.

A mudança tem ocorrido somente aqui e ali. No governo federal, apenas em algumas áreas; no Judiciário também. Mas não há uma preocupação sistemática com a melhoria da eficiência do Estado. E certamente as ONGs, de maneira geral, não estão nem aí. Aquilo que as ONGs apresentam para o mundo é uma visão muitas vezes ingênua.

Rets - O senhor acha que as possibilidades de fiscalização que a Constituição dá, como a verificação de contas públicas, entre outras, são suficientes para que a sociedade tenha conhecimento do que está acontecendo?

Cláudio Abramo - Não, não é suficiente. A Controladoria Geral da União (CGU) faz auditoria dos programas federais nos municípios. Em mais de 90% dos casos ela verifica que a tal da sociedade civil – a quem a Constituição garante não só a fiscalização como também o planejamento dos gastos nas áreas sociais – não funciona. É claro que não funciona. Como é que pode funcionar, numa sociedade em que todo mundo é analfabeto e o cara não sabe ler uma planilha eletrônica? Então não funciona. Concretamente, medido, não funciona. Acreditar nisso é acreditar em contos de fada.

Rets - O senhor considera que a aparição destes casos pode ter relação com as eleições do ano que vem?

Cláudio Abramo - Não. É relevante, mas não, nada a ver com a eleição. Por que eleição?

Rets - Porque o processo de decisão de candidatos já está se intensificando.

Cláudio Abramo - Isso sempre é usado eleitoralmente. Não é nenhuma novidade que o surgimento de casos de corrupção esteja ligado à vida política. É normal em todos os países do mundo. Não há nenhum aumento dos casos.

Nós fazemos o levantamento cotidiano de 60 jornais brasileiros, em todos os estados. A gente recolhe as notícias, coloca em um banco de dados na Internet e faz estatísticas. Aparecem na imprensa brasileira, nesse universo de 60 jornais, 3,62 assuntos novos de corrupção por dia. São de todos os tipos. Os municipais são a grande maioria, mas a maior parte da cobertura da imprensa é sobre os assuntos federais.

Rets - Mas o senhor acredita que a imprensa pode deixar de divulgar alguns casos de corrupção?

Cláudio Abramo - Não acredito. Também porque “a imprensa” não é coisa que exista no Brasil. São apenas três jornais independentes. Os jornais, muitas vezes, estão ligados a interesses oligárquicos locais.

Rets - E, em todos esses casos que a Transparência Brasil tem monitorado, muitas vezes se depende de dissidentes desses grupos envolvidos no caso de corrupção para que os casos venham à tona?

Cláudio Abramo - Sempre é assim. Não há como ser de outra forma. Mesmo a propina que é cobrada pelo fiscal, individualmente, tem uma quadrilha lá dentro. Nunca é um ato individual. E quase sempre, no Brasil, está ligado a partidos políticos, especialmente aqueles mais estruturados.

Rets - O problema principal seria, então, a estrutura do Estado, que permite a ocorrência desses casos de corrupção?

Cláudio Abramo - Depende também de circunstâncias institucionais, que não está no poder de governantes alterar. Por exemplo, a forma como o poder é distribuído entre o poder Executivo e o Legislativo. A representação política, que é muito falha no Brasil – os políticos têm pouca representatividade –, faz com que, especialmente no Legislativo, não sejam dadas muitas explicações ao eleitor. Essa estrutura provoca o seguinte fenômeno: o sujeito, para governar, seja o presidente da República ou o prefeito de Muzambinho (MG), precisa garantir condições de governabilidade no Parlamento. Isso se faz com troca de favores. Como se faz isso? PMDB fica com o ministério de não sei o quê, PTB fica com o Departamento de Compras dos Correios. Só um idiota acreditaria que a pessoa do PTB vai para a área de compras por afinidade ideológica com a eficiência da área de Compras dos Correios. Quem quer que tenha feito esse acordo não é completamente imbecil. Sabe muito bem o que o camarada vai fazer lá - e fecha os olhos. Isso é problema institucional.

Italo Nogueira

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