Você está aqui

Missão cumprida

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Missão cumprida


Há quatro anos atuando nas ruas e praças de Niterói (RJ), o projeto Na Boca da Noite não pretende ter ainda muitos anos de vida. A decisão não é motivada por fracassos, mas sim pelo sucesso do programa, que atende mais de 300 profissionais do sexo nesse município da região metropolitana do Rio de Janeiro. “Era para ser um projeto de 12 meses, mas que percebeu uma demanda maior e agora já estimulou o nascimento de lideranças a ponto de poder chegar ao fim. Nosso objetivo não é substituir o poder público”, diz a coordenadora do Na Boca da Noite, a assistente social Elaine Nascimento.

A iniciativa trabalha com profissionais do sexo que atuam em ruas e praças do centro de Niterói. Com a ajuda de três educadores, o projeto busca conscientizar as mulheres sobre a necessidade de utilizar preservativos em todas as relações sexuais. Além disso, tem como objetivo melhorar suas condições de vida a partir de uma “intervenção comportamental”. Ou seja, desenvolve ações de estímulo à organização para lutarem por seus direitos, aumento de auto-estima, auxílio à família e cuidados com higiene e saúde. “Pregamos um discurso de promoção da cidadania”, afirma Roberto Pereira, o idealizador do projeto e diretor de outra entidade, o Centro de Educação Sexual (Cedus).

Atualmente, 365 pessoas são atendidas pelo projeto, quase o dobro em relação a 2001, ano em que teve início. Naquele primeiro momento, 200 prostitutas eram atendidas. Dois anos depois, já eram 280. Em 2004, com o fim de outro projeto, que trabalhava com travestis que se prostituíam na mesma região, estes passaram a também integrar o público-alvo do Na Boca da Noite. O número, então, cresceuchegando à marca atual.

A integração dos travestis não aconteceu somente devido ao fim da outra iniciativa, mas também para atender aos seus próprios pedidos. De acordo com Nascimento, eles solicitavam ajuda às assistentes sociais com freqüência, daí veio a decisão de ampliar o foco. E, para facilitar a abordagem e o diálogo, um dos travestis foi contratado para a equipe de educadores, que trabalham como multiplicadores do conhecimento obtido no treinamento do programa.

Entre as atividades dos educadores está conscientizar profissionais do sexo sobre a necessidade de comparecer com freqüência a postos de saúde para fazer exames e cuidar de eventuais ferimentos – cria-se, assim, o hábito de freqüentar hospitais e postos da rede pública. O governo do estado e a prefeitura de Niterói apóiam a iniciativa.

Entre as vantagens obtidas pelo Na Boca da Noite está o tratamento, mesmo nas fichas médicas, dos travestis pelo chamado “nome de guerra”. A aceitação desse procedimento pelos médicos não foi fácil, conta Nascimento, mas, no fim, o resultado foi a melhoria do atendimento e da identificação dos pacientes, já que muitos só são conhecidos pelo nome que usam nas ruas. “Conseguimos esse tratamento diferenciado para quem está mais exposto, o que é uma vitória para todos nós”, conta a assistente social e professora da Universidade Federal Fluminense.

Esse esquema fez com que 60% das profissionais do sexo frequentassem os postos de saúde da região central de Niterói. O número já seria motivo de comemoração, não fosse ainda maior o impacto do trabalho. Os 40% restantes não iam às unidades centrais porque preferiam se dirigir a locais mais perto de casa. Muitos travestis e prostitutas de Niterói não moram perto do local de trabalho.

Outra característica do programa é o trabalho feito com a família das prostitutas. Ao contrário do que acontece na maior parte das zonas de prostituição, boa parte das profissionais da região central de Niterói não é jovem. O perfil é de mulheres mais velhas, com filhos. A maioria, aproximadamente 60%, tem entre 20 e 35 anos e 30% têm entre 36 e 59 anos. Os 10% restantes têm mais de 60 anos. Daí a necessidade de interlocução com outros setores do poder público, não apenas o de saúde. Também são feitos contatos com escolas e assistentes sociais, para dar apoio a crianças e jovens.

Durante esses quatro anos, o programa organizou oficinas sobre todos os temas que cercassem a vida dessas mulheres e travestis, que a cada dois meses se reúnem para discutir os mais variados assuntos e aprender a se prevenir e tomar decisões que fortaleçam seus direitos. Além disso, de quatro em quatro meses há eventos de confraternização. Os encontros fizeram com que a falta de amizade que havia entre as que ocupavam as ruas e as que se concentravam nas praças terminasse.

Aos poucos, as pessoas foram se conhecendo mais e ganhando confiança umas nas outras. Nesse período, surgiram lideranças, e assim começou a haver uma organização espontânea para reivindicar melhor atendimento na rede pública de saúde e demais setores. “Elas já conhecem os próprios direitos e se dirigem diretamente aos diretores de hospitais e postos de saúde. Atingimos nosso objetivo”, comemora Nascimento. Por isso, afirma, a missão está quase cumprida: o programa deve vigorar por mais 12 meses, para depois ser desativado.

Marcelo Medeiros

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer