Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() | ![]() |
Depois de três dias de discussões no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, representantes de governos dos países da América Latina e do Caribe chegaram a um consenso em relação à posição da região para a segunda fase da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, que acontecerá em Túnis, Tunísia, em outubro. Não sem muita negociação, concessões de todos os lados e pedidos de mais participação por parte da sociedade civil organizada.
As discussões aconteceram dentro da Conferência Regional Ministerial de América Latina e Caribe, preparatória para a segunda fase da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação. O evento incluiu sessões plenárias, painéis e debates paralelos.
Um dos momentos mais aguardados era o da divulgação da Declaração do Rio e do eLAC [veja o box ao lado para entender melhor], os dois documentos oficiais resultantes da conferência, que serão levados a Túnis, representando o ponto de vista dos países da região. Justamente porque os textos têm de contemplar as demandas e necessidades dos diferentes países, foram discutidos até o último momento, tendo a cerimônia de encerramento começado sem que já se tivesse atingido um consenso. Governança da internet e administração dos espectros radioelétricos estão entre os pontos que foram alvo de discussões mais extensas entre os governos.
Nos painéis e nos eventos paralelos, os principais temas levantados incluem a rejeição de medidas unilaterais na governança da internet – uma referência ao poder dos EUA na gerência da rede –, a afirmação de que a sociedade civil deve ter espaço nas discussões sobre os rumos da regulação da web e a necessidade de medidas que diminuam a brecha digital, como a redução dos custos internacionais de interconexão, que atualmente oneram demais países pobres.
Sociedade civil cobra mais participação nas decisões
Tendo espaços limitados e específicos dentro das sessões plenárias, ONGs, movimentos e articulações que vêm acompanhando o processo da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) utilizaram as oportunidades para reiterar pontos e demandas já tradicionais nesse processo. Além disso, nos eventos dentro da programação paralela, abordaram a importância de encarar a comunicação como um direito humano, de levar a discussão sobre a sociedade da informação para perto dos cidadãos e cidadãs e a necessidade essencial de que, mais do que discutir as tecnologias em si, deve-se contemplar o aspecto humano de seu uso. Ou seja, as tecnologias devem estar a serviço das pessoas e de seu desenvolvimento – e, ainda, a serviço do exercício da cidadania.
Além disso, nos espaços abertos às intervenções dos observadores dentro das sessões plenárias, as organizações se articularam e produziram documentos que resumem e expressam os pontos que consideram prioritários para os governos levarem em consideração. Na primeira intervenção da sociedade civil, logo no primeiro dia de evento, Dafne Plou, coordenadora do Programa de Apoio a Redes de Mulheres da Associação para o Progresso das Comunicações (APC), leu um texto assinado por 20 ONGs que acompanham de perto o processo da CMSI. No documento, enfatizava-se a necessidade de “abordar a sociedade da informação sob uma perspectiva que transcenda os aspectos tecnológicos”.
Uma nova intervenção somente foi permitida na última plenária, a de encerramento, onde novamente um texto de consenso das ONGs [disponível na área de Downloads desta página] foi lido – dessa vez por Olinca Marino, da organização mexicana La Neta – o qual cobrava, mais uma vez, maior participação das organizações não-governamentais.
O texto se referia ao fato de a sociedade civil não ter podido participar, sequer como observadora, das sessões de negociações dos dois documentos resultantes do evento do Rio. Pelas regras da Cúpula, é permitido à sociedade civil organizada assistir, na qualidade de observadora, tais negociações.
“Enfatizamos que o fortalecimento das democracias e a construção da cidadania se sustenta no fortalecimento do papel da sociedade civil como um ator político em toda a sua dimensão", disseram as organizações da sociedade civil. "Por tal motivo, expressamos nossa inconformidade com o fato de que na Conferência Regional Ministerial de América Latina e Caribe, preparatória para a segunda fase da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, não tenham sido respeitados os mecanismos de participação e regras de procedimento estabelecidas no marco da Cúpula, o que impediu a plena participação dos delegados da sociedade civil nas discussões e reuniões de trabalho e o acesso oportuno a documentos em discussão”.
Em outro ponto, o texto defende que “os três pilares da construção de sociedade da informação não são as telecomunicações, os equipamentos e o software, mas a infoética, a educação digital (com uma visão dos usos e impactos sociais) e a participação real e efetiva da cidadania em todas as etapas do processo, da definição a implementação e avaliação das políticas públicas de sociedade da informação e seu impacto”.
Declaração do Rio
Longamente esperada e exaustivamente discutida, a Declaração do Rio e o eLAC ficaram prontos perto das 18h do dia 10 de junho, após três dias de trabalhos e discussões e com mais de um dia de atraso. As negociações sobre o documento, previstas para terminarem na tarde do dia 9, se estenderam até as 4h da madrugada seguinte e continuaram ao longo de todo o dia 10.
Nos bastidores, representantes da sociedade civil se articularam com delegados de diferentes países e conseguiram que algumas de suas propostas fossem minimamente contempladas. Segundo um levantamento informal feito por Daniel Pimienta, da organização dominicana Funredes, havia seis países com membros da sociedade civil organizada em suas delegações – entre as mais de 30 presentes. Outras três nações tinham delegações relativamente abertas a conversas com ONGs e movimentos. Dessa forma, conseguiu-se, por exemplo, incluir uma menção à participação dos povos indígenas e um pequeno trecho em que se expressa textualmente a necessidade de contemplar as questões de “gênero e outros grupos sociais” na Declaração do Rio.
Sobre o primeiro caso, o articulador indígena Marcos Terena disse à Rets que é um avanço, ainda que pequeno. “Esse é mais um pedaço do processo. Conseguimos convencer a delegação brasileira, que havia nos convidado, de que não fazia sentido estarmos aqui se não fosse contemplada a questão indígena no texto da Declaração do Rio”, afirmou. Segundo ele, no eLAC também houve um pequeno progresso ao se adicionar a expressão “povos indígenas” em alguns pontos. “Conseguimos, sem ferir conceitos internacionalmente aceitos pelos governos, adicionar aquilo que consideramos importante”, disse.
Com relação ao pequeno trecho que cita a necessidade de voltar os olhos para as “questões de gênero e outros grupos sociais”, Nilza Iraci, do Geledés – Instituto da Mulher Negra considera “uma brecha” que a sociedade civil pode usar. “Podemos, a partir daí, pegar os governos pelo pé da palavra e incluir diversos segmentos, como os ‘outros grupos sociais’”, contou ela à Rets.
João Brant, do Coletivo Intervozes e membro da articulação Cris Brasil, considerou que o texto não contempla o direito à comunicação da forma devida. “Não existe sequer a compreensão, por parte dos negociadores, da comunicação como um direito”, afirmou, apesar de reconhecer que a menção textual ao software livre é, de certa forma, um avanço nesse sentido. “Há momentos em que parece que conseguimos ‘contrabandear pontos’ que têm a ver com diversos conceitos, apesar de muitas vezes os negociadores governamentais não enxergarem isso. Conseguimos emplacar coisas que parecem menores do que são. O texto final ficou menos ruim do que se esperava”.
Para Olinca Marino, "há elementos positivos na Declaração do Rio, mais do que se imaginava. No trecho que fala dos meios comunitários, foi boa, no final das contas, assim como a parte que cita software livre, que recebeu um parágrafo específico. Além disso, pontos que poderiam ser mais polêmicos e centrais para a sociedade civil não ficaram de todo ruins", afirma a ativista mexicana.
A próxima reunião internacional dentro do processo preparatório para a CMSI – a PrepCom 3 – acontece em setembro, em Genebra, Suíça.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer