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Financiamento e governança: temas chave

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

A importância e a necessidade de mecanismos de financiamento de ações de infoinclusão foi um dos principais assuntos abordados na Conferência Regional Ministerial de América Latina e Caribe, que aconteceu de 8 a 10 de junho, no Rio de Janeiro. O tema recebeu atenção tanto nos documentos oficiais do evento, quanto nos painéis. Na Declaração, os países insistem em novas formas de financiamento a projetos de inclusão digital para não ficarem para trás no que se chama de “sociedade do conhecimento”. O documento afirma que a “solidariedade digital global é essencial para diminuir a brecha digital e fortalecer a integração de países latino-americanos e caribenhos. Acreditamos que o investimento privado desempenha importante papel na disponibilização de tecnologias de informação e comunicação. Também estamos convencidos que o financiamento público e a cooperação econômica internacional devem desempenhar papel central no provimento de acesso a TICs e serviços a áreas rurais e a populações marginalizadas e desprovidas”.

A necessidade de mais financiamentos se deve, além do menor poderio econômico dos países da região, ao alto preço pago por eles para se conectar à Internet. “Quanto mais pobre, mais caro se paga para fazer parte da internet”, afirmou Robert Zachman, diretor da Organização Internacional do Trabalho presente ao painel sobre custos de acesso. Os brasileiros, por exemplo, pagam mais do que os australianos para acessar a rede mundial de computadores com uma velocidade menor, mesmo quando considerado o acesso via banda larga.

Uma das razões para isso é a localização dos servidores que “sustentam” a rede, os backbones. Em sua maioria estão nos Estados Unidos. Os demais, em países do norte. Logo, quando um internauta do sul navega, paga uma taxa elevada pela transferência de dados, o que encarece em demasia seu acesso e, de certa forma, financia o do usuário do norte. Quando um pesquisador norte-americano, por exemplo, faz busca em um site africano, paga muito pouco por isso. O caminho inverso é bem mais caro.

Apesar do custo, a troca de informações entre América Latina e EUA é muito superior a qualquer outra. Dados do Fórum das Agências de Regulação de Telecomunicações (Regulatel) mostram que os Estados Unidos e os latino-americanos trocam 9,7 gigabits por segundo. Já entre América Latina e União Européia o intercâmbio é de 2,8 gigabits/s, enquanto com a África atinge-se apenas 0,1 gigabit/s.

“O sistema de cobrança por pulsos funcionou bem para a telefonia, mas muito mal para a internet. Um serviço não pode ser de massa se permanece caro por muito tempo”, analisou o representante do Banco Mundial Eloy Vidal. O organismo internacional está preparando um estudo sobre a conectividade de 19 países latino-americanos, cujo lançamento está previsto para a segunda fase da CMSI, em Tunis. Entretanto, algumas conclusões foram divulgadas na conferência do Rio. Entre elas, está a verificação de que a construção de espaços comunitários de acesso é a forma mais barata e eficiente de resolver esse problema. Porém, ainda resta o desafio de sustentar essas iniciativas a longo prazo e competir com a demanda por bens individuais.

Outro problema apontado é o alto custo das tecnologias de comunicação e informação em relação ao poder aquisitivo dos latino-americanos. Uma solução foi apresentada pelo pesquisador David Cavallo, representante da equipe do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que está elaborando o protótipo de um laptop que será vendido por U$ 100. “Ele deve estar pronto no meio do ano que vem”, avisou. A configuração será simples para baratear os custos. De acordo com o pesquisador, o ideal seria haver produções locais que não visem ao lucro para que o preço seja mesmo viável.

A Declaração do Rio afirma, também, o compromisso “de trabalhar no sentido de reduzir os desequilíbrios nos Custos Internacionais de Interconexão”, mas representantes da sociedade civil acreditam que o documento poderia ter sido mais enfático. Em carta lida na última sessão plenária da conferência, no dia 10, pela mexicana Olinca Marino, da ONG La Neta - e assinada por uma série de ONGs e movimentos que estão acompanhando o processo da CMSI -, defende-se que não se pode deixar tudo na mão do mercado e que o Estado deve agir com rapidez. “Deve-se reconhecer explicitamente os limites do mercado de satisfazer as necessidades em matéria de informação e comunicação, em particular em áreas pouco rentáveis. Deve-se fomentar, portanto, a mobilização de recursos públicos específicos com este fim, assim como a otimização no uso dos recursos atualmente disponíveis”, declarou.

A carta lida por Olinca [que pode ser obtida na área de Downloads da matéria “Longe do ideal, melhor do que se esperava”], em nome de representantes da sociedade civil, afirma ser necessário estimular a cooperação entre os países do sul e classifica como prioritária a implementação de fontes alternativas de financiamento. Entre as sugestões, estão a criação de taxas globais e a implementação de programas de troca de dívida por investimentos em tecnologia e educação.

Uma das taxas globais seria o Fundo de Solidariedade Digital, sugestão apresentada em 2003 pela delegação do Senegal durante a primeira fase da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação. De acordo com Amoud Top, representante do governo daquele país, o fundo seria financiado por uma taxa de 1% do lucro obtido por empresas em contratos públicos relacionados à inclusão digital. O fundo é apoiado por governos de vários países, entre eles os de Argélia, França e Marrocos. Os recursos seriam direcionados prioritariamente a projetos comunitários. “O montante de 1% não é uma doação. É um investimento em mercados futuros”, afirmou Top. A contrapartida para as empresas, além do aumento do número de compradores de bens, seria o direito ao uso de um selo de “solidariedade digital”.

Enquanto o fundo ainda é discutido, outras formas de colaboração já foram implementadas. A União Européia, por exemplo, já repassa 63,5 milhões de euros por ano para 19 iniciativas de inclusão digital por intermédio do programa @lis, que existe desde 2002. “O financiamento de atividades para a América Latina é voltado para a diminuição da pobreza, com foco nas Metas do Milênio”, afirmou Paulo Lopes, diretor-geral da Comissão Européia para a Sociedade da Informação.

Daniel Pimienta, diretor da ONG Funredes, da República Dominicana, lembra que não basta ter acesso às tecnologias se os usuários pouco produzirem com elas. “O importante não são as tecnologias, mas o desenvolvimento humano que elas proporcionam”, afirmou. Para Pimienta, todo projeto que tiver mais de 60% de seu orçamento voltado para a aquisição de hardware está fadado ao fracasso. Segundo ele, é necessário fazer mais investimentos em “info-estrutura”, “gerência” e “infocultura”, elementos voltados para a produção de conhecimento e de promoção da cultura.

Dados da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) mostram que o acesso às novas tecnologias está crescendo em alta velocidade na América Latina. Entre 1998 e 2004, o número de telefones fixos passou de 53 milhões para 93 milhões. Já o de celulares pulou de 20 milhões para 172 milhões, enquanto o de usuários de Internet se multiplicou por doze, atingindo 72 milhões.

Apesar do crescimento, os números ainda são pequenos se comparados com o tamanho da população. Os 72 milhões de internautas representam apenas 14% dos moradores da região, muito pouco se comparados a alguns países europeus, onde o índice se acesso chega a mais da metade da população. “A rápida expansão da rede digital nos últimos cinco anos se concentrou nas regiões metropolitanas, nas grandes e médias empresas, nas famílias de alta renda e no governo central”, analisou o secretário-executivo da Cepal, José Luis Machinea. “Mas, considerando o elevado custo de acesso e o nível de renda da maioria da população de nossos países, podemos afirmar que será difícil ampliar o alcance da Internet nas camadas médias e será mais difícil ainda no caso das zonas rurais e dos setores de baixo rendimento”.

Além da necessidade de se aumentar o acesso da população às novas tecnologias, enfatizou-se que sejam reservados canais para produções comunitárias, tanto em freqüências de rádio quanto de televisão, analógica e digital.

A melhoria das condições de acesso e o aumento do número de usuários passam por outro tema: governança da internet. O assunto é um dos mais polêmicos do processo da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação. Atualmente a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann, da sigla em inglês), uma ONG baseada nos EUA, é a encarregada de tomar decisões como a autorização de uso de domínios. Seu papel, porém, não agrada a todos. De acordo com o grupo de trabalho sobre governança da internet das Nações Unidas, há cerca de quarenta atividades de regulação que a Icann não desempenha. Entre elas, interferir nas tarifas de interconexão de modo que os países mais pobres paguem menos para acessar a rede. Outro problema da Icann seria a falta de representatividade de vários setores da sociedade e a ausência de democracia em seus processos de decisão.

A declaração ministerial afirma a necessidade de manter o assunto em discussão mesmo após Tunis, mas também ressalta a necessidade de diminuir os custos de interconexão e a defesa de uma internet governada por mecanismos multilaterais, transparentes e democráticos.

Representantes do Comitê Gestor da Internet (CGI) brasileira presentes à conferência defenderam o modelo brasileiro de gerenciamento da rede como exemplo para o mundo. O CGI é composto por 21 membros, sendo nove do governo e o restante do terceiro setor e do empresariado, além de um membro de “notório saber”. Dessa forma, todos os setores produtivos têm direito a voz, assim como os da sociedade civil. Os membros de fora do governo foram eleitos por uma votação via internet. “O modelo brasileiro pode servir de base para a construção de um sistema internacional”, sugeriu Marcelo Lopes, secretário de políticas de informação do Ministério das Comunicações e membro do CGI.

O presidente da Icann, Paul Verhoef, afirmou que o modelo brasileiro é exemplar, mas deve ser mais bem discutido. “Acho que por meio de negociações as questões polêmicas podem ser melhor resolvidas”, afirmou.

Marcelo Medeiros

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