Autor original: Italo Nogueira
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
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A liberdade de expressão e o incentivo à pluralidade de opiniões estão previstos na Constituição de 1988, e cabe ao Estado garantir estes direitos. E é justamente para analisar a atuação do poder público e da sociedade civil na área - e o que falta para o alcance pleno da liberdade de expressão - que foi realizada a pesquisa do Projeto de Governança Global, (GGP, da sigla em inglês), coordenada no Brasil pelo Coletivo Intervozes. “A publicação pretende ser apenas uma referência para ser usada pelos diversos movimentos na defesa do direito à comunicação”, explica João Brant, integrante do Intervozes e coordenador da pesquisa.
As novidades da publicação são a busca pela definição do que é o direito à comunicação e a compilação de diversos dados úteis para o debate sobre o tema - trabalho árduo se feito de forma individual.
A pesquisa, realizada entre junho de 2004 e março de 2005, aborda quatro temas: criação de espaços para ambientes democráticos; uso do conhecimento e do domínio público; liberdades civis e direitos políticos na Sociedade da Informação e, finalmente, acesso eqüitativo e a preços razoáveis a Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Em cada um deles, há subdivisões, cuja análise aborda a base legal do assunto, a implementação de políticas públicas, o papel dos diferentes atores e tendências das discussões sobre o tema.
Faltam regras claras
Nas análises sobre o aspecto jurídico, a constatação mais recorrente no estudo é a falta de regulamentação do setor. Tanto a questão da universalização do acesso aos meios de comunicação como a coibição de monopólios ou oligopólios são garantidos pela Constituição. No entanto, após 1988, pouco foi feito para definir as regras e as formas para evitar a concentração.
Na análise de João Brant, durante a construção da Constituição era difícil se esquivar das reivindicações dos movimentos sociais, o que ajudou a incluir em seu texto garantias ao direito à comunicação. “Mas depois, na hora de regulamentar o setor, o direito à comunicação foi sabotado por influência dos empresários”, analisa Brant. Deste modo, a pouca regulamentação privilegia a punição e a restrição da comunicação. O caso mais significativo é o das regras relacionadas às rádios comunitárias, que são limitadas a um quilômetro de raio (de sinal transmitido) e têm punições severas em caso de falta de licença – que pode demorar anos para sair.
Deste modo, o panorama do setor no país caracteriza-se, principalmente, pela concentração dos meios de comunicação. De acordo com a pesquisa, a concentração das verbas publicitárias, do alcance de determinadas emissoras, e o monopólio cruzado – uma empresa atuando em diversas mídias – faz com que o panorama da comunicação não seja democrático. Além disso, o processo de renovação de licenças prejudica o caminho para a diversidade. Para que uma licença não seja renovada, por exemplo, é necessária uma aprovação de três quintos do Congresso, em votação nominal.
Uma medida que pode, até certo ponto, conciliar os interesses do empresariado – que não quer perder seus veículos – com os dos movimentos sociais é a mudança do padrão analógico para o digital tanto na televisão como no rádio. Com uma maior capacidade de canais, os novos espaços podem ser ocupados por aqueles que hoje não são contemplados.
No entanto, os interesses do empresariado parecem não ir ao encontro dos movimentos pela democratização da comunicação. O primeiro grupo pressiona para que o novo padrão tenha como fruto imagens de maior definição, ou que o espaço a mais de cada estação seja usado pela empresa que já ocupa o canal. “Existem alguns empresários mais interessantes, flexíveis, mas o empresariado, como grupo, é muito conservador neste sentido. Não vejo possibilidade de sensibilização”, comenta Brant. “Eles vêem a liberdade de expressão como liberdade apenas das nove famílias que concentram a mídia no país”.
A reclamação foi repetida esta semana, em virtude da criação do Grupo Interministerial para a definição da Lei Geral da Comunicação Eletrônica de Massa. Os movimentos sociais e ONGs reclamam da ausência de regulamentação dos artigos 220, 223 e 224 da Constituição que aborda, entre outros assuntos, a questão do monopólio e oligopólio no setor.
Atuação da sociedade civil
Com a oposição clara, a pesquisa procura também oferecer ferramentas para o debate pela garantia do direito à comunicação e mobilizar as entidades envolvidas. Brant comenta que a própria definição de direito à comunicação é complicada - conceito que a publicação procura definir - e não há um consenso. Além disso, o movimento social da área não tem uma base social definida, como os sem-terra. Esta ausência de base, afirma, é fruto da própria falta de compreensão da comunicação como um direito de todos.
É constante também a reclamação em relação ao poder do empresariado nas decisões dos governos. Embora a prática da audiência pública seja corrente, Brant reclama que, na hora da regulamentação, o enfoque é influenciado pelo setor empresarial. “No fim, acho que a indústria ainda dá as cartas”.
Além da democratização da comunicação, na pesquisa é analisado o respeito à diversidade nos meios de comunicação – inclusive os empresariais. Esta regulamentação relaciona-se com o tema da criação de um órgão consultivo da profissão, como o Conselho Federal de Jornalismo proposto no Congresso no início do ano. “Como opinião pessoal, não acho que a comunicação seja um assunto apenas de profissionais. Considero que toda a sociedade deve participar da discussão sobre a comunicação e a prática jornalística”, acredita Brant, alinhando-se com a idéia de que a comunicação é assunto de toda a sociedade.
Tecnologias de Informação e Comunicação
A publicação aponta para a necessidade do acesso público às TICs, através, principalmente, de telecentros comunitários. Brant avalia que o Programa PC Conectado - iniciativa do Governo Federal que comercializará computadores a R$ 1.400 – pode atender a uma demanda específica, mas afirma que o acesso público é, ainda, a melhor opção. “O governo acerta na avaliação de que classes sociais diferentes demandam soluções distintas, mas o acesso público é prioritário, principalmente para a chamada classe E”.
Direito à comunicação em outros países
O GGP produziu a mesma investigação em mais quatro países: Colômbia, Quênia, Filipinas e Itália. Estes ainda estão em fase de finalização, mas, de acordo com Brant, o panorama de negligência em relação ao direito à comunicação é o mesmo, embora haja motivos diferentes. “Na Colômbia existe a discussão sobre o jornalismo em tempo de guerra, situação que não vivemos aqui. Nas Filipinas, percebe-se uma forte intervenção do governo na comunicação. Todos têm os seus problemas específicos, mas o resultado acaba sendo o que foi verificado aqui”. A pesquisa na Itália ainda está sendo feita.
A pesquisa do Brasil está disponível em PDF na página do coletivo Intervozes [cujo endereço está disponível na área Links Relacionados desta página].
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