Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Os cientistas acreditam que a utilização de células-tronco na medicina representa a possibilidade de melhorar o tratamento e até mesmo a prevenção e a cura de algumas doenças, como o mal de Parkinson, o câncer e problemas cardíacos sérios. Pesquisas demonstram que as células-tronco têm a capacidade de se transformar em qualquer outra célula do corpo humano e, por isso, podem ajudar na reconstituição de alguns tecidos danificados.
O tema, entretanto, causa polêmica em diversos países. Recentemente, nos dias 12 e 13 de junho, um referendo sobre reprodução assistida e pesquisa em células-tronco levou a população a se posicionar em relação ao assunto na Itália. A consulta à população foi precedida de vários debates de caráter ideológico na imprensa italiana, mas, com a pressão da Igreja Católica, o resultado do referendo manteve as rígidas leis do país sobre a fertilização assistida.
Respaldo do governo
No Brasil, a manipulação genética de embriões já é uma realidade com respaldo oficial. O governo federal inicia até agosto o financiamento das primeiras pesquisas no Brasil com células-tronco embrionárias. Serão R$ 11 milhões oferecidos pelo governo para o desenvolvimento de novos estudos com embriões. A oferta dos recursos, feita por meio de editais de concorrência pública dos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia, destina-se também a financiar estudos com células-tronco derivadas da medula óssea, de cordão umbilical e de outros tecidos.
As primeiras pesquisas deverão ter início em agosto e terão de ser desenvolvidas em até um ano. Para distribuição dos recursos e escolha dos centros que receberão o financiamento, serão observados critérios socioeconômicos. No mínimo 30% das verbas serão destinadas a regiões menos desenvolvidas do país, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Angélica Pontes, coordenadora de biotecnologia do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério de Saúde, ressalta que, antes da utilização para fins terapêuticos, os estudos com células-tronco deverão cumprir diversas etapas: pesquisa básica (in vitro), pesquisa pré-clínica (em animais de laboratório) e pesquisa clínica (em seres humanos) – essa última em caráter ainda experimental. “Todas essas etapas são sujeitas aos aspectos éticos e legais, e a aplicabilidade da terapêutica dependerá dos resultados obtidos nas pesquisas”, garante.
Os resultados esperados são: avanços no conhecimento em relação aos princípios fundamentais da terapia celular; comprovação do potencial das células-tronco para o tratamento de doenças diversas; melhoria no conhecimento dos sistemas biológicos e, ainda, prevenção, detecção e/ou tratamento de doenças; otimização e maximização do uso da infra-estrutura de pesquisa já instalada no país em torno de temas relevantes para a área da medicina e ampliação da competência humana em áreas específicas e afins, por meio da formação de pessoal especializado.
Uso de embriões
A utilização de células-tronco de embriões in vitro nas pesquisas brasileiras foi permitida com a aprovação, em março, do Projeto de Lei 2.401/2003 – conhecido como PL de Biossegurança – pela Câmara dos Deputados, com algumas restrições: só poderão ser utilizados embriões doados com o consentimento dos genitores e que sejam inviáveis para implantação no corpo humano ou estejam congelados há pelo menos três anos, prazo após o qual não podem mais ser usados para fertilização. A lei proíbe ainda o comércio desses embriões, a manipulação genética e as clonagens humana e terapêutica.
Na opinião da bióloga Marlene Boccatto, doutora em genética e especialista em bioética, o uso das células-tronco que não serão utilizadas na fertilização assistida é um grande avanço para as pesquisas e as terapias. “Visto que essas células seriam inutilizadas, por que não proporcionar a cura, ou pelo menos uma esperança de cura, para diversos tipos de doenças? Sem contar com o desenvolvimento das pesquisas em diferentes áreas.”
Para muitos, no entanto, as restrições impostas pela lei não são suficientes para esgotar o debate ético em torno do assunto. No final de maio, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra o artigo da Lei de Biossegurança que permite pesquisas com células-tronco embrionárias congeladas por pelo menos três anos. Na ação, Fonteles alegou que há vida a partir da fecundação e que realizar experiências com embriões desrespeita as garantias constitucionais de inviolabilidade ao direito à vida e de dignidade humana.
De acordo com o secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Odilo Pedro Scherer, os limites estabelecidos pela Lei de Biossegurança quanto à pesquisa com embriões humanos não asseguram o respeito à vida do embrião. “Para obter células-tronco embrionárias humanas, é necessário matar o embrião. Não importa se ele é produzido in vitro e se está congelado há mais de três anos: continua sendo um ser humano. E se é assim, sua vida deve ser respeitada. Por esse motivo, a CNBB considera que a lei que libera o uso de embriões humanos para a pesquisa com células-tronco embrionárias é inaceitável, além de ser contrária à Constituição, onde se prevê a proteção da vida humana desde a sua concepção. O fato de o Congresso ter aprovado essa lei não a torna boa”, critica Dom Odilo.
Dom Odilo teme ainda que a lei aprovada acabe desencadeando a produção de embriões para fins de pesquisa. “Quem controla as clínicas de fertilização in vitro? O ser humano vai virar mercadoria. Já é um sério problema constatar que há ‘estoque’ de embriões por aí”, alerta. Marlene Boccatto ressalta que quando se fala em células-tronco imediatamente se discute sobre o início da vida. “Tanto em termos científicos como religiosos, não é possível chegar a um consenso, e eu defendo a discussão não da vida biológica, mas da vida com dignidade. Além disso, devemos pensar que, os pré-embriões já existentes serão eliminados de qualquer maneira, então por que não utilizá-los para curar ou salvar uma vida?”
Pesquisas com células-tronco adultas já têm sido realizadas no Brasil com o apoio governamental – e, ao contrário das pesquisas com células-tronco embrionárias, com a aprovação de diversos setores. A etapa clínica do maior estudo no mundo com células-tronco adultas para tratamento de cardiopatias teve início neste mês, também com o apoio do Ministério da Saúde. Serão investidos R$ 13 milhões para o tratamento de 1,2 mil pacientes com problemas do coração. Se for comprovada a efetividade do uso das células-tronco no tratamento de doenças cardíacas, isso pode significar uma redução de cerca R$ 37 milhões por mês nos gastos do Sistema Único de Saúde (SUS).
O secretário geral da CNBB defende as pesquisas com células-tronco adultas, tiradas do cordão umbilical e de outras partes do corpo. Quanto a estas não há contra-indicações éticas, segundo ele.
Informação e riscos
O debate sobre manipulação genética de embriões inclui ainda a possibilidade de se abrir caminho para a clonagem reprodutiva. Autora de livros sobre genética humana e bioética, a médica Fátima Oliveira vê como avanço a aprovação da Lei de Biossegurança, mas defende que é necessário impor, sem fundamentalismos, limites à ciência em respeito às gerações futuras. “Exigir ética na ciência é parte da luta pelos direitos humanos; o que não é monopólio de posturas retrógradas e anticiência”, ressalta.
Fátima enfatiza ainda a necessidade de ampliar e aprofundar essa discussão na sociedade. No livro “Bioética: uma face da cidadania”, afirma que “é um crime contra a humanidade a atitude de negar à sociedade, em especial à nossa juventude, a oportunidade de acesso ao saber e às reflexões bioéticas, sobretudo quando se reconhece que o mundo passa por profundas transformações. É uma questão ética fundamental o dever que os governos têm de abastecer seus cidadãos com informações necessárias, para que assim possam exercer o direito de saber e a responsabilidade de decidir. Sem informação a sociedade não tem como realizar o controle social e ético sobre os novos saberes e poderes das biociências”.
O conhecimento do assunto pela população, concorda Marlene Boccatto, é fator fundamental para definir os rumos das pesquisas. “A base para evitar quaisquer riscos, científicos ou não, é a conscientização e a ação da sociedade sobre qualquer área”.
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