Autor original: Italo Nogueira
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Foi realizado no dia 2 de junho o Encontro de Alto Nível da Assembléia Geral Especial das Nações Unidas sobre HIV/aids (Ungass/Aids) para revisar as metas estabelecidas para este ano no combate à epidemia da doença. A sociedade civil via no evento uma possibilidade de reivindicar espaço formal no relatório final do encontro. Atualmente, os pronunciamentos de representantes de ONGs nas reuniões não integram o documento.
As organizações brasileiras esperavam que o ministro da Saúde levantasse o tema, favorecendo a participação das ONGs no documento final. O discurso do ministro, porém, foi omisso nesse ponto, que só foi abordado por representantes da sociedade civil.
Alcebíades Costa Junior, diretor do Departamento de Ativismo do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids de Ribeirão Preto (Gapa-RP), fala sobre a importância de formalizar a participação das ONGs nas reuniões da ONU e sobre o encontro.
Rets - De que forma as ONGs participaram desse encontro?
Alcebíades Costa Junior - Apenas duas ONGs do Brasil participaram. Eu, do Gapa [Grupo de Apoio e Prevenção à Aids] de Ribeirão Preto, e a Alessandra Nilo, da Gestos [Gestos - Soropositividade, Comunicação e Gênero, de Pernambuco]. Na verdade, foi um convite. Fomos junto com a delegação brasileira – até porque uma reunião das Nações Unidas é um encontro de governos, é um órgão governamental. O Brasil, dentro do Programa Nacional de DST e Aids, costuma chamar integrantes da sociedade civil. Como eu e a Alessandra estamos envolvidos em algumas ações de monitoramento das metas da Ungass [Assembléia Geral Especial das Nações Unidas] pela sociedade civil aqui no Brasil, foi feito esse convite.
Rets - As ONGs do Brasil esperavam que fosse feito o pronunciamento do ministro da Saúde, Humberto Costa, para que a sociedade civil tivesse mais participação nessa reunião?
Alcebíades Costa Junior - Na verdade, com o Humberto Costa nós mal temos contato, apesar de estarmos vinculados. Essa interlocução da sociedade civil veio diretamente por parte do Programa Nacional de DST/Aids no Brasil, em especial pela Coopex [Assessoria de Cooperação Externa], responsável pela articulação internacional do programa. A gente tentou incluir na fala do ministro, que nós fizemos bem antes de ir a Nova Iorque, cerca de um mês antes, que as Nações Unidas considerasse os informes de posicionamento da sociedade civil que estão sendo feito em vários países. Essa fala não foi incluída na participação dele na reunião, durante a mesa-redonda.
Rets - Por que a ONU não considera os relatórios das ONGs?
Alcebíades Costa Junior - As Nações Unidas reconhecem o trabalho da sociedade civil, mas é um órgão governamental. Não é misto, nem da sociedade civil. Congrega os países governamentalmente. Tanto é que, se você for ver, no Conselho de Aids das Nações Unidas são duas vagas por governo. Apesar de ter membros de sociedade civil, esses membros não têm direito a voto. Nessa reunião do dia 2 de junho, cada mesa tinha 35 pessoas de governos com direito a fala e mais aproximadamente 15 não-governos, entre ONGs e empresas privadas em geral. No entanto a fala da sociedade civil não era incorporada ao relatório final, apenas as falas dos governos. O que a gente estava defendendo lá era para o monitoramento das metas que vão ser feitas agora em 2006 a ONU leve em consideração os esforços da sociedade civil.
Algumas pessoas da sociedade civil que tiveram direito à fala fizeram essa reivindicação formalmente, durante a mesa-redonda, mas mesmo assim isso não foi incorporado no relatório final.
Rets - E como as ONGs procuraram pressionar para que fizessem parte do relatório final?
Alcebíades Costa Junior - O próprio governo brasileiro, um tempo atrás, uns dois ou três anos, fez uma resolução para as Nações Unidas falando da importância das ações e da experiência da sociedade civil. Acho que esse documento vai ser um fator para pressionar, assim como parcerias com outras organizações internacionais, como a WAC [sigla em inglês da Campanha Mundial de Aids], que tem também essa idéia de agregar a sociedade civil para o monitoramento da Ungass. Então serão parcerias com outras instituições internacionais que trabalham com essa temática. E também vamos tentar pressionar no âmbito nacional e levar essas questões para outras instituições do Brasil. Vamos pressionar junto aos órgãos competentes: a Unaids [Programa das Nações Unidas para HIV/aids], a CAMS [Comissão de Articulação dos Movimentos Sociais], onde nós temos a participação de colegas, para que esses documentos sejam devidamente protocolados para as Nações Unidas, para que isso tenha um andamento.
Mas, independentemente da ONU considerar ou não, a sociedade civil vai continuar fazendo o monitoramento, que nós estamos chamando de "monitoramento-sombra", para apresentar o nosso ponto de vista.
Rets - Existe a expectativa de que a sociedade civil tenha fala no relatório?
Alcebíades Costa Junior - Esse é um processo muito longo. Ela é ouvida, mas é um espectador, e não é incorporada nas Nações Unidas como documento. Só é considerado o ponto de vista do governo. Independentemente de ter ou não [participação no relatório], a sociedade civil está presente em vários países. Aqui no Brasil tem uma equipe grande fazendo monitoramento da Ungass. A sociedade civil vai continuar fazendo o "monitoramento-sombra". O governo pode ter o ponto de vista dele, mas nós vamos ter o nosso também.
Rets - Esse monitoramento não influencia nas metas que a ONU estabelece?
Alcebíades Costa Junior - Sim, por parte do governo influencia, porque essas metas vão ser realizadas e ainda tem a meta para 2010. Até para levantar o que foi cumprido, o que precisa ser aperfeiçoado, onde faltou investimento, tudo o mais. Isso é base para as nossas próprias ações, porque onde identificarmos mais problemas vai ser onde vamos batalhar por mais recursos. Temos como exemplo a questão do acesso aos medicamentos.
Rets - O objetivo é que tudo isso entre formalmente nos documentos na ONU?
Alcebíades Costa Junior - Sim, o nosso objetivo é que a ONU considerasse isso formalmente, não apenas do modo diplomático como é feito hoje. Hoje as ONGs são apenas observadoras, não têm o poder de incluir formalmente suas opiniões nesse relatório.
Rets - Qual a importância da entrada da fala das ONGs em documento oficial?
Alcebíades Costa Junior - De um modo geral, os governos têm um ponto de vista muito menos crítico. O próprio governo não vai fazer uma avaliação do seu trabalho de uma forma muito crítica. E aponta, assim como o governo fez com o relatório de 2003 das metas daquele ano, apenas os aspectos positivos. A sociedade civil considera que várias coisas foram construídas ao longo dos anos, desde 2001 para cá. Mas temos algumas críticas de implementação. As pessoas ainda morrem de aids, faltam recursos... a epidemia não está controlada como muitas pessoas pensam.
Então a sociedade civil tem uma visão muito mais crítica. Mesmo reconhecendo alguns avanços, vai apontar a necessidade de mais empenho, mais esforços governamentais, maior liderança, maior investimento nas comunidades de base, que é onde as ONGs trabalham. Como as ONGs estão mais próximas da base, elas, naturalmente, vão poder indicar onde faltou investimento.
A sociedade civil construiu muita coisa. Muito do que está aí foi graças à mobilização da sociedade civil, principalmente com as populações mais discriminadas, como os usuários de drogas. Todas as ações voltadas para usuários de drogas, profissionais do sexo e homossexuais são feitas pela sociedade civil. É a sociedade civil que entende essa população, trabalha com ela. O governo até faz uma coisa ou outra para apoiar alguns projetos, algumas campanhas, mas o trabalho de base é da sociedade civil. Então ela vai identificando onde errou, onde foi bom, os resultados qualitativos e quantitativos.
Rets - Com essa avaliação entrando formalmente em documentos da ONU, o senhor acredita que vá ter mais influência?
Alcebíades Costa Junior - Se a ONU considerar, eu acredito que sim. Até porque isso pode trazer mais comprometimento dos países que não vêm demonstrando compromisso, que não vêm investindo os recursos necessários. Se a sociedade civil conseguir incluir o seu ponto de vista, o seu posicionamento, as avaliações estarão mais afinadas com a realidade. Não é só o governo que trabalha, a sociedade civil também trabalha.
Rets - Por que o ministro não incluiu esse ponto na sua fala?
Alcebíades Costa Junior - Ele alegou ter pouco tempo, disse que tinha questões que para o ponto de vista do Brasil eram mais importantes. Realmente, eram apenas três minutos de fala para cada país. Ele alegou ter pontos mais importantes, como a questão do acesso aos medicamentos, que era a pauta da mesa dele. Apesar de ter ressaltado a importância da sociedade civil, faltou a questão da inclusão.
Rets - Qual a sua avaliação desse encontro?
Alcebíades Costa Junior - A minha avaliação era o que já se podia esperar. Os países africanos pedindo mais dinheiro, os países europeus falando que contribuem com isso e com aquilo, os EUA com uma fala muito parcial, dizendo que ajuda, mas sem detalhar exatamente nada. Esse encontro foi muito ruim, muito diplomático, não muito produtivo do ponto de vista da sociedade civil. A própria pauta indicava uma reunião preparatória para o encontro a ser realizado no ano que vem, que vai definir as metas mais importantes no eixo da Ungass. Aí, sim, essa próxima reunião será mais pesada, no sentido de apresentar aquilo que foi cumprido e o que não foi. Este ano é muito difícil. Além das metas, tem vários acordos internacionais, como por exemplo o "Three by five" [numa tradução livre, "Três em 2005", iniciativa que pretende dar acesso a medicamentos a três milhões de pessoas até o fim de 2005], que está longe de ser firmado. Por isso acho que a próxima reunião vai ser mais pesada, mais protocolada. Essa reunião de junho foi mais preparatória.
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