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Desafios e perspectivas para as organizações juvenis

Autor original: Joana Moscatelli

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Desafios e perspectivas para as organizações juvenis
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Em tempos nos quais o individualismo, o materialismo e a vaidade são identificados como valores capazes de caracterizar a nossa sociedade, soa estranho falar sobre associativismo espontâneo. Principalmente, quando afirmamos que a iniciativa parte da juventude que é uma parcela da população estigmatizada, considerada alienada e vulnerável. Parece mais estranho ainda quando afirmamos que - em muitos casos - esse agir coletivo tem como fim provocar mudanças positivas na realidade. Para quem está na postura de observador participante, não há nada de estranho. Ao contrário, tudo parece natural, espontâneo e legítimo. O objetivo deste texto é trazer um olhar de dentro dessa movimentação da juventude, ou melhor, desse movimento DE juventude. Compartilhar as reflexões realizadas por diversos grupos e organizações juvenis de várias partes do mundo sobre como eles se percebem e quais os desafios e perspectivas que apontam para a construção de um mundo melhor.

Primeiramente, faz-se necessário compreendermos o que vem a ser os grupos e as organizações juvenis. Os grupos juvenis se caracterizam como um conjunto de duas ou mais pessoas que se reúnem a partir de interesses comuns, afinidades e laços afetivos de forma espontânea, isto é sem indução. O grupo tem uma identidade, algo simbólico, que é compartilhada por todos os seus integrantes e que permite que os membros se auto-reconheçam como parte de um coletivo.

Há um processo dinâmico de formação e dispersão desses grupos e flexibilidade quanto ao seu foco de atuação que pode ser modificado ao longo do tempo. São grupos de skatistas, crew de grafiteiros, bandas de música, times de futebol, grupos de estudos, grupos literários, de teatro, de dança, entre outros. O grupo é o espaço em que o jovem se relaciona com seus pares, onde ele pode expressar seus pensamentos e sentimentos com liberdade, onde ele pode desenvolver parte significativa da sua percepção do mundo.

Esse associativismo juvenil nem sempre é visto com "bons olhos" pela sociedade que não percebe a singularidade de cada um desses grupos e tende a criar generalizações simplistas e estereótipos, apontando-os como "bandos", "galeras", "gangues", entre outras denominações pejorativas.

"... nos querem todos iguais, assim é bem mais fácil nos controlar. E mentir, mentir, mentir, e matar, matar, matar o que tenho de melhor: minha esperança" (Renato Russo)

De maneira natural, muitos desses grupos começam a estabelecer objetivos/propósitos comuns, compartilhados pelos seus integrantes e que lhes abrem caminho para a construção de uma metodologia de intervenção e atuação para alcançar esses objetivos comuns e compactuados. Podemos distinguir as organizações dos grupos juvenis principalmente pelas primeiras possuírem e perseguirem objetivos claros e compartilhados entre os seus membros.

É possível afirmar que a maioria das organizações juvenis, antes de poderem ser percebidas dessa forma, eram grupos juvenis. Essa transição não é simples, nem muito menos rápida. Para alguns grupos chegam a ser traumáticas e frustrantes e pode até ser identificada como o primeiro grande desafio a ser enfrentado. Na prática, significa ter que assumir algumas posturas e responsabilidades para as quais nem todos os integrantes podem estar preparados. Algo que transcende a relação de amizade e que para alguns representa um momento de ruptura. A realidade deixa de ser, por exemplo, fazer parte da banda, reunir-se para ensaiar e se apresentar, e passa a ser o resgate da cultura popular por meio da mobilização social e sensibilização de uma determinada comunidade.

As organizações juvenis, por sua vez:

a. Estruturam-se de uma forma alternativa, mais horizontal, sem hierarquia, nas quais a liderança surge de maneira natural, de acordo com a sua própria dinâmica.

b. São organizações que têm uma legitimidade dentro da sua área temática de atuação e que procuram construir parcerias com os movimentos sociais que atuam na mesma área ou em áreas afins.

c. À condição de ser reconhecida enquanto uma organização juvenil, não está implícito o propósito de desenvolver projetos para a juventude ou de lutar pelos direitos dos jovens. As organizações juvenis atuam nas mais diversas áreas: combate à pobreza, democratização dos meios de comunicação, combate à violência, erradicação do analfabetismo, saúde, cultura, meio ambiente, entre outros.

d. São mais flexíveis na sua organização e no seu planejamento. Possuem idéias de soluções alternativas e inovadoras e vêem a realidade de uma forma simples sem estar presas a conceitos e a estruturas pré-estabelecidas. Algumas são formalmente legalizadas, outras não. Não é a legalização burocrática que as definem enquanto uma organização.

e. Os seus membros acreditam no que fazem, a motivação vem da inquietação deles. Por isso, há um forte vínculo com seus ideais e valores.

f. A sua ação é basicamente focada no local, mas acompanham e contribuem com o que acontece no global. Por atuarem no local, as organizações juvenis são espaços naturais de discussão política, bem como de influência na formulação e na decisão políticas.

Essa juventude organizada em coletivos acredita que pode contribuir para transformar a sociedade. Mas a sociedade acredita de fato nesse potencial da juventude? As organizações juvenis apontam como grandes desafios a serem superados: a falta de reconhecimento da sociedade (comunidade, governo, outras organizações) para com elas; a falta de apoio de outros atores da sociedade para o seu desenvolvimento e o rótulo de ser eternamente inexperiente. Para a maior parte dos adultos, é difícil perceber valor nas ações empreendidas pela juventude, perceber as organizações juvenis como parceiras estratégicas na promoção do desenvolvimento. O lado positivo das organizações juvenis parece ser apenas a possibilidade de poder tirar os jovens da ociosidade.

Algumas organizações não governamentais e governamentais (órgãos e secretarias) estão estimulando jovens que participam de seus programas a se organizarem em grupo e tentarem desenvolver ações. Esse tipo de comportamento reflete uma preocupação dessas organizações sobre o futuro do jovem depois que o programa termina. Elas acreditam que estimular a formação de grupos juvenis é uma alternativa para garantir algum tipo de participação social para esses jovens.

Esse texto não fala sobre esse tipo de associativismo juvenil induzido. O objetivo é dar ênfase aos grupos e às organizações juvenis que surgem de maneira espontânea a partir de estímulos endógenos e que lideram suas próprias ações de maneira autônoma. A sociedade precisa sim reconhecer a singularidade dessas organizações e criar programas, políticas e projetos de apoio. As organizações juvenis querem:

a. O reconhecimento do seu potencial para provocar mudança.

b. Possibilidade de um verdadeiro diálogo intergeracional, com transparência e igualdade.

c. Construir a sustentabilidade das suas ações e dos seus indivíduos, os quais atuam na maior parte das vezes de maneira voluntária. Conciliam diariamente o desafio de ter um trabalho dentro da lógica do sistema para se manter e o desejo de querer alterar esse sistema.

d. Apoio técnico para desempenhar os papéis que desejam na sua proposta de intervenção.

e. Espaço para trabalhar (sede, equipamentos, acesso a computadores e a internet...)

f. Oportunidades de financiamento que valorizem as suas propostas alternativas de mudança social.

Por outro lado, a juventude reconhece que existe muita coisa que depende apenas dela. É preciso haver mais diálogo entre essas organizações juvenis, Promover auto-organização e auto-articulação, formar redes, saber conviver com as diferenças dentro do movimento de juventude e fora dele também.

Já tem muita coisa importante acontecendo devido ao trabalho de organizações juvenis, mas a juventude precisa ter mais do que a própria força para promover mudanças reais. A sociedade precisa acreditar nesse potencial! Se não, "que se faça o sacrifício e cresçam logo as crianças" (Renato Russo) .

Este texto foi escrito com base nas sistematizações realizadas pela Academia de Desenvolvimento Social de atividades promovidas por ela em parceria com outras organizações juvenis: Seminário Movimento Juvenil – setembro de 2004; Reunião com Grupos Juvenis do Grande Recife - outubro/2004; Oficina no Fórum Social Mundial - janeiro/2005.


Angélica Rocha (angelica@academiasocial.org.br)






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