Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Artigos de opinião
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Arlene Sant’Anna*
Diariamente a mídia divulga notícias sobre questões relacionadas às drogas no país: tráfico, mortes, violência, dramas familiares etc. O assunto drogas é enfocado na ficção de telenovelas, em filmes, em programas de aconselhamentos, em discursos religiosos, em discursos científicos seja na mídia impressa, seja na mídia eletrônica, ou até na informalidade de qualquer comunidade social. As famílias que têm adolescentes vivem aos sobressaltos com a simples idéia de que seus filhos possam se envolver em drogas, e as famílias que têm usuários de drogas em casa sofrem com as conseqüências que o vício traz ao lar. Pode-se dizer que se tornou um assunto banalizado, assunto do cotidiano, porém não se pode ignorar que é extremamente preocupante e, de uma forma ou de outra, todos estão envolvidos, como expectadores ou como participantes de algum processo de compreensão, de prevenção, de informação, de contribuição.
Assim, no início de 1996 começou a veiculação de anúncios televisivos de prevenção às drogas, produzidos pela ONG Associação de Parceria Contra as Drogas (APCD). Porém, o discurso adotado no início da campanha era autoritário, por tentar manipular por intimidação. As drogas eram apresentadas como o opositor da ordem social, o vilão que subvertia o comportamento de indivíduos e, conseqüentemente, instalava o caos na família, na comunidade e na sociedade como um todo. O consumo das drogas tendia a desestabilizar a ordem da sociedade.
Na campanha de 1996 até 1998, as drogas eram mostradas, como se elas surgissem do nada, como se elas tivessem vida própria e buscassem a ‘próxima vítima’, como se fossem o ‘bicho papão’ para punir jovens desavisados, que querem se auto-afirmar para serem aceitos por seus pares e, até, para punir os pais que não dão atenção aos filhos ou que não favorecem o diálogo. A manipulação por intimidação mostrava o que acontece a quem não parar de consumir drogas ou a quem quisesse usar drogas; o indivíduo era ameaçado: com a morte por overdose, vida vegetativa, decadência, rejeição da família, exclusão social, perda de anos de vida, perda de integridade moral e dependência, prática de atos ilícitos, perda de liberdade etc.
Era um discurso de autoridade de conhecimento haja vista que, por ser texto televisivo, propicia a verossimilhança, o que produz efeito de verdade, de realidade, de fato ocorrido. Isso até poderia favorecer a persuasão, pois o expectador identificaria, no discurso, a cópia da realidade, já que a memória discursiva remeteria a alguns fatos veiculados na mídia a respeito das drogas. Assim, o discurso se investia de sentido de verdade, pois os anúncios poderiam ser reconhecidos pelo senso comum, divulgados pelo meio televisivo constantemente.
Em todos os anúncios, os temas subjacentes revelavam os valores de que tratava o discurso, estabelecidos pelo senso comum. Primeiro, os relacionados à família, ou seja: os filhos devem respeitar os pais, ouvi-los, aceitar a proteção e entender a preocupação dos pais, colaborar para a estabilidade material e emocional da família. Por outro lado, os pais devem propiciar o diálogo, estarem atentos ao que os filhos fazem, estarem informados a respeito das drogas. Segundo, os relacionados à sociedade, ou seja, respeito ao patrimônio público, respeito às leis, produtividade concernentes ao exercício de profissão, à educação, à manutenção da saúde e da ordem. Há ainda os valores relativos ao cultivo e à prática de valores de formação moral (honestidade, sensatez, equilíbrio, verdade, discernimento e integridade).
No entanto, esses são os valores socioculturais da visão de mundo da classe dominante, valores que devem ser preservados e defendidos para manter a ordem social o que não refletiam a realidade brasileira do consumo de drogas, pois, segundo o Centro Brasileiro de Informações às Drogas (Cebrid), o consumo é muito maior nas classes menos favorecidas. Em face disso, os anúncios veiculados na televisão não apresentaram eficiência no discurso apresentado haja vista que não contemplavam o público exigido. Vale destacar que a iniciativa foi válida por parte da ONG e que esta fez sua contribuição onde o governo trata com descaso tal questão social. Vale ressaltar também que o Brasil é a principal rota de distribuição de drogas para o mundo.
Em 2003, a APCD produziu um novo tipo de apelo nos anúncios televisivos. Mudou seu discurso, transferindo ao usuário a responsabilidade do aumento de consumo de drogas. Nos anúncios de 2003, os textos apresentam o discurso de que o usuário alimenta o tráfico e a violência. Não se pode desprezar este novo discurso, pois acredito que está mais próximo da realidade constatada no nosso cotidiano, mas não vamos esquecer que o consumo de drogas está aliado a vários fatores: formação do indivíduo, estrutura familiar, cultivo de valores, desigualdade social, prazer efêmero que a droga propicia etc. O jovem, de maneira geral, já tem a característica de infringir normas, de tentar experiências novas, de ousar, de se sentir onipotente, herói, “dono da verdade”. Não se pode esquecer daqueles que usam as drogas para se sentirem auto-suficientes, para buscarem refúgio nas drogas por quaisquer problemas que possam se deparar ou até daqueles que se aliam a traficantes etc.
E perguntamos: qual é a solução para a prevenção ao uso de drogas? Por enquanto sabe-se que o problema é bastante complexo. Entretanto, acredito que a constância da veiculação das campanhas no meio televisivo já é um caminho, pois sabemos do potencial de alcance deste meio, assim como sabemos da influência que exerce nas pessoas. É importante que não seja usada só eventualmente ou em datas prévias, mas com constância e, para isso, deveria haver um consenso geral de empresários além do esforço do governo para apoiar a iniciativa. Assim como acredito que devem-se elaborar campanhas para atingir os mais diferentes segmentos da sociedade, pois as drogas estão aí, disseminadas, e, pior, surgindo com novas especificidades. Ou seja, não há só a maconha, a cocaína, o crack, mas as sintéticas como o ecstasy, por exemplo.
Atrevo-me a ser alarmista, pois é uma epidemia, destruindo jovens, famílias, superlotando presídios além da violência instalada, pois sabe-se que as estatísticas apontam, como causa da violência, a ação das drogas.
*Arlene Sant’Anna é professora de Lingüística e Semiótica do curso de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e mestre pela Universidade de São Paulo (USP), com o trabalho "A Análise do Discurso da Propaganda de Prevenção às Drogas", que analisou cerca de 25 anúncios televisivos.
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