Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original:
As organizações, os movimentos e os cidadãos e cidadãs que este subscrevem vêm, de público, com profundo sentimento de indignação e revolta, manifestar seu repúdio a qualquer tentativa de desvinculação das verbas constitucionais destinadas à saúde e à educação e a diminuição dos gastos sociais.
Nos últimos dias, vem crescendo nos meios de comunicação o debate sobre a proposta de se atingir o "déficit nominal zero" nas contas públicas do país.
Arquitetada pelo deputado Delfim Netto (PP-SP), o mesmo que na década de 70 prometeu que após o bolo crescer seria distribuído, foi apresentada ao governo federal e aos empresários como uma alternativa viável para que a relação existente entre a dívida líquida do setor público e o PIB possa cair aceleradamente, permitindo assim, segundo ele, que os juros também sejam reduzidos, o que provocaria a liberação progressiva de mais recursos públicos destinados aos investimentos.
Para isso os recursos destinados à área social, entre eles os vinculados para a educação e saúde, seriam destinados para o pagamento dos juros da divida. Também esta proposta, se for aceita, poderá acarretar mudanças nos fundos constitucionais. Em outras palavras, para alimentar a especulação financeira. Não basta mais fazermos superávit primário, os donos da riqueza – o dito "mercado" – querem mais e mais.
Na verdade, a proposta é uma forma de as elites brasileiras se apropriarem cada vez mais dos recursos públicos, através do pagamento de juros e da divida. Isso significa dar mais dinheiro público aos bancos, à tesouraria das grandes empresas, às pessoas físicas com muitas propriedades e ao mercado financeiro em geral. Além disso, não há, internacionalmente, evidência empírica alguma de que essa medida ocasione a queda dos juros.
É importante assinalar que a desvinculação dos recursos sociais foi também previamente discutida com o FMI, em dezembro de 2003. Fica evidente que querem que se abra mão da autonomia de decidirmos, nós próprios, sobre o melhor critério de ordenamento de nossas contas públicas.
Os recursos que a Constituição garante para a saúde e para a educação constituem uma conquista histórica do povo brasileiro, que tem assegurado um fluxo mínimo dos recursos sociais, que são, mesmo assim, reconhecidamente, insuficientes. A vinculação dos recursos sociais tem sido, recorrentemente, burlada pelos governos, seja por meio de subterfúgios, como a tentativa de inclusão de outros programas assistenciais no orçamento da saúde, seja pela aprovação e renovação de medidas que permitem a retirada de parte dos recursos sociais para serem usados pelo governo em outras ações. Por meio deste expediente, conhecido como Desvinculação das Receitas da União (DRU), o governo já retém 20% de todos os recursos tributários do Orçamento da União, deixando de repassá-los a suas destinações sociais. Na proposta do deputado Delfim, este percentual aumentaria para 40%. Isto implica, por exemplo, que o Governo poderia deixar de repassar, anualmente, mais de R$ 6 bilhões ao setor de educação e saúde.
A argumentação usada que isso exigiria um sacrifício por curto tempo da sociedade e que depois tudo melhoraria é de um cinismo político que só demonstra o verdadeiro caráter da proposta: o descompromisso total e irrestrito das elites brasileiras e dos "donos do poder de plantão" com a qualidade de vida da população, tendo como manter seus privilégios financeiros às custas dos recursos públicos.
A intenção manifesta de acabar com as vinculações orçamentárias é apenas mais um fato nesse jogo espúrio, voltado para a progressiva privatização do Estado brasileiro e o aniquilamento de sua capacidade de realização de políticas públicas universais, como é o caso da saúde e da educação. Curiosamente, um governo que faz questão de salientar que cumpre os contratos está insistentemente violando o contrato social feito com a nação brasileira que a Constituição Federal representa.
Priorizar o pagamento de juros e cortar gastos sociais exprime uma hierarquização das decisões de gasto, pela qual o pagamento de juros é tido como inadiável. Se pudéssemos alterar tais hierarquias e declarar inadiáveis os direitos sociais, a leitura da problemática do financiamento público seria construída de outra maneira, não mais em torno ao caráter “perdulário” do gasto fiscal, mas sim em torno do equívoco e da prepotência de uma política de juros que vem sacrificando o bom desempenho das contas públicas, endividando os brasileiros e comprometendo a capacidade de financiamento das políticas sociais, tudo isso em nome de uma estabilização fiscal nunca concretizada.
A sociedade exige que o governo cumpra seu contrato com a nação e implemente urgentemente os direitos sociais previstos na Constituição de 88.
Em 5 de julho de 2005.
Organizações, movimentos sociais, cidadãos e cidadãs interessados em subscrever o manifesto devem encaminhar as assinaturas para o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc): moroni@inesc.org.br.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer