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Planos de saúde e consumidores: debate amplo

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Lumena Sampaio*







Planos de saúde e consumidores: debate amplo
Ilustração: Peter Kuper

A tendência de formarmos uma opinião a partir de aspectos visíveis ou palpáveis de uma situação pode comprometer o resultado final pois uma visão parcial pode desconsiderar aspectos essenciais de uma questão, tendendo à superficialidade.

Se lançarmos a pergunta “o que está em jogo no debate sobre planos de saúde e respeito aos direitos dos consumidores?”, muitas respostas recairão naquilo que é visível. No entanto, a questão envolve um contexto mais amplo: a implementação da política nacional de defesa do consumidor.

Os planos de saúde denunciam a inadequação de um arranjo de instituições e regras voltados para substituir o aparato governamental tradicional, cuja competência e atribuição é normatizar e regular o segmento da saúde suplementar. A idéia de agência reguladora traria consigo expectativas de maior transparência, agilidade e independência em relação a influências políticas e econômicas na regulação de atividades específicas, uma vez que grandes aparatos burocráticos, tais como ministérios, estariam mais sujeitos a estes tipos de interferência. O que temos visto, contudo, é que a ANS se omite, é protagonista de medidas atrapalhadas, e por conseqüência deixa a desejar quanto à sua finalidade.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar foi criada supostamente para equilibrar o mercado de consumo de planos de saúde, especialmente as relações desgastadas entre consumidores e fornecedores. Entretanto, estatísticas dos órgãos de defesa do consumidor evidenciam a problemática que se instalou, e parece longe de ser viabilizada. Embora de caráter periférico, já que a problemática tem proporções expressivas, esse indicador revela que grande insegurança está relacionada ao papel da Agência.

Por isso, o Idec – ONG que está à frente da defesa dos direitos de consumidores neste debate - enviou representação ao Ministério Público Federal para apreciar a conduta da ANS. Acolher o tema “planos de saúde” significa questionar a origem de tantos desmandos.

Singelamente, colocando a conduta da ANS na linha do tempo, observaremos que nos últimos anos, após ter sido criada por Lei, em 2000, o órgão, por meio de resoluções conseguiu criar um emaranhado de normas. Determinações antes restritas ao âmbito jurídico e, sujeitas a todos os trâmites legais estabelecidos, passaram ao âmbito administrativo, como resoluções, termos e outras normas de natureza bem menos universal e democrática.

Os trabalhos da CPI sobre planos de saúde em 2003 – que foi motivada por uma pesquisa realizada pelo Idec em 2002 - resultaram em recomendações à Agência. Em 2004, a ANS lança o Programa de Incentivo à Adaptação dos Planos de Saúde (Piac), através da Resolução Normativa 64, medida essa suspensa liminarmente por um período de dois meses, mas que de qualquer maneira não atingiu o objetivo, qual seja a adaptação ou migração dos contratos antigos.

Ainda em 2004, a ANS subscreveu Nota Técnica do DPDC defendendo o reajuste anual de 11,75% para os contratos antigos e novos, mas em dezembro assinou dois Termos com cada operadora. Um Termo de Ajustamento de Conduta obrigava a adoção do percentual determinado pela Agência e o outro criava um mecanismo de burla a esse mesmo parâmetro, já que permitia o repasse oriundo de suposto aumento dos custos médicos e hospitalares por meio de um reajuste residual. Não bastasse o vai e vem, editando uma regra e depois uma exceção, a ANS repetiu o feito nesse ano: determinou pela Resolução Normativa 99 o percentual de reajuste anual em 11,69%, mas um mês depois editou a Resolução Normativa 106, criando a exceção para as operadoras que celebraram os ditos Termos de Ajustamento e Conduta.

O que está em jogo, portanto, é o modelo de gestão e as regras do segmento de planos de saúde.

Importante lembrar, afinal, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, conforme prevê o artigo 196 da Constituição Federal.

Estamos falando de um direito constitucional. O cidadão conta com isso.

*Lumena Sampaio é advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), www.idec.org.br.






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