Autor original: Marcelo Medeiros
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No dia 26 de julho, uma notícia pegou as ONGs de surpresa. O jornal O Estado de São Paulo trazia reportagem na qual Jorge Eduardo Saavedra Durão, diretor da Fase e da Associação Brasileira de ONGs (Abong), era citado como um dos supostos beneficiados por recursos distribuídos pela agência de publicidade SMP&B, de Marcos Valério, acusado de ser o mentor do esquema do "mensalão". A matéria revelava um depósito da agência para a Abong, em nome de Durão, no valor de R$ 500 mil. Indignado, o diretor da Abong afirma, em entrevista exclusiva, que pensa em processar o diário paulista, que, segundo ele, foi “malicioso” e não deu espaço para respostas. Durão afirma que a operação foi totalmente legal e que nada foi depositado em seu nome, mas no da instituição que dirige. Tratava-se, explica, de patrocínio da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) para o Fórum Social Mundial. À SMP&B, como agência dos Correios, coube efetuar o depósito. O episódio, de acordo com Durão, serve para refletir sobre o momento político que vive o país. O Brasil estaria à beira de uma crise institucional muito grande e caberia às ONGs retomar seu papel de crítica e de educação política para contornar a situação. “Afinal”, ironiza, “não foram os movimentos sociais que abriram mão de um projeto político de transformação.social “. Nesta entrevista, ele mostra que a Abong e outras instituições já se mobilizam para provar isso. No dia 16 de agosto será lançado um novo movimento, chamado “Democracia é com Ética”, o qual pretende pressionar o Congresso a punir os envolvidos nas denúncias de corrupção.
Rets - Como surgiu a denúncia de envolvimento com o escândalo do "mensalão"?
Jorge Eduardo Durão - O Estadão distorceu o fato que ele mesmo estava denunciando. Houve um depósito feito pela agência de publicidade SMP&B na conta da Abong. E o Estadão, por sua conta e risco, colocou que tinha sido em meu nome. Na verdade, meu nome só aparece no recibo que a Abong deu aos Correios.
Conversei com algumas pessoas e elas me explicaram como funcionam essas transações. Algumas empresas estatais possuem um departamento de marketing, responsável pela transferência de recursos de publicidade. Essas empresas normalmente fazem pagamentos diretamente, mas outras, que não têm a mesma estrutura, contratam o serviço de agências.
Há um decreto de 2003 determinando que isso sempre passasse pelas agências, mas não sei como é feita a aplicação. No caso do Fórum Social Mundial, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Infraero fizeram o depósito diretamente. Só no caso dos Correios houve intermediação, e isso foi algo tão irrelevante para nós que ficamos totalmente surpresos quando surgiu a notícia. Não nos lembrávamos disso, pois, na verdade, o único contato entre a SMP&B e a Abong foi essa transferência. Nunca houve nenhuma reunião, tudo foi feito com os Correios.
A contrapartida foi evidente: havia um estande no FSM e participei de um evento de lançamento de um selo comemorativo dos Correios como parte do acordo.
Portanto, pelo que já apurei, haverá outras entidades na mesma situação. Está claro que as mesmas empresas que operavam esse esquema também operavam em atividades normais dos Correios.
Rets - Então você, Jorge Eduardo Durão, não teve nenhum contato com a agência?
Jorge Eduardo Durão - Não. Acho que vou processar o Estado de São Paulo por danos morais. Só não digo que vou pois ainda preciso me informar melhor sobre os custos e dificuldades. Mas foi algo visivelmente malicioso.
Rets - Haveria alguma intenção de atingir as ONGs em geral?
Jorge Eduardo Durão - O Estado de São Paulo faz ataques a ONGs sistematicamente e nós nunca conseguimos responder. Eles não abrem espaço nenhum para nós. É um jornal extremamente retrógrado, que desde suas origens defende o beneficiamento de setores pelo poder público. Desde a oligarquia cafeeira, no começo de sua história, até o agronegócio atual.
Rets - Há possibilidade de surgir alguma irregularidade no contrato entre a SMP&B e os Correios que em algum momento possa afetar a imagem da Abong?
Jorge Eduardo Durão - Não há. A ECT fez um contrato amplo de serviços de publicidade com a SMP&B. Se há algum desvio na relação entre a empresa e a agência, não faço idéia. Isso a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) deve investigar.
Rets - No começo do atual governo, a Abong expressava esperança com os rumos do país. Como fica agora a relação da entidade com o governo em relação à construção de políticas públicas?
Jorge Eduardo Durão - A Abong mantém uma postura crítica. Há pouco dias estive no Fórum Franco-Brasileiro, evento que faz parte do Ano do Brasil na França. No encerramento, o presidente Lula apareceu. Critiquei a falta de coerência entre o que propunha com o governo da França, em termos de criação de novas taxas internacionais para o combate à fome e à pobreza, e a política econômica do Brasil, que impede a redução das desigualdades.
Falei isso na presença do presidente da República. A Abong subscreveu, junto com a Coordenação dos Movimentos Sociais, um documento em que mais uma vez exigimos a mudança da política econômica e a apuração de todos os casos de corrupção.
Só podemos ter uma posição: completa independência em relação ao governo e exigir que tudo seja apurado, atinja quem atingir.
Rets - Existe uma identificação histórica das ONGs com membros do atual governo. Essa relação pode servir para arranhar a imagem das ONGs?
Jorge Eduardo Durão - Evidente, mas depende da capacidade das ONGs de manterem sua independência política para que isso não aconteça. Estou otimista. Nos últimos dias participei de reuniões de um grupo que está se constituindo, mas ainda não tem nome definido. Deve ser algo como “Democracia se faz com ética”. Senti que já foi dado um grande passo para a conscientização em torno da idéia de que neste momento não dá para fazer nenhuma concessão em nome de uma trajetória em comum. Afinal, não foram os movimentos sociais que abriram mão de um projeto político de transformação.social.
O governo tem uma grande contradição: não tem como mobilizar apoios na sociedade porque não tem como atingir os objetivos desses segmentos. Não há nada mais absurdo do que ver o governo nesse diálogo com o [ex-ministro] Delfim Neto sobre essa proposta impopular e chocante de se obter déficit nominal zero. Isso significaria estrangular as políticas sociais para levar adiante uma austeridade fiscal que só não é austera com os credores da dívida pública, que já lucraram vários PIBs [Produto Interno Bruto] graças à manutenção de altas taxas de juros.
Rets - Poderia explicar mais sobre o movimento “Democracia É com ética”?
Jorge Eduardo Durão - É um grupo de entidades que vem se reunindo em Brasília e provavelmente será lançado oficialmente no dia 16 de agosto. Esse conjunto de entidades, que lançou há algumas semanas a Carta ao Povo Brasileiro, luta por uma reforma econômica, política e pela participação popular.
Rets - Quais são as reivindicações?
Jorge Eduardo Durão - Não posso antecipar detalhes, pois ainda há pontos em aberto, mas uma coisa é consensual em relação à reforma política: financiamento público de campanhas. Em relação à corrupção, que se apure tudo, se afastem todos os culpados e que sejam punidos corretamente. Não fazer nenhum tipo de “acordão”. Nos preocupa bastante esse ambiente de acordo entre governo e oposição, a idéia de que se todos meteram a mão na lama é preciso fazer um acordo institucional. Isso, sim, geraria uma crise institucional. A única maneira de evitar algo assim é apurar tudo o que foi feito por governo e oposição.
Rets - No que o financiamento público de campanhas pode melhorar a vida política brasileira?
Jorge Eduardo Durão - A base do esquema do mensalão é o recebimento de fundos públicos e privados para montar caixa para campanhas. Se você proibir esses financiamentos e tornar o caixa dois um crime inscrito no código penal, em vez de ser crime eleitoral, seriam passos para coibir esse tipo de ação.
Mas é claro que isso é bastante complicado, pois envolve outras questões que ainda não estão resolvidas. Por exemplo: se você tem uma lista única partidária, torna mais fácil o financiamento público. O atual sistema, no qual o candidato de um partido concorre com outro do mesmo partido, torna muito mais difícil o controle dessas práticas. Outros problemas são essas eleições à base de publicitários. São campanhas com custo exorbitante. O ideal seria disciplinar as campanhas, sem voltar aos retratinhos da ditadura, mas distante desse espetáculo caríssimo.
Rets - No começo do governo havia uma grande esperança também por parte da opinião pública, mas houve essa reviravolta. Ainda é possível acreditar na política nacional?
Jorge Eduardo Durão - A opinião pública precisa acreditar na política. Nós que defendemos a democracia participativa e representativa temos um papel a cumprir nesse momento, indo para as ruas, intensificando o diálogo entre vários setores, agindo como cidadãos. O exercício da cidadania é fundamental nesse momento.
O papel das organizações da sociedade civil, não só das ONGs, mas também dos sindicatos, movimentos sociais, OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e outras que não têm caráter partidário, é manter viva a chama política.
Completei 60 anos recentemente e, no meu aniversário, cheguei a afirmar que, com os amigos que tenho, fico tentado a me retirar da vida pública. mas acho que não podemos fazer isso em hipótese alguma. Temos que nos mobilizar. é uma crise muito séria, com elementos para uma crise institucional muito séria.
Rets - Essa crise traz riscos para a democracia?
Jorge Eduardo Durão - A pergunta sobre a credibilidade já é expressão de um dos riscos. Outro risco é de haver uma fratura na opinião pública. De um lado está um presidente com apoio popular, de outro uma oposição que já fala em impeachment – apesar de ninguém ter proposto – e também esse Congresso, que enquanto não fizer uma limpeza interna não vai recuperar sua credibilidade. Ou seja, são ingredientes explosivos.
Há também uma dimensão fundamental, que acho que deveria ser apurada dessa vez: o papel do poder econômico, das empresas. Fico revoltado quando abro o jornal e leio que duas instituições financeiras, duas multinacionais e um grande grupo nacional foram identificados pela CPI dos Correios. Por que não dão o nome dessas empresas e desses bancos? Aí aparece um cidadão motorista de sicrano, que não tem responsabilidade sobre nada, e é ligado ao escândalo. Ou seja, os corruptores continuam encobertos.
Rets - E qual é o papel das ONGs nesse momento?
Jorge Eduardo Durão - Devemos retomar nosso papel educativo, produzindo material informativo para entrar nessa discussão. Além disso, é preciso enfrentar o giro à direita dado pelo governo, como a mudança de cargos no Ministério das Cidades, o rebaixamento da Secretaria de Direitos Humanos, e com a ameaça de o mesmo acontecer com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. Também é papel se engajar numa campanha ampla da sociedade civil para atuar como um ator coletivo.
Rets - Como elas podem fazer isso, se muitas são dependentes de recursos governamentais?
Jorge Eduardo Durão - Isso precisa ser esclarecido. O financiamento é público, pertence à sociedade e não ao governo. Você quer saber se as ONGs têm condições de manter sua independência política. A ONG que não consegue fazer isso está condenada a, num primeiro momento, ser desacreditada e não ter muito futuro. Precisamos diversificar as fontes de financiamento, pois não há nenhum recurso que não possua algum tipo de condicionalidade. Se recebo fundos da cooperação internacional, também estou submetido a condicionalidades. Algumas possuem contribuições privadas. O ideal é obter um mix para atingir autonomia.
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