Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() Luis Felipe sobre foto de Argus Caruso Saturnino | ![]() |
Liminar concedida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, suspendeu, em 26 de julho, dispositivos da Medida Provisória nº 2.166-67/01 que tratam da autorização para desmatamento em Áreas de Proteção Permanente (APPs). A MP altera o Código Florestal Brasileiro (Lei 4771/65), delegando ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), a responsabilidade de determinar os casos excepcionais que possibilitem a supressão de vegetação e intervenção nessas áreas. Jobim acatou o pedido de liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) apresentada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza.
Segundo argumentou o procurador-geral, de acordo com a Constituição, somente a lei formal (aprovada pelo Congresso) pode autorizar a alteração dos espaços territoriais especialmente protegidos. A instituição sustentou que o Conama estaria prestes a autorizar, por meio de resolução, o gestor ambiental local a suprimir a vegetação de uma área de preservação permanente para fins de "empreendimento de mineração", atividade de alto impacto ambiental, daí a necessidade de liminar.
Com a decisão do STF, o Conama, que ia discutir uma resolução sobre o tema no dia seguinte à decisão, resolveu suspender os debates. A resolução abriria exceções para que os órgãos ambientais permitissem a retirada de vegetação de áreas como margens de rios e lagos, nascentes, topos de morros, regiões muito inclinadas, manguezais e dunas, desde que fossem adotadas ações compensatórias de preservação de outras áreas. A intenção do Conama é estabelecer critérios para definir as atividades passíveis de serem realizadas em APPs em virtude de “interesse social” ou “utilidade pública”.
André Lima, advogado do Instituto Socioambiental e representante das organizações não-governamentais de âmbito nacional no Conama, confirma que enquanto a liminar estiver em vigor o debate no Conama estará suspenso. A decisão do ministro será apreciada pelo plenário na próxima semana, quando se encerra o recesso judiciário.
A liminar não impede que o Conselho discuta e vote a matéria, mas, na prática, suspende os efeitos da resolução (caso seja aprovada) até que seja julgado o mérito da Adin. Além disso, enquanto a decisão final não é tomada, estão suspensos todos os processos de licenciamento para atividades em APPs em curso no país.
Só em 2004, o estado de São Paulo concedeu 18 mil licenças para essas áreas. Agora, quem precisar de licença ambiental para áreas de preservações terá de recorrer às assembléias legislativas ou ao Congresso e não mais aos estados, municípios ou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A Advocacia Geral da União já recorreu da medida cautelar.
“A medida compromete construções de pontes, usinas hidrelétricas, pavimentação de estradas e até as obras da Vila Olímpica para os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro. Também serão prejudicados com a medida diversos projetos de urbanização nas capitais”, destacou reportagem do Correio Braziliense no dia 2 de agosto.
Manifesto
A medida, que tem dividido opiniões dentro da sociedade civil, foi comemorada pelo Coletivo das Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo cadastradas no Consema (Ceac-Consema). Logo após a aprovação do texto-base da resolução, no dia 19 de maio, a entidade apresentou uma Moção de Agravo ao Conama. O documento pede a revisão imediata do processo de debate da resolução, de modo que “seja sobreposto o interesse ambiental ao interesse econômico, não condenando as APPs para servirem à lógica do mercado e do lucro, legalizando os irregulares, com enorme prejuízo aos princípios e valores ambientais”.
As ONGs signatárias do documento avaliam que o texto-base para a futura resolução contém “enorme subjetividade técnica e jurídica”. Segundo o manifesto, tal medida pode criar “distorções e permissividades, pois os termos são imprecisos e genéricos”. Essa preocupação se baseia em uma das considerações expostas pelas ONGs, segundo a qual “os órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) têm graves deficiências estruturais e operacionais já constatadas, como a falta de materiais e equipamentos, debilidade orçamentária e insuficiência de pessoal, entre outras”.
Assim, as ONGs questionam também a aplicabilidade da resolução. Na visão delas, os órgãos ambientais receberiam uma imensa responsabilidade para a qual não estão preparados.
O manifesto reivindica ainda a realização de audiências públicas sobre o tema em todas as regiões do país. Assim como a suspensão do processo de debates sobre a resolução, o pedido de ampliação dos debates entre a sociedade civil também deverá ser atendido. As audiências públicas devem ter início nos próximos meses. Em sua decisão, o ministro Jobim ressaltou que, com a liminar, será possível uma análise mais aprofundada sobre o tema.
“É importante buscar um debate em todo o território nacional para ouvir setores especializados na área e abrir a discussão sobre esse tema para a população”, diz Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) e membro do Coletivo das Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo.
Em resposta ao manifesto, a Secretaria do Conama divulgou uma nota, no dia 10 de junho, em que afirma ter envolvido, desde 2002, a participação de representantes diversos setores - inclusive ONGs ambientalistas – nas discussões sobre a proposta de resolução.
O órgão afirma que, concomitantemente às discussões sobre esta resolução, o MMA e o Conama iniciarão, neste semestre, debates públicos sobre a recomposição, recuperação e restauração de APPs e reserva legal. Estes debates servirão de insumo para as discussões de duas novas resoluções do Conama que tratarão do tema, além de base para um maior esclarecimento público sobre a importância destas áreas e a necessidade de regulamentação de seus usos.
“Esta proposta de resolução é fundamental para que um tema tão importante como as APPs seja tratado com seriedade”, reforça a nota.
Divergências
A possibilidade de realização de atividades de mineração nas APPs é um dos pontos mais polêmicos da resolução, pois trata-se de uma atividade de alto impacto. Segundo o Ministério de Minas e Energia, 80% dos minérios encontram-se em algum tipo de APP.
As entidades contrárias à resolução se queixam de que, se aprovada, a medida flexibilizará a legislação ambiental pátria em prol dos interesses do setor produtivo. “Essa resolução é voltada para o atendimento a setores econômicos, principalmente o de mineração”, enfatiza Carlos Bocuhy. Outro problema que a aprovação dessa resolução poderia criar, segundo ele, seria a possibilidade de uso das APPs pelo setor imobiliário especulativo.
André Lima reconhece a complexidade dessa matéria, mas defende a importância de uma resolução do Conama para controlar o avanço dessas atividades sobre as APPs. “Dizer que não vai haver atividade de mineração em APPs é inviável. Por isso é necessário ter uma resolução do Conama que defina quais serão exceções e, dentro dessas exceções, os critérios e procedimentos a serem respeitados.”
Outro ponto polêmico é a possibilidade de que as exceções discutidas pelo Conama fiquem nas mãos do Congresso. “O risco de as APPs serem subvertidas é maior no Congresso do que no Conama”, acredita André Lima. O Conama quer reforçar a sua competência para concluir esse debate e votar a matéria. “O Código Florestal delegou ao Conama a função de regulamentar essas exceções, nos limites da lei.”
Bocuhy rebate esse argumento com outro que considera a verdadeira causa do problema: “O que gerou essa polêmica foi o mau produto gerado pelo Conama. A minuta é tão ruim que gerou mais de 100 emendas”, enfatiza. Uma boa resolução, segundo ele, deveria priorizar a preservação ambiental e não os interesses do setor produtivo. “Temos que garantir a proteção das APPs”, ressalta.
Apesar da polêmica, todos concordam que as divergências sobre a resolução têm pelo menos um ponto positivo: suscitar o envolvimento da sociedade civil nos debates sobre os meios operacionais de implementação da gestão ambiental no Brasil.
“O interesse atual das entidades ambientalistas que assinam o manifesto de agravo é uma boa notícia para o Conama e o MMA, já que o esforço tem sido sempre de envolvimento da sociedade brasileira nos debates relevantes para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável”, diz a nota do Conselho.
Em artigo publicado no boletim do Ambiente Brasil, Bocuhy reforça a importância dos debates. “É o momento de refletir, avaliar e buscar soluções para o fortalecimento e a capacitação do Sistema Nacional do Meio Ambiente”.
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