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Começou o combate

Autor original: Marcelo Medeiros

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Começou o combate


Os enfrentamentos prévios ao referendo sobre o fim do comércio de armas, marcado para 23 de outubro, já começaram. O lançamento da Frente Rio sem Armas, marcado para 11 de agosto na sede da ONG carioca Viva Rio, teve que ser modificado por causa de uma ordem judicial. A Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa - favorável ao comércio das armas - obteve uma liminar no Tribunal Eleitoral proibindo o evento ao alegar que a ONG recebe recursos do exterior, o que fere a legislação eleitoral. Entretanto, a legislação se aplica a partidos políticos, e não a associações. Apesar da proibição, os integrantes da frente contrária à venda de armas se adaptaram, reunindo-se em um restaurante. Não lançaram oficialmente o grupo, mas discutiram os temas relacionados à campanha, que contará com diversos parlamentares e artistas trabalhando voluntariamente. Na reunião definiram linhas de ação e fecharam parcerias.

Nesta entrevista, Sebastião Santos, articulador da sociedade civil na Frente Rio Sem Armas, comenta a decisão judicial e adianta que advogados já estão tentando reverter a situação. Santos, que é membro do Viva Rio, aproveita para falar sobre o andamento da campanha pelo desarmamento e esclarecer algumas dúvidas.

Rets - Uma decisão judicial determinou que as ONGs não podem participar da campanha do desarmamento. Por quê?

Sebastião Santos - Não foi proibição, utilizou-se o mesmo critério aplicado aos partidos. De acordo com a lei eleitoral, os partidos não podem receber recursos externos para serem aplicados em campanhas. Como normalmente igrejas e ONGs recebem apoio de fora, elas estariam proibidas de captar recursos ou contratar serviços para a campanha. Mas em momento algum há veto de participação.

Rets - A lei eleitoral coloca essa proibição para eleições partidárias. O referendo está nessa categoria?

Sebastião Santos - Aí está o problema. Estamos consultando nossos advogados para saber se esse [a proibição de ONGs que recebem dinheiro do exterior participarem organização da campanha] é um ato juridicamente perfeito. Estamos questionando o Tribunal Superior Eleitoral quanto a isso. Se ele mudar de opinião, com certeza vai entender que ONG não é partido.

Rets - Essa decisão pode prejudicar a campanha?

Sebastião Santos - Uma coisa são os recursos, outra a mobilização. Essa é uma campanha na qual temos certeza de que envolverá a sociedade civil. A iniciativa tem cara da campanha contra a fome, liderada pelo Betinho há alguns anos. As pessoas vão se motivar e, a partir da motivação de cada pessoa e entidade, uma organização vai surgir e ser suficiente para mobilizar ainda mais pessoas. Vai depender da criatividade.

Toda a parte visual está sendo feita por voluntários, publicitários que se juntaram e criaram o logotipo, por exemplo. O filme e os spots de rádio serão todos produzidos pelos irmãos João Moreira e Walter Salles. A idéia, portanto, é que a campanha vá recebendo adesões de todos os setores.

Rets - A participação da sociedade está garantida?

Sebastião Santos - Com certeza. Uma coisa são os recursos, outra o uso da criatividade. O apoio da sociedade ficou claro na quinta-feira (11 de agosto) quando lançamos dois livros sobre desarmamento no Rio. A campanha também deveria ter sido lançada, mas, para não descumprir a ordem judicial, preferimos transferir o evento “político” para um restaurante e lançar apenas os livros.

Rets - Como foi esse evento?

Sebastião Santos - Ele teria a participação do presidente da Frente Parlamentar Rio Sem Armas, Renan Calheiros, mas devido ao agravamento da crise, ele não pôde comparecer. Estiveram outros deputados, como Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Carlos Minc (PT-RJ); artistas - Sandra de Sá, Fernanda Abreu e Marcelo Yuka - e representantes de movimentos sociais e ONGs.

O interessante é perceber que a sociedade está sensibilizada para a causa e que cada pessoa, nos escritórios, nas escolas, procura fazer bem para a campanha.

Rets - A crise política pode afetar a campanha?

Sebastião Santos - Se a situação política se agravar, certamente vai afetar, pois faz as pessoas se desmobilizarem, tornarem-se descrentes. Coincidências de datas também podem prejudicar a atenção.

Esperamos que isso não aconteça e que haja uma participação mais participativa, que atinja cada um de nós que quer ver um Brasil mais justo e solidário.

Rets - Como a campanha contra o desarmamento está se articulando para enfrentar sua adversária, a campanha pela manutenção da autorização da compra e venda de armamentos?

Sebastião Santos - Sabemos que o resultado de 80% apoiando o fim da comercialização apontado por pesquisas recentes é um teto. Dificilmente teremos uma vantagem desse tamanho quando começarem as propagandas. Já sabemos que esse índice vai cair, o problema é quanto.

Nosso caminho é o do convencimento. Já estão sendo produzidos vários materiais. Essa é uma campanha que já foi feita lá fora e está só começando por aqui. As pessoas querem ter mais clareza sobre o assunto e no que votar.

Rets - Como estão se articulando as campanhas estaduais?

Sebastião Santos - Vários estados já criaram comitês de recolhimento de armas antes mesmo da regulamentação do referendo. Todos os núcleos vão continuar seus trabalhos e ainda fazer campanha pelo desarmamento. Logo, já existe uma base para a ação nacional, mas uma coisa é você montar postos de recolhimento, outra é “botar o bloco na rua”. Daí precisamos fazer panfletagem, divulgar idéias etc.

Rets - Um esclarecimento: como fica a situação de quem tem uma arma legal no caso de o resultado do referendo ser a proibição do comércio de armamentos?

Sebastião Santos - Quem já tem arma, comprada de maneira legal, não há problema. Vai continuar com todos os seus direitos adquiridos. A partir do referendo, se o resultado for a proibição, quem adquirir armamento estará fora da lei.

O Estatuto do Desarmamento tem diversos itens a serem regulamentados, entre eles a questão da compra de armas fora do país e a decisão de quem poderá portar armamentos. Tudo isso será regulamentado e adequado às diferentes regiões e usos. É diferente ter uma arma no Rio ou em São Paulo do que no Acre ou em Roraima.

Rets - A regulamentação não corre risco de demorar a ser feita, dada a crise política e daí a situação permanecer igual?

Sebastião Santos - O primeiro passo é a proibição para a venda. Os demais passos dependem da pressão popular. Havendo demanda popular, com certeza o parlamento atenderá os pedidos por regulamentação.

Rets - Como a campanha responde à alegação feita pela indústria de armas de que a proibição à comercialização pode gerar desemprego?

Sebastião Santos - A quantidade de empregos não é significante e já há preocupação em sanar esse problema. O governo federal já ofereceu recursos do BNDES para as indústrias converterem parte de sua produção e assim não terem que demitir as pessoas. Isso inclusive já foi negociado com o governo do Rio Grande do Sul, onde está a maioria das fábricas de armas.

Rets - A campanha está atenta para o problema do contrabando de armas? Como ela aborda o assunto?

Sebastião Santos - O próprio estatuto já prevê isso. E em breve haverá uma reunião entre os países da tríplice fronteira [Brasil, Paraguai e Argentina] na qual se discutirá uma solução coletiva para o problema com base em mais fiscalização.

Marcelo Medeiros

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