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O foco pode estar no lugar errado

Autor original: Mariana Hansen

Seção original: Serviços de interesse para o terceiro setor

Será realizada em São Paulo, de 23 a 25 de agosto, a Consulta Nacional sobre a Violência contra a Criança e o Adolescente, no Parlamento Latino-Americano. Essa é a etapa nacional de um estudo global da ONU sobre a violência infanto-juvenil. Helena Oliveira, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), organismo responsável pela iniciativa, explica por que o Brasil é um dos poucos países a ter uma consulta nacional, fala sobre a participação dos adolescentes e a importância do encontro.

Rets - Por que o Brasil é um dos poucos países do mundo a ter uma Consulta Nacional?

Helena Oliveira - Por questões continentais geográficas e por diversidades de problemas no tema da violência, o Brasil, assim como China, Bangladesh e Quênia, realizará uma grande consulta, com mobilização de diferentes atores nacionais. No caso do Brasil, a iniciativa é do Unicef [Fundo das Nações Unidas para a Infância], em ação articulada com oito agências internacionais do sistema das Nações Unidas, ministérios governamentais e a Universidade da Paz. Será uma ação com resposta tanto externa, com relação ao estudo global, quanto interna, de mobilização da sociedade brasileira para o tema da violência contra a criança. A Consulta Nacional faz parte do processo internacional de preparação do estudo mundial sobre violência contra crianças, que é conduzido pelo especialista independente Paulo Sérgio Pinheiro. Já ocorreram 9 Consultas Regionais no mundo. O estudo mundial deverá ser apresentado pelo secretário-geral em 2006, por ocasião da Assembléia Geral das Nações Unidas.

Rets - Quais são os principais problemas detectados no Brasil que contribuem para a violência contra a criança e o adolescente?

Helena Oliveira - Eu destacaria dois grandes problemas vistos como determinantes da violência. O primeiro é a desigualdade socioeconômica. Ao contrário do que comumente se pensa, não é a pobreza o determinante da violência, mas sim a desigualdade social entre ricos e pobres. Não é por acaso que os grandes centros urbanos apresentam os maiores índices de mortalidade e crianças e adolescentes apresentam taxas maiores que a da população.

O segundo é com relação à imagem negativa que a sociedade tem do adolescente. Ainda temos muita resistência em verificar que o adolescente é, na verdade, a principal vítima desta violência. Para que tenhamos uma idéia, os adolescentes autores de atos infracionais são responsáveis por menos de 10% dos atos criminosos registrados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por exemplo. Dados de 2003.

Rets - Quais são as principais expectativas em relação ao estudo? O que se espera alcançar após a sua conclusão e lançamento?

Helena Oliveira - Com relação ao estudo das Nações Unidas, a idéia é aumentar o grau de atenção das ações e políticas nos países membros das Nações Unidas para os altos índices de mortalidades de crianças e adolescentes. Há 20 anos no Brasil, assistimos a índices de homicídios crescendo em escalas maiores que a da população. Por mais que tenhamos projetos de prevenção à violência, estes números continuam crescendo. Alguma coisa está errada! O foco das ações deve estar em outro lugar!

Rets - Como será a participação dos adolescentes?

Helena Oliveira - A participação de adolescentes é prevista durante toda a consulta. Eles participam das discussões, das mesas, da apresentação de projetos e também das propostas de ações. A participação de adolescentes neste processo da consulta acompanha a estratégia global do estudo mundial em que se dedica especial atenção a este público. O relatório final do estudo terá uma versão especial para crianças e adolescentes.

Rets - Como será a participação dos variados atores, que atuam nessa pauta, durante a Consulta Nacional?

Helena Oliveira - A Consulta Nacional reunirá especialistas de universidades e centros de pesquisa, gestores e formuladores de políticas, representantes de ONGs, conselheiros, grupos de adolescentes e jovens. A missão deste time de atores será a de discutir e propor metas e ações de enfrentamento da violência para consolidar uma plataforma de ação inspirada nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e no documento Presidente Amigo da Criança, assinado pelo governo federal em 2003.

Rets - Qual a importância de um estudo dessa magnitude?

Helena Oliveira - O estudo é fundamental. No entanto, no nível nacional, esta consulta pode criar e estimular as condições para mobilização da sociedade e do governo para enfrentar esse problema. Se em alguns anos conseguimos reduzir os altos índices de mortalidade infantil, com muitos esforços e colaboração, por que não podemos reduzir os índices de mortalidade juvenil? Conseguimos manter a criança viva, mas não estamos eficazes em mantê-la viva, quando ela se torna adolescente.

Rets - Como esse estudo pretende atingir a sociedade civil e contribuir para a sua conscientização?

Helena Oliveira - Precisamos chamar a atenção, solidariamente, de todos os formuladores das políticas de garantia de direitos – sociedade e governo  – para determinadas violências que ainda são situações “invisíveis” nos espaços privados da casa e outras que são “silenciadas” nos espaços públicos e periféricos das grandes cidades brasileiras.

Mariana Hansen

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