Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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O Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN) - entregue no último dia 9 de agosto pelo secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Bosco Senra, aos presidentes do Senado e da Câmara - é um exemplo notável de influência e participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas. Lançado em julho do ano passado, a elaboração do PAN envolveu a participação direta de 1.400 pessoas, segundo o secretário, sendo quase 80% dessas pessoas integrantes da sociedade civil.
“Tem muitas experiências dando certo no Brasil, e essas iniciativas são da sociedade civil, como o Programa 1 Milhão de Cisternas, desenvolvido pela Articulação do Semi-Árido (ASA). Essas ONGs têm um trabalho muito forte nas comunidades mais afetadas”, reconhece Senra.
O PAN é um instrumento de planejamento que visa a definir as diretrizes e as principais ações para o combate ao fenômeno da desertificação no Brasil. O programa atende a um compromisso do governo brasileiro com a Convenção de Combate à Desertificação das Nações Unidas e tem suas ações destinadas a cerca de 1.400 municípios do Nordeste e ao norte dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
As ações ligadas ao combate à desertificação contam com R$ 23,5 bilhões no Plano Plurianual (PPA) 2004-2007. Entre as atividades já em andamento, segundo o MMA, estão programas para construção de cisternas, abastecimento de água, divulgação de técnicas adequadas para conservação do solo, alternativas ao uso da lenha e capacitação de agentes públicos e civis para elaboração de projetos.
O próximo passo é a criação de uma comissão interministerial para elaborar o projeto de Política Nacional de Combate à Desertificação, que posteriormente será enviado ao Congresso Nacional.
Convenção e participação
Em âmbito mundial, a desertificação - fenômeno caracterizado pela degradação do solo, decorrente de mudanças climáticas e agravado pela ação humana - afeta cerca de um sexto da população, 70% de todas as terras secas e um quarto da área terrestre total do mundo. A maior parte dessas áreas apresenta baixo potencial de sustento para homens e animais.
No Brasil, essas áreas cobrem uma superfície de mais de 1 milhão km² (16% do país) de climas semi-árido e subúmido seco, que concentra a população mais pobre – cerca de 30 milhões de pessoas. Nessas regiões registram-se as maiores taxas de mortalidade infantil e analfabetismo do país.
O tema da desertificação foi tratado pela primeira vez a nível internacional em 1977, durante a Conferência das Nações Unidas sobre a Desertificação (CNUD), em Nairóbi, Quênia. Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), realizada no Rio de Janeiro, em 1992, o Brasil participou ativamente do processo de negociações da Convenção Internacional de Combate à Desertificação da ONU, de 1994.
A Convenção é um tratado internacional que reconhece os aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos da desertificação e a importância da participação das comunidades locais no desenho e na execução de programas nacionais, subregionais e regionais de ação para lutar contra o problema. Segundo indica a Convenção, os programas devem ser desenvolvidos pelos governos em estreita cooperação com as comunidades locais e as organizações não-governamentais de cada país.
Após a aprovação da Convenção, o governo brasileiro não se mobilizou muito em relação ao assunto, segundo Sílvio Santana, coordenador da Fundação Esquel, uma das organizações integrantes da ASA. “Foram as ONGs que pressionaram, puxaram essa discussão e trabalharam junto com o governo para a elaboração do PAN”, enfatiza. A pressão deu certo: o PAN responde a todas as expectativas das ONGs. “As propostas da sociedade civil foram totalmente incorporadas”, diz ele.
João Otávio Malheiros, secretário-executivo da Associação Maranhense para a Conservação da Natureza (Amavida), concorda que o programa atendeu à recomendação da Convenção de envolver a participação da sociedade civil. "No Brasil, mais de 400 organizações participaram da elaboração do programa em 11 estados brasileiros”, conta.
Para Malheiros, os pontos mais importantes do programa são os eixos que buscam atuar no combate à pobreza, na redução das desigualdades e, principalmente, aquele que define a participação da sociedade civil. “O fato de ser um programa feito com a participação da sociedade civil é seu principal diferencial. Não é mais aquele modelo de política estatal que não atenta para as necessidades reais da população”, diz.
Desenvolvimento sustentável
Para a elaboração do PAN, o MMA criou um Grupo de Trabalho Interministerial e convidou ONGs da ASA, rede de ONGs constituída em 1999, durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção de Combate à Desertificação e à Seca (COP3).
Além da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e do PPA 2004-2007, o Programa Nacional de Combate à Desertificação (PAN) se baseou em outros documentos, como a Agenda 21 e a Declaração do Semi-Árido, da ASA. As convenções das Nações Unidas de Diversidade Biológica e de Mudanças Climáticas também foram observadas.
O objetivo básico do PAN é o de alcançar o desenvolvimento sustentável nas regiões sujeitas à desertificação e à seca. Isso inclui: gestão ambiental e uso dos recursos naturais existentes na caatinga; prevenção e recuperação das áreas afetadas pela desertificação; desenvolvimento e fortalecimento de programas de desenvolvimento integrados para a erradicação da pobreza e promoção de sistemas alternativos de vida nas áreas suscetíveis à desertificação e, finalmente, promoção da participação popular e da educação ambiental, com ênfase no controle da desertificação e no gerenciamento dos efeitos das secas.
Sílvia Picchioni, representante da Associação Pernambucana de Defesa da Natureza (Aspan) como ponto focal nacional da sociedade civil para o combate à desertificação, destaca que é preciso desmistificar o semi-árido e a Caatinga para o Brasil. “A Caatinga não é só como costuma ser divulgada em fotos, com gado caindo. É rica e com muito potencial. Essas regiões têm possibilidades de sobreviverem sozinhas, não precisam de esmola, mas precisam de mecanismos para se desenvolver.”
O coordenador da Fundação Esquel ressalta que as ONGs integrantes da ASA, trabalham, há muito tempo, de acordo com os princípios da Convenção. “As práticas de conscientização ambiental e convivência com o semi-árido fazem parte da nossa rotina desde antes da Convenção”. Entre as atividades da ASA, destaca-se o programa 1 Milhão de Cisternas, que tem como principal meta construir um milhão de cisternas para as famílias rurais do semi-árido, garantindo-lhes água de qualidade.
Programas estaduais
O secretário João Bosco Senra informa que desde o início do ano tem sido realizado um trabalho para estimular o desenvolvimento de programas estaduais de combate à desertificação. O trabalho abrange a conscientização de deputados para incorporarem as diretrizes, os conceitos e as ações previstas no PAN, por meio da criação de pontos focais nos estados. “É preciso divulgar esse programa, pois trata-se de uma nova cultura de desenvolvimento do semi-árido e de convivência nessas regiões”.
Os programas de ação estaduais, além de incorporarem as diretrizes internacionais e as do programa nacional, deverão tratar com maior detalhamento as questões específicas de cada estado e deverão desdobrar-se em futuros programas de ação municipais.
O PAN será apresentado em outubro, na próxima reunião da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, em Nairóbi, Quênia, como referência de processo participativo e de perspectiva de desenvolvimento integrado, segundo o secretário.
Mariana Loiola. Colaboraram: Italo Nogueira e Joana Moscatelli
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