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Articulação contra a violência

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






Articulação contra a violência
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Mortes violentas são a principal causa de óbitos de crianças e adolescentes no Brasil. O dado foi um dos apresentados pela representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Marie-Pierre Poirier, na abertura oficial da Consulta Nacional sobre Violência contra a Criança e o Adolescente, realizada de 23 a 25 de agosto, em São Paulo. A iniciativa foi do Unicef, em ação articulada com oito agências internacionais do sistema das Nações Unidas, ministérios governamentais e a Universidade da Paz. A Consulta Nacional reuniu especialistas e pesquisadores desse tema, representantes do poder público e de organizações da sociedade civil. O evento integra a agenda oficial do primeiro estudo global sobre violência contra a criança, liderado pelas Nações Unidas.

No Brasil, a Consulta deu início à discussão sobre as metas e ações de uma plataforma brasileira de enfrentamento da violência contra crianças, adolescentes e jovens brasileiros, que deverá ser concluída até o final do ano. Para isso, foram formados grupos de trabalho para tratar de diferentes tipos de violência: doméstica, sexual, racial e étnica, comunitária, institucional, na escola, no trabalho e na mídia.

“Precisamos chamar a atenção de todos os formuladores das políticas de garantia de direitos – sociedade e governo – para determinadas violências que ainda são situações ‘invisíveis’ nos espaços privados da casa e outras que são ‘silenciadas’ nos espaços públicos e periféricos das grandes cidades brasileiras”, ressalta Helena Oliveira, oficial de projetos do Unicef.

O evento teve a importante função de mobilizar a sociedade brasileira para o tema e articular instituições que enfrentam diferentes tipos de violência, na opinião do coordenador geral do Observatório de Favelas, Jaílson de Souza e Silva. “Há anos o Unicef não tratava do tema da violência. Esse evento foi uma grande vitória. Possibilitou uma maior articulação da sociedade civil, que enfrenta diferentes tipos de violência. É preciso haver uma maior integração para analisar as causas da violência e trabalhar em cima de metas claras”.

Jaílson foi consultor do livro “A violência no ciclo da criança e do adolescente”, recém-lançado pelo Unicef. A publicação apresenta uma análise do tema, propõe uma mudança nas estratégias de enfrentamento da violência contra a criança e o adolescente e reúne dados sobre diversos tipos de agressão.

Banalização

Dentre os tipos de violência que mais aumentam no país, Jaílson destaca a violência letal. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 16 crianças e adolescentes brasileiros morrem assassinados por dia. Adolescentes com idades entre 15 e 18 anos representam 86,35% dessas vítimas. “Não se faz nada quanto a esse tipo de violência, não há políticas públicas. É preciso mudar o treinamento policial com uma política de valorização da vida. Hoje o policial é treinado para matar. Também é necessário impedir o acesso dos jovens ao tráfico de drogas e aos grupos de extermínios”, enfatiza.

Jaílson chama a atenção também para a banalização da violência nas grandes cidades e a omissão da sociedade civil na tarefa de prevenir os assassinatos de adolescentes. “Para a sociedade, isso virou tarefa da polícia. É preciso aumentar o número de experiências que criem mecanismos para combater esse tipo de violência” Para Jaílson, o envolvimento da sociedade deve incluir o compromisso de reduzir os índices de homicídios. “Os índices de assassinatos de jovens deveriam ser acompanhados como se acompanha os índices da inflação”.

Quando se trata de violência, os adolescentes são as vítimas, não os algozes, disse Marie-Pierre Poirier, com base na informação da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo de que 3% dos homicídios dolosos são cometidos por adolescentes. “O fato de um garoto cometer um homicídio é sempre muito chocante, porém políticas públicas e legislação precisam ser definidas a partir de dados de realidade e não responder a casos específicos”, reforçou.

A imagem negativa que a sociedade tem do adolescente dificulta o trabalho de combate à violência, reforça Helena Oliveira. “Ainda temos muita resistência em verificar que o adolescente é, na verdade, a principal vítima desta violência. Para que tenhamos uma idéia, os adolescentes autores de atos infracionais são responsáveis por menos de 10% dos atos criminosos em São Paulo”.

Segundo Marie-Pierre Poirier, o Unicef trabalha em três frentes para frear a violência contra meninas e meninos. “A primeira é advogar pela prioridade às famílias nas políticas públicas para que pais e mães tenham fortalecido seu papel de cuidar de seus filhos. A segunda é ajudar a garantir espaços e formas reais de participação e protagonismo dos adolescentes para que exerçam sua cidadania e estejam protegidos nas escolas, ruas, comunidades. A terceira é a oferta de serviços públicos eficientes e integrais de atendimento às crianças vítimas da violência.”

Diferenças

As políticas públicas que garantam os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) devem levar em conta os recortes de gênero, raça, região etc., de acordo com José Fernando Silva, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). “As políticas e os orçamentos devem ser feitos a partir das diferenças para que o ECA seja efetivado”.

As diferenças aparecem quando se trata, por exemplo, de mortes violentas (homicídios, acidentes de trânsito e suicídios). O relatório “Situação Mundial da Infância 2005” do Unicef mostra que, a cada ano, 14 mil adolescentes são vítimas de mortes violentas no país Desse total, quase 12 mil são meninos, sendo que os garotos negros são as maiores vítimas.

As meninas, por outro lado, são as principais vítimas de violência sexual. Elas representam 80% das principais vítimas da exploração sexual comercial. O Disque-Denúncia, do governo federal, contabilizou mais de 1.500 casos de exploração sexual entre maio de 2003 e fevereiro de 2005.

Os dados sobre abuso sexual também são alarmantes. Segundo a Associação Brasileira de Proteção à Infância (Abrapia), 49% dos casos de abuso sexual vitimam meninos e meninas de 2 a 5 anos de idade. Na opinião de Lauro Monteiro, presidente da Abrapia, o enfoque dado pelas políticas públicas brasileiras de combate ao abuso sexual infantil é equivocado. Para ele, uma plataforma nacional de metas e ações para enfrentar a violência contra a criança deve considerar a importância da prevenção.

“O poder público se preocupa muito com a exploração sexual e se esquece da violência sexual que acontece dentro das casas, praticada por familiares e pessoas próximas da criança. É importante criar políticas públicas voltadas para o combate à violência dento de casa. Os recursos devem estar voltados para educação e orientação sexual da criança e das pessoas que convivem com ela”.

Outro problema, segundo Lauro, é priorizar apenas um dos fatores que propiciam a ocorrência do abuso sexual infantil. “A pobreza é só um dos fatores, e não o único que causa o problema. Apesar de ocorrer em todas as classes sociais, as autoridades voltam suas políticas públicas apenas para as classes mais pobres”. Assim como outras formas de violência, o abuso sexual ocorre em todas as classes sociais e extratos econômicos, acrescenta.

A pobreza não é um dos grandes problemas determinantes da violência contra crianças e adolescentes, mas sim a desigualdade socioeconômica, enfatiza Helena Oliveira. “Ao contrário do que comumente se pensa, não é a pobreza o determinante da violência, mas sim a desigualdade social entre ricos e pobres. Não é por acaso que os grandes centros urbanos apresentam os maiores índices de mortalidade e crianças e adolescentes apresentam taxas maiores que a da população.”

Diante de tantos dados alarmantes, espera-se que sejam intensificados os esforços para proteger os 61 milhões de crianças e adolescentes brasileiros (35,9% da população, em 2000, segundo o IBGE) da violência. A expectativa do Unicef é que a mobilização da sociedade e do governo contra a violência tenha avanços semelhantes aos esforços para diminuir a mortalidade infantil. Ações básicas de saúde conseguiram reduzir a taxa de mortalidade infantil de 43 por mil, em 1990, para 27,5 por mil, no ano passado.

“Conseguimos manter a criança viva, mas não estamos eficazes em mantê-la viva quando ela se torna adolescente. Se em alguns anos conseguimos reduzir os altos índices de mortalidade infantil, com muitos esforços e colaboração, por que não podemos reduzir os índices de mortalidade juvenil?”, questiona.

Mariana Loiola

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