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Falta um projeto de país, diz ex-coordenador do Gesac

Autor original: Marcelo Medeiros

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Falta um projeto de país, diz ex-coordenador do Gesac
Peter Kuper

Apesar de afirmar que não está magoado com sua exoneração do cargo de diretor do departamento de serviços de inclusão digital, o engenheiro elétrico Antônio Albuquerque dispara críticas ao desempenho do Ministério das Comunicações, onde trabalhava desde 2002. Albuquerque deixa o cargo por decisão do ministro Hélio Costa, que, segundo ele, não apresentou nenhuma justificativa para afastá-lo.

O ex-diretor diz estar havendo um desmonte do ministério, o que pode comprometer o prosseguimento dos programas, entre eles o Gesac (Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão), que estava sob sua coordenação. Segundo ele, nada estaria sendo construído no lugar. “O ministério não possui um projeto de país”, reclama.

O engenheiro defende uma política de inclusão digital que vá além da instalação de computadores em áreas pobres ou afastadas dos centros urbanos. Segundo ele, é preciso estimular a organização comunitária, ao mesmo tempo em que se ensina a utilizar máquinas.

Rets - Houve algum motivo oficial para a sua demissão?

Antônio Albuquerque - Não.

Rets - Nenhum tipo de prestação de contas, mesmo da parte do ministro das Comunicações Hélio Costa?

Antônio Albuquerque - Não, também não.

Rets - E de que forma o senhor ficou sabendo de sua dispensa?

Antônio Albuquerque - Pelo Diário Oficial. É um desrespeito. Do mesmo jeito que fui convidado a participar do governo em 2002, ainda na transição, acredito que deveria ter sido “desconvidado”. Sair de um governo é normal, mas acredito que isso deva ser feito com ética.

Não precisamos atacar o que está funcionando, mas aquilo que não foi feito. Há atividades importantes como as rádios comunitárias, onde nada está sendo feito e não conseguimos evoluir. Em relação à política industrial, que é estratégica, ainda há muito a ser feito. A TV digital avançou pouco, está atrasada, mas pelo menos já há debates.

Enfim, não era hora de exonerar ninguém e sim de agregar esforços de várias pastas com gente comprometida com um projeto de país. O Ministério das Comunicações, até agora, não apresentou um projeto.

Rets - O senhor já esperava essa atitude?

Antônio Albuquerque - Não conhecia o ministro Hélio Costa, mas esperava ao menos um diálogo. A princípio eu não sabia de alguns posicionamentos dele em relação ao software livre, à política de inclusão digital e à TV digital. Só vim a saber quando ele chegou. Esperava que ele pudesse fazer uma análise, uma discussão interna. A forma como fui demitido é uma surpresa para mim.

Pedir cargos é outra questão. O ministro tem todo o direito de trazer a equipe que acha mais competente para cargos-chave, ligados ao gabinete dele. Acho normal. Agora, acho que ele deveria fazer uma avaliação do que estava sendo feito. O Gesac [Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão] se tornou, na prática, o único programa do ministério [das Comunicações]. Há outras políticas, algumas iniciativas, mas programa mesmo, de execução, o Gesac é o único. Isso é algo muito significativo, merecia ser avaliado – e não foi. Ou então foi feito de uma forma solitária. Eu não sei as razões que o levaram a proceder assim.

Não é só minha saída. Há toda uma equipe, uma ligação com a comunidade de software livre, toda uma capilaridade social, uma série de demandas que estavam aguardando decisão do Gesac, ações muito interessantes em relação à convergência tecnológica. Várias atividades estavam em andamento que, sem dúvida, levariam o ministro a ser o grande capitão da inclusão digital do governo.

Rets - Você acredita ter alguma motivação política para a sua saída?

Antônio Albuquerque - Eu sou funcionário de carreira do Sistema Telebrás, sou um técnico do setor. A minha participação no ministério tem sido de atender aos pedidos do governo federal dentro do Comitê Técnico de Inclusão Digital, do Comitê de Implantação de Software Livre, dentro do que é a política de telecomunicações. Se há um problema político eu não sei dizer, porque o próprio ministro não externou isso para mim. Ele nem sequer pediu um relatório de avaliação ou abriu um canal de discussão. Desconsiderou todo o processo de informação, de acúmulo existente [no programa]. Isso não foi importante para ele. Eu não sei dizer se há um problema político porque o que eu vejo é através da imprensa: declarações de que é contra o software livre, de que questiona se deve ter um padrão [nacional] do sistema de TV digital, tarifas...

Ele faz parte da equipe Lula. Eu faço parte também. Fazemos parte do mesmo governo. E o governo não mudou. Pode ter mudado o ministro, mas não o governo. O compromisso que eu tinha era com o governo.

Nem sequer discuti com ele. Nem antes, nem depois. Ele vem de Minas Gerais, e eu não tenho nenhum histórico naquele estado. E dentro do ministério não tivemos nenhum contato, nem debates, nem troca de idéias. Parece-me muito mais uma premissa de cargos do que de divergência política.

Rets - Houve outras saídas além da sua?

Antônio Albuquerque - Já existe um processo de desmonte interno. Até por conta das declarações que o ministro fez acerca do software livre, que não seria prioridade. Duas pessoas já avisaram que estão saindo, e mais duas avisarão nas próximas semanas.

Rets - Essas outras pessoas estão se afastando, no caso?

Antônio Albuquerque - É, estão saindo do ministério por iniciativa própria.

Rets - Você poderia dizer quem está saindo do ministério?

Antônio Albuquerque - Prefiro que as próprias pessoas falem. Há um sentimento negativo na equipe depois das declarações do ministro.

Minha intenção não é polemizar. Não tenho mágoa e estou disposto a colaborar com o ministro e o governo em geral sempre que precisarem.

Rets - Essas pessoas explicaram por que estão saindo?

Antônio Albuquerque - O que se tem, na verdade, são todas essas declarações do ministro questionando o software livre, dizendo que vai reorientar, fala em preços. Uma série de informações tecnicamente desconcertadas.

Por exemplo, a questão do preço do Gesac. Ele afirma que não há justificativa para colocar o Gesac numa cidade, pois ele é caro, e que existem outros meios de conexão. Esse é um argumento falso. O programa foi concebido para beneficiar comunidades carentes. Quando ele coloca a questão do preço, isso também não bate, o Gesac é mais barato.

Além disso, o Gesac não é só conexão. Ele oferece uma cesta de serviços muito ampla para a comunidade: teleconferência, telefonia, parte de rádio e TV. Tem que verificar o preço numa ação de porte até futurístico. Embora parte das comunidades já utilize, ainda não estão preparadas para uma rede de inclusão digital pública. Estão engatinhando, avançando ainda.

E aí vem um segundo aspecto: como dizer que 20 pontos estão com baixa utilização? Não fui chamado para avaliar, nem nada, soube pela imprensa. Mas uma coisa é verdade, muitas comunidades estão aprendendo, ainda, no processo. Vai ficar esperando mais 20, 30 anos para que a sociedade brasileira aprenda o que é inclusão digital? Ou você vai colocá-la agora e, ofertando essas capacitações, vai puxando as comunidades para realmente formar a sociedade da informação? Eu acho a segunda opção mais rápida e viável. É um processo de aprendizado, é assim mesmo. Mas temos que puxar esse processo.

Rets - Em nenhum momento ele falou em mudanças na orientação do Gesac, na utilização de softwares livres?

Antônio Albuquerque - Não, o que eu tenho visto é pela imprensa. Internamente não foi mostrada por ele nenhuma informação, não houve nenhum debate. Até porque, também, a política de software livre não é uma política do ministério, mas sim do governo. Eu não sei se ele chegaria a mudá-la, mas existe um Comitê de Governo Eletrônico. Essas coisas que o ministro tem colocado não têm deixado muita clareza.

Rets - O senhor teme alguma mudança na orientação do Gesac com a sua saída e dos que venham a se afastar?

Antônio Albuquerque - O software livre deve ser incentivado. Não há processo de inclusão digital sem uso desse tipo de programa. As parcerias já existentes devem ser aumentadas e aprofundadas. Inclusão digital não pode vir sozinha, deve vir com outras políticas sociais. Também não pode ser só acesso, tem que haver formação de redes. A sociedade quer serviços de governo eletrônico, ter acesso a seus processos na Justiça, matricular seus filhos na escola etc.

A formação de um paradigma para utilização dos R$ 4 bilhões do Fust deve ser uma prioridade. É preciso criar um programa impactante e estruturante.

Rets - A capilaridade do Gesac pode ser prejudicada?

Antônio Albuquerque - O ministro faz uma série de declarações bombásticas, mas não diz o que quer. Ele afirma que o Gesac precisa ser reestruturado, mas nós que estávamos executando-o sabemos da necessidade de mais dinheiro, mais capacitação, remanejamento de pontos, de mais colaboração dos estados etc. A fiscalização também precisa ser melhorada.

Rets - O ministro Hélio Costa já está há quase dois meses no ministério e nada foi feito?

Antônio Albuquerque - Não, nenhum planejamento foi apresentado e eu sequer fui chamado para conversar.


Italo Nogueira. Colaborou Marcelo Medeiros.

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