Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original:
![]() Marco Antonio Mitidiero Junior | ![]() |
No dia 1º de setembro, aproximadamente cem agricultores foram retirados à força da fazenda Tambauzinho, em Santa Rita, na zona da mata da Paraíba. A operação, executada por 700 homens da Polícia Militar, incluindo soldados do Batalhão de Choque, por ordem judicial, foi extremamente violenta. As casas dos trabalhadores foram queimadas, assim como suas roças. Tiros foram disparados e chegaram a atingir alguns, mas ninguém foi morto. Assessores jurídicos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Paraíba, chamados pelos agricultores, foram impedidos de entrar na fazenda para acompanhar a operação. A imprensa foi autorizada a entrar na propriedade, de 159 hectares, mas só depois de repórteres entrarem em contato com a Secretaria de Segurança Pública do estado.
Agora os agricultores estão acampados na porta de suas antigas propriedades, em permanente estado de tensão, já que os capatazes da fazenda os amedontram com freqüência. Todo esse relato é feito pelo geógrafo Marco Antônio Mitidieri, doutorando em Geografia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e estudioso dos conflitos de terra no estado nordestino. Ele acompanhou a operação dizendo-se jornalista, já que sua presença na área foi vetada pela polícia, pois estava acompanhando a equipe da Comissão Pastoral da Terra. Segundo Mitidieri, várias ilegalidades foram constatadas, mas, até agora, nenhum culpado foi apontado.
Rets - Poderia detalhar o que aconteceu na fazenda Tambauzinho?
Marco Antônio Mitidieri - A ação de reintegração de posse começou às cinco da manhã, horário ilegal. As ações só podem ser feitas a partir das oito da manhã. O pedido foi expedido pela juíza de Santa Rita, Maria de Fátima, sem consultas a Brasília. A comunicação com Brasília era necessária porque lá corre o processo de litígio. Inclusive o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, já havia atestado que o local estava em processo de litígio.
Quando cheguei à fazenda, chamado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), vi cerca de 800 policiais, inclusive alguns da tropa de choque, agindo contra umas cem pessoas, a maioria composta de mulheres e idosos. Não se pode dizer que foi uma ação de reintegração, por causa da violência utilizada. Aquilo foi um absurdo. Arrombaram as portas das casas e detonaram bombas de gás lacrimogêneo com as pessoas dormindo. Também jogaram gás de pimenta nas pessoas quando elas saíam correndo de suas casas.
Vi tudo isso de longe, pois quando cheguei, já no final da operação, não me deixaram entrar. Nem eu, nem os assessores da CPT, inclusive um advogado. Um oficial de Justiça leu a ordem de reintegração para o advogado, que afirmou que aquilo não adiantava nada, pois seus clientes não estavam presentes para ouvir a ordem.
Os policiais barraram a entrada de qualquer pessoa na fazenda até a chegada da imprensa. Os repórteres só conseguiram entrar depois de falarem diretamente com a Secretaria de Segurança. Disse que era jornalista e consegui chegar perto da operação, mas o advogado da CPT foi barrado mais uma vez. Lá ouvi relatos terríveis. Um senhor de 57 anos havia sido atingido em cheio na mão por uma bala e ainda foi baleado de raspão na barriga e na perna. Trinta hectares de plantações foram destruídos, assim como as casas, demolidas com tratores depois de terem seus tetos de palha incendiados. Quatro trabalhadores foram presos, mas já estão soltos. Foram acusados de invasão, sendo que moraram lá a vida inteira, desordem e resistência à prisão.
Até o ministro Nelson Jobim ligou para a Secretaria de Segurança afirmando tudo aquilo ser um absurdo.
Rets - Houve alguma ação que chamou a atenção?
Marco Antônio Mitidieri - Sim, vi algumas crianças fugindo da polícia e alguns soldados correndo atrás. Atiraram balas de borracha e as arrastaram e imobilizaram, colocando o pé na cabeça delas.
Rets - Quem são os moradores da fazenda?
Marco Antônio Mitidieri - Lá já viveram cinco gerações de agricultores, todos eles pobres. O mais velho tem 80 anos e sempre morou lá. São aproximadamente cem pessoas, em sua maioria mulheres e homens idosos.
Rets - E como eles estão vivendo agora?
Marco Antônio Mitidieri - Não saíram da fazenda, estão acampados e tendo problemas com os capatazes. Recentemente os capatazes cortaram as cordas que prendiam o gado e deram tiros para o alto para assustar os animais e as pessoas. Todos estão vivendo sob clima de medo.
Há poucos dias, um jovem de 18 anos que nem mora lá – tinha ido visitar os pais – foi agredido pelos seguranças da fazenda. O advogado da CPT ficou sabendo, pegou o garoto e foi à delegacia prestar queixa, mas o advogado se negou a fazer o boletim de ocorrência. A advogada foi então à Secretaria de Segurança Pública e o indiciou por omissão, mas até agora o processo não teve resultado.
Para piorar, estão acampados só com a roupa do corpo. Os móveis que foram apreendidos até agora não foram liberados. Está uma verdadeira briga a tentativa de devolução.
Rets - Ações de desapropriação desse tipo são comuns na Paraíba?
Marco Antônio Mitidieri - São comuns no agreste, na Zona da Mata e no brejo. Já ouvi falar de casos de morte. Em outra cidade, atiraram nas pernas de trabalhadores. Quando foram à delegacia dar queixa, descobriram que o mesmo delegado que havia ordenado os tiros estava registrando as queixas.
Rets - Onde são presenciados os casos mais graves?
Marco Antônio Mitidieri - Na Zona da Mata. Isso tem acontecido há um tempo, estimulado pelo aumento do preço da cana e pelos incentivos dados pelo governo federal à produção de álcool. Isso aumenta a cobiça por mais terras. Quem as ocupava eram posseiros, as principais vítimas dos conflitos por terra na Paraíba.
Rets - Qual a história de vida desses trabalhadores?
Marco Antônio Mitidieri - Geralmente eles nasceram nas terras que ocupam ou então eram empregados de fazendas que faliram. Alguns nem empregados formais eram, não recebiam salários, mas ganhavam direito de produzir em uma parte do terreno. Muitos sofreram processo de expulsão de suas terras nos últimos anos, com a valorização da cana, principal produto da Zona da Mata paraibana. Os padres têm um papel importante na organização popular e na defesa dos direitos dessa parcela da população.
Rets - E como se dá o processo inverso, ou seja, a desapropriação de terras para servirem à reforma agrária?
Marco Antônio Mitidieri - Houve uma onda de desapropriações em 1999 e 2000, quando o Incra agilizou vários processos. Hoje há um imobilismo sem igual. O governo federal doou R$ 2 milhões ao governo estadual para pagar indenizações de desapropriação, mas até agora pouco foi feito. Há 12 propriedades em litígio, atualmente, na Paraíba, e [o processo de] nenhuma delas tem andado.
O proprietário da fazenda Tambauzinho, inclusive, disse que pediu a reintegração de posse por não ter recebido a indenização prometida. Ele afirma que ofereceu outras áreas aos posseiros, mas eles não aceitaram devido à baixa qualidade da terra.
Rets - E qual o caminho que os trabalhadores que sofreram com a ação devem tomar?
Marco Antônio Mitidieri - Aqui não há um movimento como o dos sem-terra, muito bem organizado. Mesmo assim, o caminho é fazer manifestação para que as compras de terrenos sejam feitas logo. Há propriedades em litígio judicial há 10, 12 anos...
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