Autor original: Marcelo Medeiros
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Em setembro de 1990, foi sancionada a lei 8078, que criava o Código de Defesa do Consumidor. A lei representou uma revolução nas relações entre consumidores, comerciantes e indústrias. Tanto que gerou medo para quem fica atrás do balcão. Quinze anos depois, entretanto, a situação é diferente. São poucos os setores resistentes à aplicação da lei e os consumidores estão cada vez mais atentos a seus direitos.
A opinião é de Marcos Diegues, assessor jurídico do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), que comenta o cumprimento da lei durante uma década e meia. Para Diegues, o texto da legislação é bastante avançado, a ponto de não ter sido necessária nenhuma modificação para adequá-lo à popularização do comércio eletrônico. O assessor, porém, não descarta alterações devido à influência da internet. "É uma atividade cuja velocidade e cujo poder de fornecer novidades são supreendentes”, observa.
Diegues aponta as seguradoras de saúde e as agências de turismo como as mais resistentes à plena aplicação do Código, mas acredita que a crescente conscientização dos consumidores deverá modificar esse quadro.
Rets - O que significou a implementação do Código de Defesa do Consumidor?
Marcos Diegues - Se voltarmos no tempo, não dá para falar em implementação. Não se tratava disso. Na verdade, o Código era uma revolução nas relações de consumo. Tanto que havia um ambiente de muito temor entre os empresários, que deixavam de considerar que o objetivo era equilibrar uma relação bastante desigual. Houve um prenúncio de guerra, mas não se trata disso, hoje já está comprovado. A não ser em casos especiais, pois há setores ainda muito resistentes a obedecer o código.
Rets - Foi, então, um trabalho de resistência a esses sentimentos?
Marcos Diegues - Não é possível individualizar. Houve uma conscientização do que significava o Código de Defesa do Consumidor por parte dos consumidores, mas também é necessário reconhecer o trabalho dos Procons, do Ministério Público e das organizações não-governamentais, que não utilizaram o Código como arma. Foi um trabalho de diálogo e exercício de direitos.
Rets - Que setores foram mais resistentes à sua adoção?
Marcos Diegues - É impossível destacar os que foram mais resistentes no começo. Havia casos extremados, que não tinham razão de ser. Os comerciantes, por exemplo, viram-se como a salsicha do pão, recebendo cobrança das indústrias e dos consumidores ao mesmo tempo.
Hoje, porém, é possível apontar os mais resistentes. Entre eles está o sistema financeiro, que busca retirar as responsabilidades dos bancos por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade [Adins] e também as agências de turismo, que contam com um projeto de lei que as exclui do princípio de responsabilidade solidária. Elas não querem responder, por exemplo, por problemas com o hotel quando vendem pacotes turísticos.
Rets - Apesar desses casos, é possível afirmar que depois de 15 anos o Código de Defesa do Consumidor é respeitado?
Marcos Diegues - Sem dúvida! Ainda é preciso avançar em alguns aspectos, mas o tratamento está sendo respeitoso, até agora, de uma forma geral. Alguns setores possuem mesmo uma relação conturbada com os consumidores, devido à sua natureza e à legislação, e quanto a isso pouco podemos fazer. Já é possível perceber, entretanto, tentativas de alterar o texto do Código a pretexto de modernizá-lo.
Rets - O surgimento do comércio eletrônico tem provocado mudanças na forma de comprar produtos. Como está a defesa dos direitos do consumidor nessa área?
Marcos Diegues - O Código de Defesa é totalmente aplicável ao comércio via internet. É uma lei tão avançada a ponto de abranger o comércio eletrônico, que mal era pensado quando ela foi adotada. Por isso não se justifica qualquer tipo de alteração para modernizá-la.
Rets - Mas não será necessário modificar a legislação em alguns anos, devido ao crescimento do comércio via internet?
Marcos Diegues - Eventualmente sim, mas eu não saberia identificar o que, nem quando. É uma atividade cuja velocidade e cujo poder de fornecer novidades são supreendentes, logo é difícil dizer quando será necessário mudar a lei. As questões mais delicadas atualmente estão relacionadas ao uso de dados de clientes, mas o Código já prevê limites a esse uso.
Rets - Atualmente os casos estão mais fáceis de serem resolvidos do que antes?
Marcos Diegues - Sim. Em parte, por causa da desmistificação do Código e também por causa da conscientização das pessoas, que conhecem mais seus direitos e os exigem.
Rets - O Código influenciou a concepção de novos produtos?
Marcos Diegues - Acredito que sim, tanto que hoje em dia temos produtos com melhor nível de qualidade e segurança do que antes. Isso acontece porque a responsabilidade, se algo acontecer, já está designada.
Rets - O governo tem garantido o exercício desse direito?
Marcos Diegues - Nos níveis estadual e municipal, houve um grande aumento de órgãos de defesa do consumidor, mesmo que só 10% das cidades, hoje, tenham Procons. Ao mesmo tempo, o Ministério Público avançou também, criando coordenadorias especiais e fazendo ações positivas. No nível federal, posso dizer que estou bastante satisfeito com a articulação entre os poderes e a sociedade civil.
Rets - O Procon inaugurou há pouco tempo um sistema que reúne todos os bancos de dados de alguns estados, facilitando para o consumidor o acesso à informação sobre uma determinada empresa. Como você vê essa iniciativa?
Marcos Diegues - É uma ferramenta que eu nunca havia imaginado e que acredito que chegue a todo o país em breve. Há também o fundo de difusos, ao qual as organizações podem pleitear recursos. Tenho a expectativa de que em breve ele funcione adequadamente.
Rets - Como você imagina a relação entre consumidor e produtores daqui a 15 anos?
Marcos Diegues - Espero que atinja um nível mais avançado, com consumidores mais cientes, assim como os fornecedores. É preciso pensar também no consumo sustentável, na elaboração de uma agenda comum entre consumo e meio ambiente.
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