Autor original: Marcelo Medeiros
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O encanto de Zimbalist com a ONG surgiu a partir de uma conversa que teve com um de seus alunos, Matt Mochary, fundador da Mochary Foundation, entidade norte-americana voltada para a melhoria da educação pública. Mochary veio ao Brasil participar de um evento sobre financiamento de organizações não-governamentais e acabou conhecendo o Afro Reggae. Contou o que viu ao professor, e os dois decidiram fazer um filme sobre o que consideram “uma solução milagrosa” para a pobreza. Encantados com o fato de o Afro Reggae ter nascido da própria comunidade, com pouca ajuda externa ou governamental, e ainda se manter de pé e com sucesso, os diretores acreditam que esse seja um exemplo para todas as áreas pobres do mundo. Tanto que já o exibiram em diversos locais, aproveitando para levantar discussões sobre mobilização social. No Haiti, por exemplo, oito mil pessoas aplaudiram o documentário, mesmo sem entenderem nada de português ou conseguirem ler as legendas em inglês. “É uma mensagem universal”, explica Zimbalist.
Nesta entrevista exclusiva, o diretor conta o que mais o encantou na atuação do AfroReggae e fala como foram seus anos de Brasil, sua relação com traficantes e a convivência com os moradores.
Rets - Como você conheceu o Afro Reggae e decidiu filmá-lo?
Jeff Zimbalist - Eu dava aulas de filmagem e edição na Universidade de Nova Iorque e sempre estive atento a trabalhos feitos nas comunidades latina e negra daqui. Sempre busquei estimular em meus alunos a quebra de estereótipos produzidos pela mídia sobre essas comunidades e a produção de conteúdos diferentes da velha história de criminalidade e pobreza.
Um aluno meu, Matt Mochary, que co-dirigiu o filme, viajou ao Brasil certa vez para participar de evento sobre financiamento social e acabou conhecendo o trabalho do Afro Reggae. Ele voltou dizendo que eu precisava conhecer o projeto, pois iria adorar, já que estavam fazendo o que sempre imaginei. Quando ele me descreveu o Afro Reggae, pedi demissão e uma semana depois estava no Rio conhecendo José Júnior e o programa.
Rets - Quanto tempo duraram as filmagens?
Jeff Zimbalist - Entre idas e vindas, dois anos e meio. Fiz seis ou sete viagens, e em cada uma delas ficava dois meses, em média. Levei alguns meses até conquistar a confiança de todos e começar a filmar. Durante esse tempo, também ensinei os jovens do “Nós do Morro” a usar câmeras, editar vídeos e atuar. Foi uma grande experiência. Eles acabaram ajudando no filme.
Rets - Durante essas viagens ao Brasil, você viveu um tempo em Vigário Geral. Como foi essa experiência?
Jeff Zimbalist - A maior parte do tempo em que vivi no Rio fiquei em Vigário Geral, na casa do Anderson, junto com sua família. Também passei um tempo no Leblon e em Ipanema, onde ficavam o estúdio e os equipamentos. Passei também por diferentes favelas para conhecê-las, saber como vivem e até mesmo me divertir.
De forma geral, os moradores de Vigário sempre foram bastante carinhosos e dispostos a colaborar. Nunca me senti um completo estranho. Apesar de ser norte-americano, todos sempre foram bastante abertos. Até porque a fama do Afro Reggae no exterior não é de agora, então todos já estão acostumados com a presença de estrangeiros fazendo visitas.
No fim da minha estada, o Júnior disse que ninguém tinha sido burro o suficiente para ficar tanto tempo em Vigário filmando tudo. Ele nunca havia dito nada sobre o perigo do local justamente para nos proteger e não ficarmos com medo. Achei engraçado, e no fim deu tudo certo.
Rets - Por falar em perigos, em algum momento os traficantes interferiram em seu trabalho?
Jeff Zimbalist - Nunca diretamente, mas tive contato por intermédio das pessoas de Vigário Geral que me ajudaram nas filmagens. O único traficante com quem tive contato direto foi o JB, que na verdade já deixou o tráfico e hoje é um dos líderes do Afro Reggae.
Rets - E em relação à polícia?
Jeff Zimbalist - Um pouco. Houve uma vez em que nos pararam perto da favela para saber o que estávamos filmando e nos fizeram mostrar todo o nosso material. Acho que suspeitaram que haviam sido filmados fazendo algo ilegal. Outra vez reclamaram do ponto em que estávamos fazendo a filmagem. Mas nada foi muito complicado, posso até afirmar que tivemos uma boa relação. Mostramos o material bruto a uma oficial e ela gostou.
O Afro Reggae tem um programa com a polícia do estado de Minas Gerais que junta policiais e pessoas da comunidade. Isso deve ajudar na imagem da entidade.
Rets - Você se diz interessado por comunidades pobres. Percebeu alguma semelhança entre as favelas cariocas e as áreas pobres de Nova Iorque?
Jeff Zimbalist - Pobreza e racismo são problemas encontrados não só no Brasil, são problemas de todo o mundo. As áreas pobres do mundo, na verdade, parecem enfrentar os mesmos problemas.
A idéia do filme foi justamente mostrar o que o Afro Reggae está fazendo para ajudar sua comunidade a superar essa situação. A idéia era chegar a diferentes locais e dizer: “Olha o que estão fazendo no Brasil”. Foi o que fizemos no Haiti, onde exibimos o filme para oito mil pessoas a céu aberto. A grande maioria era analfabeta, logo não conseguia ler as legendas, mas mesmo assim a exibição foi ótima. As pessoas começaram a discutir se não poderiam fazer o mesmo por lá. Ou seja, o filme atingiu seu objetivo de promover o diálogo.
Rets - E quais as diferenças?
Jeff Zimbalist - É muito difícil de responder. Em Nova Iorque há violência, negligência do poder público em relação aos guetos e dificuldade de mobilização. Por isso acredito que o Afro Reggae seja algo único, pois consegue superar tudo isso. Não conheço nos EUA o orgulho e a animação presentes no Rio. Vigário Geral é hoje muito colorida e possui uma mentalidade de família, de que todos ali precisam se ajudar. Não vejo isso nos guetos de Nova Iorque.
Rets - Você costuma dizer que o Afro Reggae é um exemplo a ser seguido. Por quê?
Jeff Zimbalist - Porque ele é um modelo de desenvolvimento de dentro para fora. É formado por pessoas com pouquíssimos recursos que criaram um movimento sem igual e atingiram um estágio fenomenal. Não houve uma fundação, um governo por trás, foi tudo criado dentro da própria comunidade, o que é muito raro. Provaram ser possível ganhar força por meio da cultura. Acredito que seja uma solução milagrosa.
Algumas exibições nos EUA foram seguidas de debates e houve quem perguntasse como seria possível doar dinheiro para o Afro Reggae. O Anderson sempre respondeu que não queria doações, que achava melhor aquelas pessoas pegarem o dinheiro e investirem em alguma comunidade pobre de sua cidade. É uma mensagem para ajudar irmãos e irmãs que vivem situação parecida. O filme pode ajudar as pessoas por meio de sua mensagem, e só.
Rets - Como o público norte-americano recebeu o filme?
Jeff Zimbalist - Muito bem. Após as exibições, muitas pessoas vinham conversar conosco sobre movimentos locais, o que acho ótimo. Também ganhamos alguns festivais, o que prova que a mensagem é universal. É algo muito importante para a Zona Sul do Rio e outras áreas mais ricas do mundo observarem.
Rets - Há mais algum filme sobre o Brasil em seus planos?
Jeff Zimbalist - Por enquanto, não. Vou ao Brasil agora para reencontrar as pessoas e rodar por algumas favelas para exibir o filme em sessões gratuitas.
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