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A favela no alto

Autor original: Marcelo Medeiros

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A favela decola
Divulgação
Ex-professor de edição de vídeo da Universidade de Nova Iorque, Jeff Zimbalist, 26, largou tudo o que fazia em sua terra natal para ir ao Rio de Janeiro morar numa favela. Foi parar em Vigário Geral, na Zona Norte carioca, comunidade que um dia já foi conhecida pela chacina ocorrida em 1992. Hoje, sua fama vem de algo muito mais positivo: lá está a sede do Grupo Cultural Afro Reggae, que ministra aulas de música, vídeo e teatro a jovens de Vigário e outras comunidades pobres do Rio. O trabalho da ONG motivou a produção, em parceria com Matt Mochary, do documentário “Favela Rising” (algo como “Favela de pé” ou "A favela se levanta"). O filme foi exibido nesta semana durante o Festival de Cinema do Rio, depois de ganhar alguns prêmios em eventos norte-americanos.

O encanto de Zimbalist com a ONG surgiu a partir de uma conversa que teve com um de seus alunos, Matt Mochary, fundador da Mochary Foundation, entidade norte-americana voltada para a melhoria da educação pública. Mochary veio ao Brasil participar de um evento sobre financiamento de organizações não-governamentais e acabou conhecendo o Afro Reggae. Contou o que viu ao professor, e os dois decidiram fazer um filme sobre o que consideram “uma solução milagrosa” para a pobreza. Encantados com o fato de o Afro Reggae ter nascido da própria comunidade, com pouca ajuda externa ou governamental, e ainda se manter de pé e com sucesso, os diretores acreditam que esse seja um exemplo para todas as áreas pobres do mundo. Tanto que já o exibiram em diversos locais, aproveitando para levantar discussões sobre mobilização social. No Haiti, por exemplo, oito mil pessoas aplaudiram o documentário, mesmo sem entenderem nada de português ou conseguirem ler as legendas em inglês. “É uma mensagem universal”, explica Zimbalist.

Nesta entrevista exclusiva, o diretor conta o que mais o encantou na atuação do AfroReggae e fala como foram seus anos de Brasil, sua relação com traficantes e a convivência com os moradores.

Rets - Como você conheceu o Afro Reggae e decidiu filmá-lo?

Jeff Zimbalist - Eu dava aulas de filmagem e edição na Universidade de Nova Iorque e sempre estive atento a trabalhos feitos nas comunidades latina e negra daqui. Sempre busquei estimular em meus alunos a quebra de estereótipos produzidos pela mídia sobre essas comunidades e a produção de conteúdos diferentes da velha história de criminalidade e pobreza.

Um aluno meu, Matt Mochary, que co-dirigiu o filme, viajou ao Brasil certa vez para participar de evento sobre financiamento social e acabou conhecendo o trabalho do Afro Reggae. Ele voltou dizendo que eu precisava conhecer o projeto, pois iria adorar, já que estavam fazendo o que sempre imaginei. Quando ele me descreveu o Afro Reggae, pedi demissão e uma semana depois estava no Rio conhecendo José Júnior e o programa.

Rets - Quanto tempo duraram as filmagens?

Jeff Zimbalist - Entre idas e vindas, dois anos e meio. Fiz seis ou sete viagens, e em cada uma delas ficava dois meses, em média. Levei alguns meses até conquistar a confiança de todos e começar a filmar. Durante esse tempo, também ensinei os jovens do “Nós do Morro” a usar câmeras, editar vídeos e atuar. Foi uma grande experiência. Eles acabaram ajudando no filme.

Rets - Durante essas viagens ao Brasil, você viveu um tempo em Vigário Geral. Como foi essa experiência?

Jeff Zimbalist - A maior parte do tempo em que vivi no Rio fiquei em Vigário Geral, na casa do Anderson, junto com sua família. Também passei um tempo no Leblon e em Ipanema, onde ficavam o estúdio e os equipamentos. Passei também por diferentes favelas para conhecê-las, saber como vivem e até mesmo me divertir.

De forma geral, os moradores de Vigário sempre foram bastante carinhosos e dispostos a colaborar. Nunca me senti um completo estranho. Apesar de ser norte-americano, todos sempre foram bastante abertos. Até porque a fama do Afro Reggae no exterior não é de agora, então todos já estão acostumados com a presença de estrangeiros fazendo visitas.

No fim da minha estada, o Júnior disse que ninguém tinha sido burro o suficiente para ficar tanto tempo em Vigário filmando tudo. Ele nunca havia dito nada sobre o perigo do local justamente para nos proteger e não ficarmos com medo. Achei engraçado, e no fim deu tudo certo.

Rets - Por falar em perigos, em algum momento os traficantes interferiram em seu trabalho?

Jeff Zimbalist - Nunca diretamente, mas tive contato por intermédio das pessoas de Vigário Geral que me ajudaram nas filmagens. O único traficante com quem tive contato direto foi o JB, que na verdade já deixou o tráfico e hoje é um dos líderes do Afro Reggae.

Rets - E em relação à polícia?

Jeff Zimbalist - Um pouco. Houve uma vez em que nos pararam perto da favela para saber o que estávamos filmando e nos fizeram mostrar todo o nosso material. Acho que suspeitaram que haviam sido filmados fazendo algo ilegal. Outra vez reclamaram do ponto em que estávamos fazendo a filmagem. Mas nada foi muito complicado, posso até afirmar que tivemos uma boa relação. Mostramos o material bruto a uma oficial e ela gostou.

O Afro Reggae tem um programa com a polícia do estado de Minas Gerais que junta policiais e pessoas da comunidade. Isso deve ajudar na imagem da entidade.

Rets - Você se diz interessado por comunidades pobres. Percebeu alguma semelhança entre as favelas cariocas e as áreas pobres de Nova Iorque?

Jeff Zimbalist - Pobreza e racismo são problemas encontrados não só no Brasil, são problemas de todo o mundo. As áreas pobres do mundo, na verdade, parecem enfrentar os mesmos problemas.

A idéia do filme foi justamente mostrar o que o Afro Reggae está fazendo para ajudar sua comunidade a superar essa situação. A idéia era chegar a diferentes locais e dizer: “Olha o que estão fazendo no Brasil”. Foi o que fizemos no Haiti, onde exibimos o filme para oito mil pessoas a céu aberto. A grande maioria era analfabeta, logo não conseguia ler as legendas, mas mesmo assim a exibição foi ótima. As pessoas começaram a discutir se não poderiam fazer o mesmo por lá. Ou seja, o filme atingiu seu objetivo de promover o diálogo.

Rets - E quais as diferenças?

Jeff Zimbalist - É muito difícil de responder. Em Nova Iorque há violência, negligência do poder público em relação aos guetos e dificuldade de mobilização. Por isso acredito que o Afro Reggae seja algo único, pois consegue superar tudo isso. Não conheço nos EUA o orgulho e a animação presentes no Rio. Vigário Geral é hoje muito colorida e possui uma mentalidade de família, de que todos ali precisam se ajudar. Não vejo isso nos guetos de Nova Iorque.

Rets - Você costuma dizer que o Afro Reggae é um exemplo a ser seguido. Por quê?

Jeff Zimbalist - Porque ele é um modelo de desenvolvimento de dentro para fora. É formado por pessoas com pouquíssimos recursos que criaram um movimento sem igual e atingiram um estágio fenomenal. Não houve uma fundação, um governo por trás, foi tudo criado dentro da própria comunidade, o que é muito raro. Provaram ser possível ganhar força por meio da cultura. Acredito que seja uma solução milagrosa.

Algumas exibições nos EUA foram seguidas de debates e houve quem perguntasse como seria possível doar dinheiro para o Afro Reggae. O Anderson sempre respondeu que não queria doações, que achava melhor aquelas pessoas pegarem o dinheiro e investirem em alguma comunidade pobre de sua cidade. É uma mensagem para ajudar irmãos e irmãs que vivem situação parecida. O filme pode ajudar as pessoas por meio de sua mensagem, e só.

Rets - Como o público norte-americano recebeu o filme?

Jeff Zimbalist - Muito bem. Após as exibições, muitas pessoas vinham conversar conosco sobre movimentos locais, o que acho ótimo. Também ganhamos alguns festivais, o que prova que a mensagem é universal. É algo muito importante para a Zona Sul do Rio e outras áreas mais ricas do mundo observarem.

Rets - Há mais algum filme sobre o Brasil em seus planos?

Jeff Zimbalist - Por enquanto, não. Vou ao Brasil agora para reencontrar as pessoas e rodar por algumas favelas para exibir o filme em sessões gratuitas.

Marcelo Medeiros

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