Autor original: Mariana Hansen
Seção original:
Apresentação*
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A questão da (in)segurança pública e, mais especificamente, da impunidade em relação à violência no estado Rio de Janeiro vem despertando cada vez mais interesse na opinião pública devido ao seu caráter de urgência: a cada dia, nos deparamos com situações de brutalidade e descaso assustadores.
O foco desta publicação é a Baixada Fluminense, região historicamente desfavorecida sócio-economicamente e de maneira geral percebida pela sociedade sobretudo por seus altos índices de criminalidade. Este livro pretende aprofundar a discussão a esse respeito e perscrutar os desafios que se apresentam à Baixada numa perspectiva que abrange sua história, sua formação, sua imagem e seus personagens.
Esta obra é resultado de um processo de pesquisa e reflexão. As instituições e autores nela envolvidos lidam com a temática da violência e exclusão há tempos, e reuniram para trabalhar conjuntamente após a trágica chacina de 31 de março de 2005, que marcou este triste capitulo na história da Baixada.
Durante um intervalo de menos de duas horas, ainda no inicio da noite, 29 pessoas foram assassinadas na porta de suas casas, bares ou trabalhos, nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados. O processo judicial está seguindo seu curso, mas pouca, ou nenhuma dúvida, há de que este episódio foi cometido, mais uma vez, com a participação direta de agentes estatais.
Os familiares das vítimas deste homicídio seqüencial, cujas vidas foram reviradas da noite para o dia, mostram a dura expressão do medo, desesperança e desamparo e como esta população está permanentemente exposta às mazelas sociais de nosso país.
Organizações da sociedade civil mobilizaram-se imediatamente após a Chacina e, como pólo catalisador, foi criado o Fórum Reage Baixada que desde então segue reunindo esforços para apontar soluções efetivas para os principais problemas encontrados na Baixada. Vale ressaltar, ainda, a dedicação de duas instituições locais que, em muitas ocasiões, lideraram os movimentos de protesto e cobrança aos diferentes governos para a imediata tomada de providências específicas sobre o episódio referente à Chacina: SOS Queimados e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Nova Iguaçu.
O sentimento e desejo de justiça e paz se destacavam nas manifestações e voz dos familiares. A aproximação de outros familiares de vítimas da violência reforçou estas idéias. As mães do Rio, mães da Via Show, mães de Acari, Borel, Vigário Geral, dentre outras, ao mesmo tempo que traziam esperança e indignação, lembravam os altos níveis de impunidade de casos cotidianos que envolvem agentes públicos.
Muitas iniciativas contribuíram para que propuséssemos a realização deste trabalho. Nada disso seria possível de imaginar sem a perseverança e força dos familiares das vítimas, desde as inúmeras reuniões noturnas no Colégio Manuel Pereira em Queimados; as caminhadas pela paz de Nova Iguaçu e Queimados; a viagem a Brasília para encontro com o Ministro da Justiça, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Procurador Geral e Deputados Federais do estado do Rio de Janeiro e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal; encontros com os Prefeitos Lindberg Farias (Nova Iguaçu) e Rogério do Salão (Queimados); encontros com o Ministério Público Estadual, reuniões na Secretaria Estadual dos Direitos Humanos, e na Secretaria Especial dos Direitos Humanos – enfim, larga peregrinação por órgãos estatais; atos públicos, entrevistas aos meios de comunicação, estruturação do Fórum Reage Baixada, missas, entre outras ações.
A grande motivação que nos impulsionou foi a certeza que aquelas pessoas cruelmente assassinadas não podiam ser esquecidas. A cada encontro cresciam as demandas, a cada reunião novas possibilidades se abriam, e ao mesmo tempo em que desejávamos minimizar a perda de entes queridos, queríamos ampliar a discussão para a presente situação da Baixada, especialmente em relação a questão referente a impunidade.
Desta maneira, surgiu a idéia de reunir textos que preservassem as particularidades da pesquisa desenvolvida por cada instituição e que, ao mesmo tempo, dialogassem entre si. Assim, este volume se configurou a partir da união de uma reflexão responsável com propostas práticas de ação para reverter o quadro violento com que a Baixada Fluminense se depara.
A parceria entre as instituições proponentes: Fase, Laboratório de Análises da Violência da UERJ, CESEC, Justiça Global, SOS Queimados e Viva Rio, contando ainda com a ótima contribuição do professor José Cláudio Alves, registra para a posteridade a aliança construída coletivamente.
O capítulo "Dilemas e desafios para a cidadania da Baixada Fluminense", da Fase, abre esta publicação abordando a história da ocupação da Baixada, mostrando o complexo percurso deste território marcado pela exclusão social e apontando para a necessidade da implementação de políticas sociais integradas, com especial atenção à juventude.
Em "Violência e política na Baixada: Caso dos grupos de extermínio", José Cláudio Souza Alves traça um panorama certeiro e corajoso sobre os grupos de extermínio da região e suas raízes profundamente vinculadas ao poder político.
"A incidência da violência na Baixada Fluminense, o LAV/Uerj" mostra, baseado em dados e análises acuradas, o que está além da fácil rotulação da Baixada como região violenta e desvinculada do resto do estado do Rio de Janeiro. E deixa claro que o poder público apresenta uma mobilização insuficiente e limitada diante dos altos índices de homicídios da região.
O texto do Cesec, "Mídia e violência - como os jornais retratam a violência e a segurança pública na Baixada Fluminense", traz uma original e reveladora análise da produção jornalística sobre o tema da segurança pública na Baixada Fluminense, mostrando seu importante e duplo papel de denúncia e fonte de estigmatização.
No capítulo "Outros casos de violência policial", da Justiça Global, são relatados três casos de homicídio, ocorridos no Rio de Janeiro entre 2003 e 2004. Um texto instigante que trata de casos emblemáticos de impunidade por diferentes causas, cada qual com sua peculiaridade, onde lembramos seus desdobramentos, nomeamos os envolvidos, as vítimas e seus familiares.
Finalizando, no último capítulo, organizado pelo SOS Queimados e com a participação das demais instituições, são apresentadas 29 propostas contra a impunidade, tanto no âmbito nacional quanto no estadual e municipal. O número é significativo: trata-se de homenagem a cada uma das vítimas da chacina da Baixada, na esperança de que esse tipo de barbárie não volte a acontecer – e que seus responsáveis sejam punidos.
Em comum, os artigos enfatizam a importância de uma atuação ativa e eficaz do poder público, com uma aplicação ampla e efetiva de políticas sociais integradas e pautadas localmente. Por outro lado, alertam contra uma grande arma da violência: a invisibilidade das regiões mais pobres e a indiferença que assola o resto da sociedade. Citando a conclusão do capítulo "A incidência da violência na Baixada Fluminense", “a indiferença é o principal combustível da impunidade”.
Contudo, estes caminhos não estão marcados apenas por discursos, promessas e choro. Houve também abraços, sorrisos e conquistas, como uma maior aproximação de organizações sociais que trabalham com as temáticas da Baixada Fluminense; a criação da Afaviv – Associação de familiares e amigos das vítimas de violência na Baixada Fluminense – como forma de organização na luta contra a impunidade; a aprovação do projeto de lei 2.749/05 que obriga o governo do estado a pagar pensão de até três salários mínimos para as famílias das vítimas até a data em que a vítima, se estivesse viva, completasse 65 anos, e de forma vitalícia ao único sobrevivente da Chacina. Essas são importantes conquistas decorrentes da mobilização de diversos indivíduos, grupos e instituições, que devem ser continuamente rearticulados para ampliar e fortalecer a batalha contra a impunidade.
Resta-nos a esperança e desejo que o Poder Público, seja ele local, estadual ou federal reconheça e faça sua parte, não apenas neste caso específico, mas de maneira ampla e efetiva. Não se trata de justificativas ou medidas paliativas, mas de propostas concretas que sirvam para a construção de uma política mais participativa e justa socialmente.
Por fim nossa homenagem aos milhares de familiares de vítimas da violência na Baixada Fluminense, que mostram a cara de um Brasil que não podemos esquecer ou relegar.
Instituições responsáveis
Cesec
Fase
Justiça Global
Laboratório de Análises da Violência/Uerj
SOS Queimados
Viva Rio
*Esta é a apresentação do livro “Impunidade na Baixada Fluminense”, lançado no dia 30 de setembro para marcar os seis meses da Chacina da Baixada, que vitimou 29 moradores da região. A íntegra da publicação pode ser obtida na área de downloads desta página.
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