Autor original: Joana Moscatelli
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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"Criar uma proposta de educação para crianças que possibilite a elas compreender mais a si mesmas, aprender a conviver com diferenças e entender o poder dos meios de comunicação para o fortalecimento das pessoas”. Com esse objetivo nasceu o projeto “Cala-Boca Já Morreu”, que atua desde 1995 atendendo crianças e jovens de 7 a 18 anos no bairro de Jaguaré, em São Paulo (SP).
No Brasil, o autoritarismo ainda é evidente em vários setores de nossa sociedade. Seja dentro de casa, nas escolas ou nos veículos de comunicação, práticas autoritárias ainda obrigam adultos e crianças a se calar. Contra essa mentalidade, o projeto Cala-Boca Já Morreu defende a idéia de que todos temos direito de expressar nossas opiniões e visões de mundo, independentemente de idade, religião, gênero ou classe social. Ou seja, todas as pessoas têm o “direito de entender como funcionam os sistemas de produção de mensagens, bem como de se valer dos meios de comunicação para manifestar suas idéias e sentimentos sobre todo tipo e qualquer assunto que julgarem pertinente”.
O próprio nome do projeto já traduz bem aquilo que defendem seus integrantes. O que se pretende é oferecer espaço para que crianças e jovens possam se expressar, fortalecendo sua auto-estima e contribuindo para que estejam aptas a participar efetivamente da vida em sociedade.
Grácia Lopes Lima, coordenadora da organização, conta que o objetivo é tornar evidente, tanto para quem produz como para o público, a dimensão educativa dos meios de comunicação. Ela lembra que a mídia funciona como uma escola paralela. “A mídia, dia e noite, sem parar, veicula valores de forma extremamente sedutora, e isso precisa ser entendido pelas pessoas, para que elas consigam compreender seus mecanismos de funcionamento e se valer dessas mesmas estruturas para fazer comunicação do seu jeito, para atender as suas próprias necessidades”.
Grácia ressalta que o que recebemos todos os dias da grande mídia, principalmente a televisão, está comprometido com a lógica do mercado e que somos tratados, desde crianças, como meros consumidores.
“Nesse cenário, certamente a criança é a maior vítima, pois aprende desde cedo, mesmo sem querer, a ser consumidora em potencial, a confundir, por exemplo, desejo com necessidade, ponto de vista com verdade absoluta, entre tantos outros aspectos”.
Com o Cala-Boca, além de aprender a ler criticamente as informações veiculadas pelos meios de comunicação, jovens e crianças descobrem como usar as várias mídias para expressar suas idéias e opiniões. A apropriação dessas novas linguagens permite que eles próprios construam as notícias e passem a valorizar suas falas e fisionomias – não apenas incorporando aquilo que a mídia transmite.
Parceria com rádios comunitárias
Durante muitos anos, o Cala-Boca Já Morreu apresentou programas de rádio em emissoras comunitárias. A parceria com as rádios Cidadã, Charme, Guadalupe e 8 de Dezembro permitiu à iniciativa consolidar um modo próprio de educar crianças e jovens.
“Aprendendo a atender ouvintes, a decidir pauta do programa, a produzir, operar equipamentos e entrevistar especialistas, autoridades ou gente do povo sobre os mais variados temas da atualidade, os participantes do projeto cresceram entendendo o poder dos meios de comunicação nas mãos da população", explica Grácia. Ela destaca a importância da atuação das emissoras comunitárias no Brasil. Esses veículos, afirma, são um espaço de formação política e mobilização social onde os indivíduos podem aprender e lutar por aquilo em que acreditam.
“O fato de a comunicação estar nas mãos de poucos significa que falta muito para nos tornarmos um povo independente de fato. O monopólio impõe um tipo de comunicação que favorece apenas alguns em detrimento da maioria, reforçando a desigualdade”.
Jovens mais atuantes, sensíveis e críticos
Atualmente, o projeto conta com cerca de 60 integrantes e oferece oficinas gratuitas de rádio, televisão, jornal e internet, além de cursos de educomunicação. Outra atividade é o grupo de estudo sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), formado especialmente por estudantes de direito, jornalismo e comunicação que buscam, através da linguagem radiofônica, informar a população sobre questões ligadas ao ECA.
Crianças e jovens do projeto são protagonistas em todas as etapas das atividades, desde a criação até a avaliação dos resultados. A metodologia utilizada busca exercitar um tipo de convivência baseado na co-gestão, ou seja, onde todos têm espaço para argumentar e aprender a conviver com diferenças.
As aulas são gratuitas e abertas a crianças e jovens que queiram participar. Além disso, instituições que estejam interessadas na metodologia do projeto também podem contratar a ONG para que realize os cursos.
Todas as oficinas trabalham, basicamente, os mesmos temas: meio ambiente; saúde, crítica literária e de arte; atualidades sobre o espaço sideral; culinária; política; trânsito; direitos do consumidor e reclamações sobre tratamentos que recebem por parte da família e da escola.
Grácia acredita que a comunicação pode contribuir para a formação de cidadãos mais críticos e conscientes, capazes de contribuir para a “construção de uma sociedade mais justa e fraterna”. Segundo a avaliação da coordenadora, os participantes do projeto passaram a ser expressar com maior clareza e responsabilidade. “O grau de interesse dos jovens é tão grande, que nos permite ter certeza de que investir em práticas educativas pelos meios de comunicação é um dos modos mais eficazes de desenvolver valores humanos num tempo tão carente de pessoas sensíveis, atuantes e críticas”.
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